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2. REVISÃO DA LITERATURA

2.2. SEGURANÇA NO TRÂNSITO

2.2.2. Conceito de trânsito seguro

Resgatando o princípio da segurança nos deslocamentos, elencado como um dos elementos a serem observados na elaboração dos planos de mobilidade urbana, conforme disposto no art. 24, combinado com o inciso VI do art. 5º, ambos da Lei nº 12.587, de 2012, observa-se que a Lei não define o que vem a ser esse princípio. Até porque não é esse o propósito dessa norma. Assim, faz-se necessário estabelecer o que se entende por segurança nos deslocamentos.

Inicialmente, convém salientar que a literatura se utiliza de termos sinônimos àquele expresso na Lei, fazendo referência ao mesmo conceito. Por exemplo, tem-se segurança no trânsito, segurança viária, trânsito seguro, trânsito em condições seguras, entre outras expressões que denotam situações livres ou com pouca probabilidade de risco à integridade física ou psicológica de usuários das vias por onde transitam veículos e/ou pedestres.

Sob o aspecto legal, a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), estabelece no § 2º do art. 1º que:

“Art. 1º [...]

§2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.” (BRASIL, 1997)

Nota-se clara consonância com o princípio disposto na Lei de Mobilidade Urbana, ao garantir a todos o direito de se deslocarem em segurança. O legislador do CTB vai além, quando incumbe a determinados órgãos públicos o dever de empreender ações para assegurar esse direito.

25 Honorato (2011), por sua vez, entende que o dever de garantir um trânsito seguro estende-se a todos, entre os quais os usuários das vias, e não somente o Poder Público. Esse autor defende a mudança de atitude por parte de condutores e pedestres, que compartilham o mesmo espaço, em igualdade de condições e, portanto, deveriam adotar comportamentos mais seguros, respeitando as normas gerais de circulação e de segurança.

Cabe aqui ressaltar que, não obstante a importância de que a responsabilidade pelo trânsito seguro nas cidades seja compartilhada entre Poder Público e sociedade (Hughes et al., 2015) – este é um dos princípios do conceito Visão Zero adotado na Suécia, conforme se verá adiante –, o foco do presente trabalho está ajustado para o papel dos gestores nessa questão. Apesar de o olhar da pesquisa estar direcionado para as ações governamentais destinadas a garantir a segurança nos deslocamentos, sobretudo aquelas previstas nos planos de mobilidade urbana, não se pode eximir do usuário a parcela de responsabilidade que lhe compete pelo quadro de violência no trânsito4.

Retornando à questão conceitual, Pavón (1993, apud Honorato, 2011) afirma que segurança no trânsito é o conjunto de condições estabelecidas pelo ordenamento jurídico, de modo a garantir que a circulação de veículos motorizados pelas vias públicas não ofereça riscos superiores aos permitidos. Essas condições estão geralmente dispostas sob a forma dos regramentos de circulação impostas aos condutores de veículos, que contemplam, entre diversos pontos, os limites de velocidade, as regras para ultrapassagem e outras manobras e, ainda, a sinalização de trânsito.

No Brasil, o instrumento jurídico responsável por disciplinar essa questão é o Código de Trânsito Brasileiro. Alguns dos dispositivos nele previstos carecem de regulamentação. São as ditas normas infralegais de trânsito, indicadas em geral nos casos em que se faz necessário estabelecer especificações técnicas de veículos e equipamentos, bem como normatizar procedimentos, entre outras situações. A competência para essa regulamentação é atribuída ao órgão máximo normativo e consultivo de trânsito, o Contran, que a exerce por meio da edição de resoluções e portarias (inciso I do art. 12 do CTB).

Rozestraten (1988) vai além do aspecto normativo e defende que o trânsito seguro é baseado em um tripé sustentado por ações combinadas e coordenadas nas áreas de Engenharia, Educação

26 e Esforço Legal, o consagrado conceito dos 3E. Para Ferraz et al. (2012), Esforço Legal compreende legislação, fiscalização e gestão, ou seja, a organização do trânsito. Riger (2017) destaca que o próprio CTB, instrumento legal nacional de trânsito, evidencia o valor do conceito dos 3E ao destinar os capítulos VI e VIII, respectivamente, a educação e a engenharia e fiscalização.

Há quem acrescente outros aspectos a esse tripé. Na abordagem de Turner et al. (2006), incluem-se o Encorajamento e a Avaliação (do inglês Evaluation). Jamroz, Michalski e Gaca (2006), ao discorrerem sobre programas de segurança viária na Polônia, mencionam as variantes 3E+3C (3E + Cooperação, Coordenação e Colaboração) e 6E (3E + Economia, Encorajamento e Emergência). De modo mais amplo ainda, a segurança do trânsito é uma questão multidisciplinar, que envolve diversas áreas, como Engenharia, Educação, Polícia, Direito, Medicina, Odontologia, Enfermagem, Fisioterapia, Psicologia, Pedagogia, Ciências Sociais, Urbanismo e Comunicação (Ferraz et al., 2012).

Independentemente da evolução e das variações do conceito dos 3E, a abordagem da presente pesquisa ficará restrita aos aspectos que guardem relação com competências do Poder Público, sobretudo na esfera municipal. Antes, porém, de tratar da política pública de trânsito, faz-se necessário tratar de uma questão intimamente relacionada à segurança: os acidentes de trânsito.

De modo simplista e extremista, pode-se dizer que um trânsito seguro é aquele em que não ocorrem acidentes. Nessa linha, associando-a ao conceito de Honorato (2011), Gold (1995) afirma que segurança viária envolve o esforço de toda a comunidade – Poder Público e usuários – visando à circulação de pessoas e bens pelas vias públicas sem a ocorrência de acidentes. Esse também é a ideia da Visão Zero, adotada pela Suécia, segundo a qual é inadmissível que alguém morra ou seja gravemente ferido dentro do sistema de transporte rodoviário (Tingvall e Haworth, 1999). Para se alcançar esse cenário ideal, é preciso conhecer a fundo o que causa os acidentes de trânsito, a fim que sejam adotadas as medidas necessárias e eficazes para a redução da acidentalidade viária.

Associam-se os acidentes de trânsito a três fatores: homem, máquina e meio (Almeida, 2011); (Ferraz et al., 2012); (Diesel, 2013). Em pesquisa realizada nos Estados Unidos, entre 2005 e 2007, 94% dos 5.470 acidentes de trânsito analisados foram causados predominantemente pelo fator humano (US Department of Transportation, 2015). Uma análise precipitada e limitada

27 desse dado poderia levar à conclusão de que a responsabilidade pela ocorrência de acidentes de trânsito é do motorista e, assim, a participação do Poder Público nesse processo seria pequena, pois basta atuar no comportamento dos condutores. Contudo, a análise sistêmica acerca da acidentalidade no trânsito indica que o papel do Estado é extremamente amplo e importante.

Em geral, a associação desses fatores é que leva ao aumento do risco da ocorrência de acidentes (Simões, 2001). Hauer (1990) afirma que essas causas não podem ser analisadas de forma isolada, mas como um conjunto de fatores, até mesmo porque guardam relação entre si. Em diversas situações, o comportamento humano falho poderia ter sido evitado se a sinalização ou o traçado da via fossem melhores (Rozestraten, 1988). Segundo Gold (1998), é possível reduzir significativamente o número de acidentes por meio da engenharia de tráfego, senão eliminá-los totalmente. Da mesma forma, em projetos de engenharia viária, devem ser considerados também os aspectos humanos, como tempo de reação, campo de visão, etc.

Ferraz et al. (2012) apresentam matriz, elaborada por Haddon Jr. (1968) e mostrada na Tabela 2.3, em que são relacionadas as principais ações associadas a cada um dos três fatores que causam acidentes de trânsito, no sentido de evitá-los (período pré-acidente), minimizar as consequências no instante da colisão (momento do acidente) e atenuar os efeitos após o evento (período pós-acidente). Da análise dessa matriz, podem-se observar diversas ações que competem ao gestor do trânsito, relativas aos três fatores causais dos acidentes, tanto nas esferas federal e estadual, quanto no âmbito dos municípios. Mais adiante, a subseção 2.4.4 abordará essas ações mais detidamente.

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Tabela 2.3 - Versão adaptada da matriz de Haddon

Feitas essas breves considerações acerca da acidentalidade no contexto conceitual da segurança no trânsito, na seção a seguir é apresentada a estrutura organizacional e administrativa da política pública de trânsito no Brasil, bem como as diretrizes que devem nortear as ações a serem empreendidas para a redução da ocorrência do número de acidentes de trânsito e, consequentemente, para a segurança no trânsito.

PERÍODO ELEMENTO EXEMPLOS DE AÇÕES

- Redução da exposição ao risco - Conhecimento das normas e regras - Treinamento prático

- Conscientização das pessoas visando a um comportamento adequado - Legislação severa e fiscalização intensa

- Uso de vestimenta com material refletivo por parte de pedestres, ciclistas e motociclistas no período noturno

- Projeto voltado para proporcionar segurança

- Manutenção adequada de freios, pneus, direção, suspensão, etc. - Vidros e/ou visor do capacete limpos e desembaçados

- Material refletivo nas bicicletas e motocicletas para maior visibilidade noturna - Geometria da via adequada

- Limite de velocidade apropriado - Sinalização adequada

- Rugosidade e drenagem da pista adequadas

- Faixa lateral com superfície regular, pequena declividade e sem obstáculos - Inexistência de elementos próximos que prejudicam a visibilidade ou desviam a atenção

- Existência de painíes com mensagens variáveis para avisar sobre condições climáticas adversas, existência de obras, etc.

- Velocidade compatível com o local

- Uso de equipamentos de segurança (cinto de segurança, cadeirinha par crianças, capacete para motociclistas, etc.)

- Crianças no banco traseiro - Cargas no porta-malas ou bagageiro

- Estrutura esterna resistente ao impacto para proteger os ocupantes

- Parte frontal flexível para minimizar as lesões de pedestres, ciclistas e motociclistas - Dotado de bolsa de ar (airbag )

- Faixa lateral com superfície regular, pequena declividade e sem obstáculos - Barreiras de contenção nos locais críticos

- Amortecedores de impacto em elementos rígidos próximos à pista - Rapidez na chegada ao local de atendimento especializado

- Pessoal treinado e equipamentos adequados ao socorro e transporte das vítimas - Tratamento hospitalar de urgência e posterior adequados

- Reabilitação física e psicológica das vítimas - Existência de extintor de incêndio

- Retirada rápida da pista

- Sinalização de emergência na pista indicando o acidente

- Limpeza da pista e recuperação dos dispositivos de controle (semáforos, placas de sinalização, etc.)

Fonte: Ferraz et al. (2012)

Humano Veículo Via/meio ambiente Humano Veículo Via/meio ambiente Humano Veículo Via/meio ambiente PRÉ- ACIDENTE Prevenção do acidente ACIDENTE Prevenção de traumatismos durante o acidente PÓS- ACIDENTE Conservação da vida

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