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3.2. O Universo na visão científica ao longo da história

3.2.1 Conceção cosmológica da antiguidade

A experiência que provém da perceção visual leva as variadas civilizações a acreditar que a terra é plana e a cúpula sideral uma hemisfera cortada no plano do horizonte. Os primeiros astrónomos caldeus e sumérios imaginavam essa hemisfera suportada por pilares colossais, e as suas estrelas eram estudadas pelos chineses, pelos egípcios, pelos árabes, …mas, quer a astronomia quer a cosmologia, não se revestem das caraterísticas das ciências teóricas mas são descrições empíricas e intuitivas. Ainda não estava presente o processo de indução que permitiria a construção de teorias e de leis gerais. Contudo o pensamento começa a progredir para o processo da abstração e para a reflexão crítica (Alves V. S., 1998, p. 373).

Resultado da evolução da própria sociedade, os gregos perceberam que, contrariamente ao pensamento próprio do período mitológico, as coisas sofrem alterações não como resultado da vontade dos deuses mas sim como resultado da ação do homem. Com esta distinção a filosofia, procura explicar a origem, a composição e a evolução do universo. Esse trabalho dos pré- socráticos, apesar de rudimentar, permitiu o advento da fase racional do pensamento ocidental.35

Os fundadores da cosmologia terão sido os filósofos gregos, que nos transmitem “a primeira imagem geométrica e teórica do Universo”, como afirma Vitorino Alves, destacando o papel da Escola de Mileto. No séc. VI a.C. Tales terá sido o primeiro a procurar o princípio primeiro no mundo material. Diz-se que terá viajado pelo Egito, onde desenvolveu os seus conhecimentos de geometria, e pela Mesopotâmia, onde pode estudar astronomia. Mason considera não haver dúvidas de que teve contacto com os mitos criacionistas de ambos, em que a água aparece como caos primordial, motivo que o leva a considerá-la a arché (Mason S. F., 1997, p. 19).

35 O período pré-socrático é também designado como período cosmológico pois a

filosofia centra-se no estudo da origem do cosmos (que significa ordem, harmonização), entendido a totalidade do existente no universo. Dessa forma a humanidade deixa de explicar a origem do universo com base nos mitos e das divindades e passa a procurar explicações racionais

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desta série de considerações e problemas de uma forma científica e reflexiva, introduzindo o conceito de princípio originário de todo o ser, constitui o seu grande mérito histórico (Hirschberger, 1991, p. 46).

Os primeiros instrumentos astronómicos foram criados, com o objetivo de observar os astros e os seus movimentos, por Anaximandro de Mileto36,

quase contemporâneo de Tales, para quem a determinação da origem das coisas se encontra no ápeiron, que podemos traduzir por indeterminadamente infinito ou infinitamente indeterminado, um princípio de ser obviamente mais geral e abstrato do que o apresentado por Tales. Mas apresenta um sistema astronómico geocêntrico, em que a terra tem forma cilíndrica e se encontra fixa no centro do universo.37 O espaço que se situa entre as estrelas e entre os

planetas é, segundo o filósofo, ocupado por uma substância ígnia e transparente (Alves V. S., 1998, p. 374), o que denota uma preocupação de análise material da realidade. Alves considera que são decisivas para a ciência grega a primeira imagem geométrica do universo bem como a teoria do sistema radial simétrico.

A natureza tornou-se mais impessoal e a tendência para eliminar os deuses da natureza e considerar os corpos celestes como objetos materiais sólidos vai manter-se nos filósofos pré-socráticos (Mason S. F., 1997, p. 19).

Com os pitagóricos a arché é o número, passando desta forma a centrar- se o princípio dos seres não na matéria mas sim na forma. É o número que dá forma, é o número que determina o indeterminado. É esclarecedor o que afirma Vitorino Alves (opus cit. P.375) com base nos fragmentos de Filolau e nas citações aristotélicas sobre os pitagóricos. “Todos os movimentos das esferas celestes (ou círculos dos astros) obedecem às leis dos números e da geometria. Esta teoria sobreviveu até à Idade Média. Era já a intuição das

36 De Anaximandro é o primeiro escrito filosófico do ocidente, com o título   (Sobre a natureza).

37 Trata-se de um sistema radial simétrico em que o diâmetro tem três vezes a sua altura, girando à sua volta os astros e planetas, cujas distâncias se encontram numa razão geométrica de 9, 18 e 27 vezes o raio terrestre. À sua volta e à distância de 3x3= 1x9 vezes o raio da terra, encontra-se a esfera das estrelas, à distância de 2x9 encontra-se a esfera da lua, e à distância de 3x9 encontra-se a esfera do sol.

futuras leis de Kepler e da lei da gravitação universal de Newton ou Einstein que se traduzem em leis matemáticas”. Além disso os pitagóricos destacam que esses movimentos são curvilíneos e que o Cosmos era esférico e infinito, apesar de o seu sistema cosmológico ser pirocêntrico. A terra deixa de ser vista como imóvel e centro do universo para ter forma esférica e rodar em torno de um centro, conclusão que viria a ser contrariada por Platão, uma vez que o seu sistema é geocêntrico.

Para Platão, uma filosofia que pretendesse ser geral precisava de incorporar uma teoria sobre a natureza do universo, sendo que essa teoria teria de estar subordinada à ética, à política e à teologia, e ser desenvolvida para tornar estas mais plausíveis, de tal forma que Plutarco refere que Platão eliminou da astronomia a mancha do ateísmo subordinando as leis naturais aos princípios divinos (Mason S. F., 1997, p. 40).

A cosmologia de Platão considera que os corpos celestes são constituídos por uma substância divina, pelo que os movimentos são causados pela alma cósmica. O sistema volta a ser geocêntrico, com a terra imóvel, num cosmos esférico e finito espacial e temporalmente, visto ter sido feito por Deus à imagem do modelo ideal.

Poderemos afirmar que Platão acrescentou as questões da génese e causalidade do cosmos, mas o seu ensaio de astronomia38 não conseguia

explicar as posições variáveis dos planetas, nem as causas das rotações nem a substância das esferas homocêntricas em que se fixavam os planetas, a lua e o sol (Alves V. S., 1998, p. 377).

Na tentativa de aperfeiçoar a cosmologia platónica, Aristóteles vai complexificar o sistema de esferas (num total de 55 esferas) e inferir a sua

38 Como podemos ler na História da Filosofia de Hirschberger, “A obra essencial para

reconstruir a cosmologia platónica é o Timeu. Este diálogo influiu, como nenhuma outra obra, sobre as ideias cosmológicas do Ocidente. Foi também lido na Idade-Média, na tradução latina de Cícero e de Calcídio, junto com o comentário deste. Nele se inspira particularmente a cosmografia e a enciclopédia medieval, como, por exemplo, a de Guilherme de Conches ou a de Honório de Autún. Mesmo Galileu buscou nela decisivas sugestões para o esboço matemático do seu sistema cosmológico. (…) Como na sua psicologia, também aqui recorre frequentemente ao mito. Primeiro, por não poder haver ciência exata no domínio do mundo espácio-temporal, como ele diz; e, depois, porque a imagem e o símbolo, pelo menos, deixam pressentir o que o conceito puro não é capaz de apreender.”

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matéria e, porque seria absurdo considerar uma extensão material infinita, era finito, sendo o seu centro estático a terra. Ao seu redor, nas esferas concêntricas transparentes giram os restantes astros e planetas, que são arrastados pelo movimento das esferas em que se encontram. Esse movimento é transmitido pela última esfera, na qual estão fixas as estrelas, sendo esta, por sua vez, movida por um motor imóvel que Aristóteles identifica como o Intelecto divino.

Aristóteles considera, com base nesses pressupostos, o movimento dos astros circular, apesar de perceber a variação na intensidade no brilho dos planetas ao longo do ano, o que indicaria uma trajetória elíptica, pondo em causa a circularidade das trajetórias, ou a variação da luminosidade ao longo do tempo, o que colocaria em questão a imutabilidade da substância celeste.

Esse é um outro aspeto a considerar: a distinção radical entre o mundo celeste e o mundo terrestre. Se o mundo terrestre é composto de matéria, os quatro elementos, sujeita à mudança e às transformações, o mundo celeste é composto de corpos imutáveis, esferas perfeitas formadas por um elemento incorruptível, o éter, a quinta essência (Mason S. F., 1997, p. 47).

Vitorino Alves cita, em relação a Aristóteles, uma afirmação de Couderc em Les Ètapes de l’Astronomie que nos parece importante no âmbito deste trabalho: “Ele não deixou de ser um grande sábio e não pode ser responsável pelos abusos da Idade Média que em vez de aplicar o seu princípio de apelo ao concreto preferiu tomar os seus escritos por definitivos” (Alves V. S., 1998, p. 378)

Aristarco de Samos, 310-230 a.C., concebeu a hipótese científica mais original do período alexandrino. Stephen Maison destaca na obra citada (p.61) que, quer Arquimedes quer Plutarco, referem a teoria de Aristarco, afirmando o último que Aristarco deveria ter sido perseguido por impiedade por afirmar que a terra rodava diariamente em torno do seu eixo e que se movia à volta do sol, numa órbita circular que durava um ano, encontrando- se as estrelas e o sol fixos e movendo-se os restantes planetas em órbitas circulares à volta do sol. Esta leitura cosmológica ficou, contudo, esquecida.

De facto, a explicação cosmológica aristotélica foi reafirmada nos seus pontos essenciais por Ptolomeu, da escola de Alexandria, no séc. II, e no séc. XIII consagrada pelo filósofo cristão S. Tomás de Aquino, passando a ser considerada como modelo do universo criado por Deus.