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4 POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO PRENOME DO TRANSEXUAL À LUZ

4.3 TRANSEXUAIS

4.3.1 Conceito e formas de manifestação da sexualidade

Conforme Felipe Souza Vieira, o transexualismo é considerado uma doença no Brasil, pois se trata de um transtorno de ordem psicológica e médica que faz com que o indivíduo manifeste o desejo de pertencer ao sexo oposto. Esse desejo é tão acentuado que traz sentimentos de ordem psíquica, fazendo com que muitos se isolem diante da depressão, do inconformismo e da repulsa ao próprio corpo272. A Organização Mundial de Saúde incluiu o transexualismo no Código Internacional de Doenças (CID-10), considerando-o um transtorno de identidade sexual273.

270 SILVESTRE, Gilberto Fachetti; LOURO, Arthur Souza. A tutela jurídica da identidade do transexual. Revista do Direito Privado, São Paulo, v. 17, n. 65, p. 99, jan./mar. 2016.

271 DUFNER, Samantha Khoury Crepaldi; AZEVEDO, Cléber José de. A disforia de gênero e o processo transexualizador na busca da identidade e dignidade do transexual. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 105, n. 963, p. 100, jan. 2016.

272 VIEIRA, Felipe Souza. Prenome e Gênero do Transexual - Averbação ou Retificação. Ciência Jurídica, Belo Horizonte, mai.-jun. 2015.

273 “A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde,

frequentemente designada pela sigla CID (em inglês: International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems - ICD) fornece códigos relativos à classificação de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para ferimentos ou doenças”. Disponível em: <http://www.cid10.com.br/>. Acesso em: 01 jun. 2010.

Na mesma diretriz, César Leandro de Almeida Rabelo et al. afirmam que a transexualidade pode ser considerada uma “psicopatologia que leva à inconformidade entre o sexo biológico e o psíquico, e à consequente vontade de adequar seu corpo as suas convicções em forma de um transtorno de identidade sexual, CID 10”274. Vale lembrar que os transexuais podem ter inclinação heterossexual, homossexual ou bissexual, visto que a orientação sexual não tem ligação com o desejo de se identificar biologicamente de forma diversa ao seu sexo biológico275.

De acordo com o Conselho Federal de Medicina, pela Resolução CFM 1955/2010, o Transexual é “portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e/ou autoextermínio”. Dessa forma, não é suficiente que ocorra um mero distúrbio psicológico passageiro, sendo que devem ser obedecidos os critérios estabelecidos no artigo 3º da Resolução acima exposta, quais sejam: desconforto com o sexo anatômico natural; desejo expresso de eliminar os genitais e perder as características primárias e secundárias do próprio sexo; permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos; e ausência de outros transtornos mentais”276.

Não se pode deixar de mencionar que a Associação Americana de Psiquiatria (AAP) retirou o termo “transtorno de identidade de gênero”, descaracterizando o transexualismo como uma doença. Na última revisão do Manual da AAP, utiliza-se a termologia “disforia de gênero” para se referir aos indivíduos que sofrem com o descompasso entre o sexo experimentado e o atribuído277. Segundo Tartuce, há “movimentos científicos e sociais que pretendem considerá-lo como uma condição sexual, assim como ocorreu com a homossexualidade no passado. Seguindo tal caminho, a situação passaria a ser denominada transexualidade e não transexualismo”278.

Insta trazer o conceito de transexual na visão de Heloisa Helena Barboza:

274 RABELO, César Leandro de Almeida; VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo; POLI, Leonardo

Macedo. O direito do transexual de alterar o prenome, o gênero e exercer sua autodeterminação. Revista IOB de Direito de Família, São Paulo, v. 15, n. 82, p. 13, fev./mar. 2014.

275 FUSSEK, Lygia dos Santos. Os direitos civis do transexual em relação à mudança de gênero e prenome. Revista IOB de Direito de Família, São Paulo, v. 15, n. 82, p. 59, fev./mar. 2014.

276 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e revoga a Resolução CFM nº 1602/02. Resolução nº 1.955/2010. Disponível em:

<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2002/1652_2002.htm>. Acesso em: 21 de março 2017. 277 CHAVES, Marianna. Homoafetividade e direito: proteção constitucional, uniões, casamento e parentalidade. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2015. p. 49.

Entende-se como transexual a pessoa que sente pertencer ao sexo oposto ao seu sexo biológico e em razão disso passa a viver em função desse sentimento e a buscar todos os meios disponíveis para compatibilizar o seu corpo com o do sexo que entende ser o seu, o que pode incluir, além da ingestão de hormônios, cirurgias para modificação da genitália. É o caso do homem que se sente mulher e da mulher que se sente homem279.

Posta assim a questão, Roberto Lins Marques assevera que a personalidade sexual não se encontra ligada apenas ao aspecto físico, ou seja, à existência de um órgão reprodutor masculino ou feminino. A sexualidade pertence à ordem do desejo e do inconsciente do ser humano, de modo que, em algumas situações, cria-se uma sexualidade biológica discrepante da sexualidade psicológica280.

É corriqueiro que o transexualismo seja igualado ao hermafroditismo, homossexualismo, bissexualismo e travestismo. Diante disso, é importante diferenciar cada uma dessas formas de manifestação da sexualidade. Em se tratando do transexual, este é portador de disforia de gênero, visto que se sente um indivíduo com o sexo oposto ao que possui, rejeitando as características do seu sexo físico. O hermafrodita apresenta, em virtude de má-formação embrionária, não só o seu sexo genético, como elementos do sexo oposto, fato esse que, na maioria dos casos, demanda intervenção cirúrgica para correção281.

Quanto ao homossexual e ao bissexual, ambos não rejeitam o próprio corpo, tampouco desejam pertencer ao sexo oposto, de modo que o que difere esses indivíduos é que o homossexual é atraído fisicamente por pessoas do mesmo sexo, ao passo que o bissexual se atrai tanto por homens quanto por mulheres282. Já o travestismo é a forma de manifestação da sexualidade que mais se confunde com o transexualismo. Com intuito de demonstrar essa distinção, Lygia dos Santos Fussek esclarece que o travesti utiliza roupas do outro sexo para obter a satisfação sexual e que tais indivíduos podem ser homossexuais, heterossexuais ou, ainda, bissexuais, de modo não querem a remoção de seus órgãos genitais283.

Desde a infância o transexual sofre com a disforia de gênero ou dimorfismo, de forma que sociedade não aceita figuras que destoem do estereótipo comum, assim passam a

279 BARBOZA, Heloisa Helena. Disposição do próprio corpo em face da bioética; o caso dos transexuais. In: GOZZO, Débora. Bioética e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 138. Disponível em: <http://pergamum.unisul.br/pergamum/biblioteca/index.php>. Acesso em: 21 mar. 2017.

280 MARQUES, Roberto Lins. Da possibilidade jurídica de alteração do prenome e do sexo no registro civil pelos transexuais. Revista IOB de Direito de Família, São Paulo, v. 15, n. 82, p. 79, fev./mar. 2014. 281 SCHWEIZER, Marco Aurélio Lopes Ferreira da Silva. Pode o transexual alterar o seu nome e sexo no registro civil das pessoas naturais? Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 11, n. 44, p. 141, out./dez. 2010. 282 ALVES, Káren Savanna Brilhante. O direito do transexual operado à adequação de sua identidade jurídica e sua identidade psicossocial. Revista da ESMAPE, Recife, v. 17, n. 36, p. 228, jul./dez. 2012.

283 FUSSEK, Lygia dos Santos. Os direitos civis do transexual em relação à mudança de gênero e prenome. Revista IOB de Direito de Família, São Paulo, v. 15, n. 82, p. 59, fev./mar. 2014.

ser vítimas de rejeição, desprezo, preconceito e violência moral e física. Diante desse quadro, esses sujeitos têm recorrido, além do tratamento hormonal, a procedimentos médicos, a fim de que possam exercer com plenitude sua sexualidade284. Nessa via, passa-se, a seguir, ao estudo da cirurgia de redesignação sexual.