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INTRODUÇÃO 27 1 A TRAJETÓRIA DO CONCEITO DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL: da

1. Toda pessoa tem direito à saúde, entendida como o gozo do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social.

1.2 AS QUATRO FASES DE DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM RELAÇÃO AO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL: o conceito judicializado

1.2.2 Do Conceito de Judicialização

A maioria dos estudos científicos que aborda o conceito de judicialização (CASTRO, 1996; MACIEL; KOERNER, 2002; BARROSO, 2010/2017; VERONESE, 2009) é uníssona em apontar a obra de Tate e Vallinder (1995) como precursora da sistematização desse conceito, assim como do seu respectivo desenvolvimento. Tal obra teve especial repercussão nas áreas das ciências sociais, ciência política e direito, este inserido no âmbito das ciências sociais aplicadas.

O conceito de judicialização utilizado por Tate e Vallinder (1995) corresponde a duas características sedimentares que ainda influenciam o debate em torno da questão. A primeira descreve a amplitude de atuação do Poder Judiciário em searas antes consideradas exclusivas do Poder Executivo e Legislativo e a segunda demonstra como esses mesmos poderes – responsáveis pela administração pública e elaboração de leis – foram subsumidos à influência do procedimentalismo jurisprudencial no seu modus operandi, de modo a realçar o protagonismo do Poder Judiciário dos anos 1980/1990 até os nossos dias.

Dessa forma, conforme Castro (1996), os componentes da judicialização da política, segundo a obra de Tate e Vallinder (1995), são os seguintes:

(1) um novo “ativismo judicial”, i.e., uma nova disposição de tribunais judiciais no sentido de expandir o escopo das questões sobre as quais eles devem formar juízos jurisprudenciais (muitas destas questões até recentemente ficavam reservadas ao tratamento dado pelo Legislativo ou pelo Executivo); e

(2) o interesse de políticos e autoridades administrativas em adotar (a) procedimentos semelhantes ao processo judicial e (b) sobretudo parâmetros jurisprudenciais, em suas deliberações (muitas vezes, o Judiciário é politicamente provocado a fornecer esses parâmetros) (CASTRO, 1996, p. 2).

A construção do conceito de judicialização consolidou-se com o advento de alguns típicos elementos de mudanças políticas e sociais que aconteceram no Brasil e em parte do mundo nas décadas de 1980/90 e que influenciaram o comportamento das instituições republicanas, assim como seus agentes em sua operacionalização, com consequência direta na implementação de políticas públicas.

Para Tate e Vallinder (1995), as mudanças que ocasionaram o fenômeno da judicialização em parte do mundo ocidental foram as seguintes: a) consolidação da democracia liberal; b) ratificação da teoria da separação dos poderes; c) desenvolvimento

de políticas públicas para assegurar direitos normativamente constituídos; d) utilização dos tribunais por grupos de interesses (lobby); e) utilização dos tribunais pelas oposições políticas; f) ineficácia das instituições políticas para o cumprimento da vontade das maiorias (majoritarian institutions); e g) avaliação negativa das instituições de produção e implementação de políticas públicas.

Houve, portanto, mudanças de cunho jurídico-político que foram decisivas para a contínua expansão do fenômeno da judicialização, como a consolidação da democracia ocidental com o fim da denominada Guerra Fria, o consequente alargamento de constituições participativas para vários países e seus respectivos mandamentos sobre elaboração e execução de políticas públicas que, caso não fossem implementadas, poderiam ser judicializadas, fazendo com que se fortalecesse a figura do Poder Judiciário e, concomitantemente, forçasse uma atuação apenas subsidiária dos Poderes Executivo e Legislativo.

Sobre o conceito de judicialização e de seus fatores condicionais, Barroso (2010) – que amplia a expressão para “judicialização da vida” – relata, seguindo a trilha de Tate e Vallinder (1995), que “Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo” (BARROSO, 2010, p.3). Tal fenômeno, no seu entender, contém várias implicações de natureza linguística, argumentativa e de participação popular, na medida em que juízes e tribunais obviamente atuam em um formato institucional diverso das instâncias preponderantemente executivas e legislativas.

Para Barroso (2017), as causas da judicialização no Brasil se resumem a três elementos fundamentais: a) redemocratização do país tendo como ápice a promulgação da Constituição da República de 1988, o que fortaleceu a concepção do Judiciário como poder político; b) a constitucionalização de políticas públicas que podem ser judicializadas para seu efetivo cumprimento, o que o autor denomina de constitucionalização abrangente; e c) consolidação e ampliação do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade com o direito de propositura amplo previsto no art. 103 da Constituição da República42.

42 “Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

Veronese (2009) também aquiesce com a tendência da literatura jurídica nacional e latino-americana de seguir o clássico conceito de judicialização de Tate e Vallinder (1995), mas aponta críticas no sentido de que se precisaria realizar a separação entre as condicionantes culturais e institucionais que o originou, o que seria relevante em relação às condutas dos integrantes do Poder Judiciário para que se possa extrair elementos de definição de um instrumento de análise. Conforme Veronese (2009): “O problema conceitual passa pela definição de um instrumental analítico capaz de mensurar, claramente, as condicionantes culturais do processo de judicialização, bem como separá- las, (...) dos elementos institucionais” (VERONESE, 2009, p. 254).

Apesar dessa crítica construtiva em busca de uma aferição científica do conceito de judicialização, Veronese (2009) avalia como algo positivo o fato de que o conceito de judicialização no Brasil não está preso a uma concepção normativa e limitada, mas refere- se à fluidez de transição política e social externando a alternância de protagonismo entre os poderes que constituem a nossa república. Para o auto, “Em suma, o conceito de judicialização descreve um processo social. É um diagnóstico de transição no relacionamento entre o Poder Judiciário e os outros dois poderes sociais” (VERONSESE, 2009, p. 257).

Dessa forma, trabalharemos o conceito de judicialização – em relação à especificidade da judicialização da saúde – como abordado pelos autores mencionados, utilizando como referencial a concepção clássica da obra de Tate e Vallinder (1995). Discorreremos, assim, sobre a judicialização como um protagonismo do Poder Judiciário não somente em decisões jurídicas, baseadas na Constituição e na jurisprudência, como também e cada vez mais em decisões sobre elaboração e implementação de políticas públicas lastreadas na normatização constitucional dos direitos fundamentais sociais, como o direito à saúde.

V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

1.2.3 As fases de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Judicialização da

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