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Capítulo 1: Stress relacionado com o trabalho e burnout

2. Conceito de burnout

O termo burnout parece ser proveniente do verbo “to burn out” que significa falhar, desgastar e estar exausto por exigências excessivas de energia, força ou recursos (FREUDENBERGER, 1974). Em 1974, esse autor, médico psiquiatra, publicou o artigo intitulado “Staff burn out” na sequência de ter observado perdas progressivas da energia, da motivação e do empenho, acompanhadas por uma diversidade de sintomas mentais e físicos, em voluntários que lidavam com toxicodependentes. Freudenberger foi assim determinante na constituição do estudo do burnout como fenómeno psicológico.

Na mesma época, mas de um modo independente, ocorreram os trabalhos realizados pela psicóloga social Christina Maslach (MASLACH, 1976), relativamente ao burnout. Essa autora estudou a forma como os profissionais de saúde lidavam com as exigências emocionais do trabalho e observou que alguns deles estavam emocionalmente exaustos, tinham desenvolvido percepções negativas acerca dos seus doentes e duvidavam da sua competência profissional. Posteriormente, desenvolveu o modelo multidimensional do

burnout e construiu o MBI – Maslash Burnout Inventory (MASLACH, JACKSON,

LEITER, 1996), contribuindo de um modo determinante para a conceptualização e estudo do burnout.

Assim, o conceito de burnout surgiu como um problema social fortemente associado a problemas sentidos pelos profissionais, particularmente os da área da saúde, tendo sido abordado de acordo com duas perspectivas: (1) a perspectiva clínica, iniciada por Freudenberger, e orientada para a intervenção, que conduziu à categorização de um enorme número de sintomas de ordem afectiva, cognitiva, física, comportamental e motivacional e (2) a perspectiva empírica, posteriormente continuada pela abordagem fundamentada na teoria (PINTO, 2000), iniciada por Maslach e marcada pelo desenvolvimento de medidas normalizadas que permitiram a abordagem científica desse conceito teórico.

Desde então, o burnout tornou-se um tema muito investigado no meio académico contando, em 1998, com cerca de 5500 publicações, predominantemente nas áreas da saúde (34%) e do ensino (27%) (SCHAUFELI, 1999).

Schaufeli e Enzmann (SCHAUFELI, ENZMANN, 1998, p. 36, citado por SCHAUFELI, 1999), após revisão de várias definições de burnout, propuseram a seguinte definição: “O burnout é um estado mental negativo, persistente, que ocorre em indivíduos sem

patologia psiquiátrica, primariamente caracterizado por exaustão e acompanhado por distress (a nível afectivo, cognitivo, físico e comportamental), sensação de eficácia reduzida, diminuição da motivação e desenvolvimento de atitudes e comportamentos disfuncionais no trabalho. Este estado psicológico desenvolve-se gradualmente e passa despercebido ao próprio durante muito tempo. Os sintomas estão relacionados com o trabalho e com intenções frustradas, sendo que estratégias inadequadas de coping parecem ter um papel importante no desenvolvimento do burnout.”

A definição de burnout mais vezes citada é a proposta por Maslach e colaboradores (SCHAUFELI, 1999) que se referem ao burnout como “uma síndrome de exaustão

emocional, despersonalização e reduzida realização profissional que pode ocorrer em indivíduos que trabalham com pessoas” (MASLACH, JACKSON, LEITER, 1996, p.4).

O burnout é, deste modo, uma experiência individual de stress englobado num contexto de relações sociais complexas, envolvendo o conceito do próprio e dos outros no trabalho (MASLACH, LEITER, 2000).

Maslach e Leiter contextualizam o burnout num modelo multidimensional, com três componentes distintas: (1) a exaustão, em que o trabalhador se sente esgotado e vazio dos seus recursos emocionais e físicos, sem energia para encarar o dia seguinte ou os outros no trabalho (MASLACH, LEITER, 2000); (2) a despersonalização, que se refere a uma resposta excessivamente desprendida, hostil ou negativa ao trabalho (incluindo muitas vezes uma perda do idealismo) (MASLACH, LEITER, 2000), em que o profissional acaba por usar o cinismo, a rigidez ou ignora os sentimentos do doente (FRASQUILHO, 2005) e (3) a reduzida realização profissional ou ineficácia, que reflecte sentimentos de diminuição da competência e da produtividade e que conduz à baixa auto-estima no trabalho. Esta componente representa a dimensão de auto-avaliação do burnout (MASLACH, LEITER, 2000).

A despersonalização é considerada uma dimensão típica da síndrome de burnout e um elemento que permite distingui-la do distress (FRASQUILHO, 2005), tratando-se de uma dimensão interpessoal e não individual, que habitualmente se desenvolve em

resposta à exaustão emocional continuada, no sentido da protecção do próprio, mas com uma percepção desumanizada e impessoal dos doentes (no caso dos profissionais de saúde) (MASLACH, LEITER, 2000).

O burnout representa um processo de adaptação resultante da exposição prolongada a circunstâncias indutoras de stress de natureza profissional, em que a despersonalização se revela como uma estratégia de coping disfuncional, pois contribui para o agravamento e para a cronicidade do burnout com disfunção crónica (MASLACH, LEITER, 2000). De acordo com estes autores, esta síndrome não surge subitamente, mas resulta da exposição prolongada a factores indutores de stress de natureza profissional.

O burnout é entendido como uma variável contínua, situando-se entre níveis baixos, ou moderados a elevados, e não como uma variável dicotómica, a qual está presente ou ausente (MASLACH, JACKSON, LEITER, 1996) e representa a fase final, mais extrema do stress (FRASQUILHO, 2005). Uma elevada motivação parece ser um requisito necessário para o surgimento do burnout (FRASQUILHO, 2005).

O burnout parece ter origem na presença de esforços muito elevados e desproporcionados (de tempo, de envolvimento emocional, de empatia) e na insatisfação (outcome negativo), em presença de condições de trabalho indutoras de stress (elevadas exigências). Afecta principalmente enfermeiros, médicos, assistentes sociais, professores e outros indivíduos em profissões que exigem contacto directo com pessoas (IACOVIDES et al., 2003).

As consequências do burnout podem ser muito graves para os profissionais, mas também repercutir-se nos doentes e na própria organização através da deterioração na qualidade dos serviços prestados contribuindo para o aumento do absentismo, do

turnover e da insatisfação profissional. Esta síndrome também parece estar

correlacionada com vários índices de disfunção referidos pelo próprio, nomeadamente insónia, exaustão física, conflitos familiares e aumento do consumo de álcool ou de drogas (MASLACH, JACKSON, LEITER, 1996).