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Capítulo 1: Stress relacionado com o trabalho e burnout

4. Alguns aspectos da fisiologia do stress

4.2. Respostas fisiológicas associadas ao stress

Uma grande variedade de estímulos físicos, químicos e psicológicos, denominados de “factores indutores de stress”, induz uma resposta psicológica e fisiológica complexa nos mamíferos (PRUETT, 2003).

A resposta de stress resulta de uma ameaça percebida à homeostasia, causando alterações importantes na actividade autónoma e na secreção hormonal, nomeadamente de cortisol. Esta resposta visa conseguir a estabilidade através da mudança, ajudando a recuperar a homeostasia. Contudo, cada indivíduo pode reagir distintamente dependendo das suas características genéticas e das suas experiências prévias (McEWEN, 2003). O conceito de stress de Selye corresponde à resposta fisiológica resultante da activação dos eixos neuronal, neuroendócrino e endócrino, com preponderância para a activação do sistema nervoso simpático e do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal. O sistema nervoso autónomo é activado poucos segundos após a exposição ao estímulo, mas a sua activação diminui progressivamente, cessando quinze a trinta minutos após o desaparecimento da situação que a originou. Aquele prepara o organismo para uma acção intensa e imediata, disponibilizando uma grande quantidade de energia e promovendo alterações fisiológicas como o aumento da frequência cardíaca, da frequência respiratória, da pressão arterial e da glicemia. Simultaneamente, ocorre a

activação do sistema nervoso periférico que, regulando o nível de tensão dos músculos, os prepara para a acção (MENDES, 2002).

Quando o estímulo se mantém, o sistema nervoso autónomo activa a medula das glândulas suprarrenais que liberta catecolaminas, cujos efeitos são idênticos aos produzidos pela activação do sistema nervoso simpático, mas a resposta é mais prolongada. Se a situação indutora de stress persiste, é activado o eixo endócrino. A activação do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal, com a libertação de glicocorticóides pelo córtex da suprarrenal, tem sido sistematicamente associada ao stress, embora outros eixos endócrinos também sejam activados (MENDES, 2002).

Lungberg e Hellstrom encontraram uma relação entre o número de horas semanais de trabalho e os níveis de cortisol salivar em mulheres, determinados num estudo transversal em quatro medições matinais de quinze em quinze minutos (LUNDBERG, HELLSTROM, 2002).

Os corticóides têm efeitos diversos no organismo, positivos e negativos, dependendo de factores como a dose e o tempo em que permanecem a níveis elevados. Os efeitos positivos estão associados a exposições agudas a níveis baixos ou intermédios e incluem, por exemplo, a acção nos processos de adaptação, que são vitais para a sobrevivência, reduzindo a vulnerabilidade a doenças auto-imunes, à febre e às lesões por exposição aos metabolitos das catecolaminas e do álcool e ainda levando ao aumento de parâmetros imunitários por recrutamento para os locais onde são necessários. Os efeitos negativos englobam, nomeadamente, a resistência à insulina, a acumulação abdominal de gorduras, o aumento dos lípidos no soro, a supressão imunitária e a diminuição da memória, associadas à elevação significativa (e crónica) dos níveis de corticóides (LUNDBERG, HELLSTROM, 2002; McEWEN, 2003).

Um outro papel importante dos glicocorticóides é a contra-regulação da própria resposta de stress, quer pela redução do CRF e de vasopressina (interferindo deste modo no eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal), quer pela redução da síntese (e da libertação) de noradrenalina. A chave da adaptação de sucesso parece ser a auto-regulação do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal, sendo possível que as densidades relativas dos

diferentes tipos de receptores adrenérgicos e serotoninérgicos cerebrais possam influenciar a boa ou má adaptação (McEWEN, 2003).

Assim, as respostas fisiológicas de stress parecem ser principalmente caracterizadas pela activação do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal. Esta activação aumenta quer os níveis de glicocorticóides por estimulação do córtex suprarrenal, quer os níveis séricos de adrenalina e noradrenalina pela activação da medula suprarrenal. Ocorre ainda a libertação de noradrenalina nas terminações adrenérgicas pela activação do sistema nervoso simpático (WHITNALL, 1993) que também enervam a medula óssea, o baço, o timo e outros tecidos linfóides (ADER, FELTEN, COHEN, 1990). Muitos outros mediadores parecem estar igualmente associados às respostas fisiológicas de stress, pelo que as concentrações de diversas hormonas como os opiáceos endógenos, a bombesina, a prolactina, a hormona de crescimento, a melatonina, a testosterona e as hormonas tiroideias podem estar aumentadas ou diminuídas e podem contrabalançar, pelo menos parcialmente, os efeitos dos corticóides (PRUETT, 2003).

A analogia entre o conceito de stress desenvolvido por SELYE (1956) e o stress como fenómeno psicológico implica considerar também os aspectos psicológicos do stress e não apenas a manutenção homeostática do organismo, característica da síndrome geral de adaptação que pode resultar de uma série de estímulos não psicológicos, de que é exemplo o frio (LEITE, UVA, 2007).

Perante a presença de determinados factores indutores de stress, múltiplas vias podem ser activadas diferenciadamente ou em simultâneo. A activação de diferentes vias perante factores indutores de stress de natureza psicológica poderá estar relacionada com avaliações distintas que os indivíduos fazem de uma situação indutora de stress, em determinado momento, gerando diferentes emoções (PRUETT, 2003).

Desconhece-se pois, o padrão neuroendócrino associado a cada situação indutora de

stress (particularmente de stress psicológico), podendo existir diferentes padrões de

respostas neuronais e neuroendócrinas de indivíduo para indivíduo, e até no mesmo indivíduo, em tempos diferentes.

Actualmente a bibliografia sugere que a síndrome de resposta a circunstâncias indutoras de stress psicológico não é inespecífica, existindo diferenças subtis no tipo de resposta, de que é exemplo a resposta associada às catecolaminas (SAAB, KLINE, 2000). Há igualmente evidência de que também pode ocorrer a activação de outros eixos hormonais, cuja activação diferenciada e sobreposta parece ser influenciada por múltiplas dimensões circunstanciais e individuais, pelo que a resposta fisiológica é muito mais complexa do que aquela que foi inicialmente descrita.

As alterações psicofisiológicas que ocorrem no contexto de exposição induzida a factores indutores de stress agudo de natureza psicológica (stress induzido e de curta duração), podem ajudar-nos a compreender a complexidade das respostas em situações de stress e as possíveis implicações para a saúde, como a doença coronária ou a hipertensão. Os factores indutores de stress de natureza psicológica também têm impacto noutras funções orgânicas, como sejam as funções neuroendócrina e imunitária, uma vez que as células do sistema imunitário possuem receptores para os mediadores de

stress (ADER, FELTEN, COHEN, 1990).

As utilizações de bloqueios farmacológicos adrenérgicos têm sido particularmente úteis para compreender o modo como os padrões de resposta a factores indutores de stress agudo, de natureza psicológica, são mediados pela actividade de receptores α adrenérgicos ou β adrenérgicos.

O padrão um é caracterizado por aumento da actividade β1 adrenérgica, diminuição do tónus vagal, vasodilatação nos músculos esqueléticos, aumento da frequência cardíaca e elevação da pressão arterial, primariamente devido à elevação do output cardíaco. Pensa- -se que este tipo de resposta está associada a factores psicológicos indutores de stress que envolvem um coping activo, rejeição sensorial ou trabalho mental (SAAB, KLINE, 2000).

O padrão dois está associado a aumentos da actividade α adrenérgica e do tónus vagal, à vasoconstrição nos músculos esqueléticos, a ligeiras alterações da frequência cardíaca e à elevação da pressão arterial devido ao aumento da resistência periférica, ocorrendo essencialmente perante o coping passivo, o evitamento, a inibição, a aceitação sensorial e a vigilância (SAAB, KLINE, 2000).

Apesar dos dois padrões de resposta referidos estarem frequentemente associados com respostas de coping activo e passivo, tem-se verificado que algumas tarefas que implicam coping activo, como o cálculo aritmético e o falar em público, apresentam uma mistura dos padrões de resposta. Mesmo as respostas aos factores experimentais indutores de stress agudo, podem ser modificadas por uma diversidade de factores como as expectativas, o tipo de instruções, a possibilidade de controlo, os incentivos, as diferenças individuais para apresentar um determinado padrão de resposta e as características psicológicas de cada indivíduo (SAAB, KLINE, 2000).

A diversidade e a complexidade nas respostas fisiológicas ainda parece ser muito maior, quando se pretende conhecer o padrão neuroendócrino associado à exposição a factores psicológicos indutores de stress, de natureza crónica e não induzidos laboratorialmente (PRUETT, 2003).