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7.1.1 O conceito de parecença familiar

O leitor pode parecer-se ligeiramente com o seu pai e o seu pai pode parecer-se com a irmã dele. Contudo, é possível que o leitor não se pareça nada com a irmã do seu pai. Por outras palavras, podem existir parecenças sobrepostas entre diferentes membros de uma família, sem que exista uma característica única observável, partilhada por todos. Analogamente, há muitos jogos semelhantes, mas é difícil ver o que têm em comum as paciências, o xadrez, o râguebi e a malha.

As semelhanças entre diferentes tipos de arte podem ser deste tipo: apesar das semelhanças óbvias entre algumas obras de arte, podem não existir características observáveis partilhadas por todas: podem não existir denominadores comuns. Se isto for verdade, é um erro procurar uma qualquer definição geral de arte. O melhor que podemos desejar é uma definição de uma certa forma de arte, como o romance, o filme de ficção ou a sinfonia.

7.2 C

RÍTICASÀPERSPECTIVA DAPARECENÇA FAMILIAR

Uma forma de demonstrar a falsidade desta perspectiva seria produzir uma definição satisfatória de arte. Examinaremos a seguir várias tentativas de o conseguir. Contudo, vale a pena notar que mesmo no caso das parecenças de família há algo que todos os membros de uma família têm realmente em comum: o facto de estarem geneticamente relacionados. E os jogos são todos parecidos por poderem constituir interesses absorventes de carácter não prático para jogadores ou espectadores. Ora, apesar de esta definição de jogo ser bastante vaga e nem sequer inteiramente satisfatória — não nos ajuda a distinguir os jogos de outras actividades, como, por exemplo, beijar ou ouvir música —, sugere que pode encontrar-se uma definição mais detalhada e plausível. Se isto pode fazer-se em relação aos jogos, não há razão para afastar à partida a possibilidade de o fazer em relação às obras de arte. Claro que o denominador comum a todas as formas de arte pode revelar-se particularmente pouco interessante ou importante, mas é claramente possível encontrar um.

Consideremos, então, algumas das tentativas de definição da arte. Examinaremos a teoria da forma significante, a idealista e a institucional.

7.3 A

TEORIADAFORMASIGNIFICANTE

A teoria da forma significante, popular no princípio do século XX e particularmente ligada ao crítico de arte Clive Bell (1881-1964) e ao seu livro Art, começa pelo pressuposto de que todas as obras de arte genuínas produzem uma emoção estética no espectador, ouvinte ou leitor. Esta emoção é diferente das emoções da vida quotidiana: distingue-se por não ter nada a ver com interesses

práticos.

Que características das obras de arte fazem que as pessoas reajam daquela forma? Porque evocam as obras de arte aquela emoção estética? A resposta dada por Bell é que todas as obras de arte genuínas partilham uma qualidade conhecida como «forma significante» — um termo por ele introduzido. A forma significante é uma certa relação entre as partes — as características que distinguem a estrutura de uma obra de arte, e não o seu tema específico. Apesar de esta teoria se aplicar geralmente apenas às artes visuais, pode também ser tomada como uma definição de todas as artes. Assim, por exemplo, ao considerar o que faz que u quadro de Van Gogh representando um par de bom tas velhas seja uma obra de arte, um teórico da forma significante faria notar a combinação de cores e texturas que possuem forma significante e que produzem, portanto, a emoção estética em críticos sensíveis.

A forma significante é uma propriedade indefinível que os críticos sensíveis podem intuitivamente reconhecer numa obra de arte. Infelizmente, os críticos insensíveis são incapazes de apreciar a forma significante. Bell, ao contrário, por exemplo, dos teóricos institucionalistas discutidos a seguir, acreditava que a arte era um conceito valorativo: isto significa que afirmar que algo é uma obra de arte não é apenas classificá-lo, mas também atribuir-lhe um certo estatuto. Todas as obras de arte genuínas, de todas as épocas e culturas, possuem forma significante.

7.4 C

RÍTICASÀTEORIA DA FORMASIGNIFICANTE

7.4.1 Circularidade

O argumento a favor da teoria da forma significante parece ser circular. Parece estar apenas a dizer que a emoção estética é produzida por uma propriedade que produz emoção estética, propriedade acerca da qual nada mais pode dizer-se. Isto é a mesma coisa que explicar como funciona um soporífero referindo a sua propriedade de provocar o sono. E um argumento circular porque o que se pretendia explicar é usado na explicação. Contudo, alguns argumentos circulares podem ser informativos; os que não são informativos são conhecidos como viciosamente circulares. Os defensores da teoria da forma significante sustentam que esta não é viciosamente circular, uma vez que permite compreender por que razão algumas pessoas são melhores críticos do que outras, nomeadamente porque têm mais capacidade para detectar a forma significante. Proporciona também uma justificação para a prática de tratar obras de arte de culturas e épocas diferentes como se fossem análogas, em muitos aspectos, às obras de arte actuais.

7.4.2 Irrefutabilidade

Outra objecção à teoria defende que esta não pode nor refutada. A teoria da forma significante pressupõe que todas as pessoas que genuinamente desfrutam da a r t e sentem um único tipo de emoção quando apreciam verdadeiras obras de arte. Contudo, isto é extremamente difícil, se não impossível, de demonstrar.

Se alguém afirmar ter desfrutado genuinamente Uma obra de arte, sem no entanto ter sentido a referida emoção estética, Bell afirmará que essa pessoa está enganada: ou não a desfrutou genuinamente ou então nílo é um crítico sensível. Mas isto é pressupor precisamente o que a teoria estaria supostamente a demonstrar: que existe realmente uma emoção estética e que esta é produzida pelas obras de arte genuínas. A teoria parece, portanto, irrefutável. Muitos filósofos acreditam que uma teoria que seja logicamente impossível de refutar, porque todas as observações

possíveis a confirmariam, não tem qualquer significado.

Analogamente, se um exemplo de algo que consideramos uma obra de arte não evoca emoção estética a um crítico sensível, um teórico da forma significante ilefenderá que não se trata de uma obra de arte gen u í n a . Mais uma vez, não há qualquer observação pos'.(vel que possa demonstrar que esse teórico não tem razão.

7.5 A

TEORIAIDEALISTA

A teoria idealista da arte, cuja formulação mais persuasiva se encontra em Principles of Art, de R. G. Collingwood (1889-1943), difere de outras teorias da arte pelo facto de sustentar que a verdadeira obra de arte não é física: é uma ideia ou emoção na mente do artista. A esta ideia é dada uma expressão imaginativa física e é modificada pelo envolvimento do artista com um meio artístico específico, mas a própria obra de arte permanece na mente do artista. Algumas versões da teoria idealista dão muita importância à sinceridade da emoção expressa, o que acrescenta um forte elemento avaliativo à teoria.

A teoria idealista distingue a arte do artefacto. As obras de arte não têm qualquer propósito específico. São criadas em resultado do envolvimento do artista com um meio específico, como as tintas ou as palavras. Ao invés, o artefacto é criado com um propósito definido e o artesão começa por ter um plano, em vez do ir concebendo o objecto à medida que o vai criando. Assim, um quadro de Picasso, por exemplo, não tem nenhum propósito específico e não foi, presumivelmente, previamente planeado na sua totalidade, ao passo que a mesa defronte da qual estou sentado tem uma função óbvia e foi executada de acordo com um esboço preexistente, um projecto. O quadro é uma obra de arte; a mesa é um artefacto. Isto não significa que as obras de arte não possam ser em parte artefactos: é claro que muitas grandes obras de arte são em parte artefactos. Collingwood afirma explicitamente que as duas categorias, arte e artefacto, não são mutuamente exclusivas. Acontece apenas que nenhuma obra de arte é unicamente um meio para um fim.

A teoria idealista contrasta as obras de arte genuínas com a arte recreativa (arte produzida com o propósito único de divertir as pessoas ou de provocar emoções específicas). A arte genuína não tem nenhum propósito: é um fim em si. A arte recreativa é artefacto, sendo por isso inferior à verdadeira arte. Analogamente, a chamada arte puramente religiosa é também artefacto porque foi feita com um propósito específico.

7.6 C

RÍTICASÀTEORIA IDEALISTA DA ARTE

7.6.1 Estranheza

A principal objecção à teoria idealista é a estranheza provocada pelo facto de considerar as obras de arte Ideias que residem na mente, em vez de objectos físicos. Isto significa que, quando vamos a uma galeria de Arte, tudo o que vemos são vestígios das verdadeiras criações dos artistas. Esta é uma ideia difícil de aceitar, apesar de ser mais plausível no caso das obras de arte literárias e musicais, onde não existe um objecto físico Único a que possamos chamar obra de arte.