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CAPÍTULO 1: CONCEITOS FUNDANTES DA PESQUISA: DIÁLOGOS COM A ADD

1.5 Conceitos da Pragmática pertinentes à pesquisa

1.5.2 Conceitos da Macropragmática

Para se entender o que Mey (2007) classifica como pressuposto pragmático e ato pragmático, é importante que o leitor siga a linha de raciocínio proposto pelo autor, já que, antes de apresentar esses conceitos, o primeiro capítulo da parte 3 da sua obra é direcionado ao estudo da Metapragmática, conceito que merece menção neste momento.

Mey (2007) explica que o prefixo meta-, de acordo com a etimologia da palavra grega, significa uma mudança de nível, saindo do nível do objeto para um nível superior a ele. Como exemplo, o autor define a metalinguagem como a indicação, o comentário, o exame, a crítica sobre aquilo que acontece no nível da língua. Diante disso, ao definir a Pragmática como o estudo da comunicação humana por meio da língua em um contexto social, o autor conclui que a Metapragmática deve, por estar em um nível acima, discutir sobre o objeto ‘Pragmática’. Segundo o pragmaticista, é nesse nível que se pode definir e fazer

Pragmática, debater sobre problemas relacionados a esse campo de estudo, averiguar a sua relação com a semântica, determinar quantos princípios serão usados em um determinado estudo, aplicar-se às condições regentes do uso comunicativo da língua na sociedade, etc.

A Metapragmática, portanto, para o autor, analisa as condições favoráveis ou desfavoráveis para o uso da língua (Pragmática). Essas condições não podem, para Mey (2007), ser resumidas em um grupo de princípios universais que sejam válidos para qualquer interlocução em qualquer tempo e em qualquer lugar. No máximo, é possível concluir que haja certos princípios acordados como guias para as práticas linguísticas realizadas por membros de uma determinada cultura. O autor adiciona que os estudos no campo da Pragmática não são previsíveis como os da Morfologia ou da Sintaxe, tendo em vista que o universo pragmático não pode ser reduzido a um conjunto de regras ou condições pré-estabelecidas. Se a Pragmática percebe o mundo como o mundo dos usuários de uma determinada língua, a Metapragmática busca entender ou capturar as condições sob as quais esses usuários utilizam a língua; ou seja, em vez de imaginar o que o usuário poderia dizer, em mundos possíveis de uma semântica abstrata, ela se preocupa com o que o usuário, de fato, diz (ou pode dizer).

Nessa esteira do pensamento, Mey (2007) explica que a noção de pressuposição, desenvolvida no campo da semântica, lida com valores de verdade ou não verdade. Para ele, esses valores semânticos das pressuposições não conseguem capturar o real uso da língua, já que são analisados de forma isolada dos seus interlocutores, que são fatores relevantes para qualquer situação comunicativa. O pragmaticista cita o exemplo de um anúncio colocado em um poste em uma cidade americana no final de agosto de 1992:

Encontrado: gato cinza Perdido desde o mês de julho

Telefone: 491-7040 (MEY, 2007, p. 185)11

Pensando apenas nas ‘verdades’ dos pressupostos semânticos, pode-se afirmar que há um gato e que o gato tem cor cinza. Pode-se ter como verdade,

11 Texto original:

Found: Gray cat Lost since July Phone: 491-7040

também, que a pessoa que colocou esse anúncio está falando a verdade, pois esse anúncio não seria colocado como uma ‘pegadinha’. Utilizando a ideia de uma implicatura convencional, pode-se dizer que o autor da mensagem é a mesma pessoa que encontrou o gato. Usando a terminologia dos atos de fala, a mensagem é usada tanto como uma informação (informar a comunidade que o gato perdido foi encontrado) quanto como um oferecimento (o telefone indica o oferecimento da devolução do gato aos donos). No entanto, para o pragmaticista, ainda há muitos elementos que precisam ser entendidos nesse anúncio: o que as pessoas normalmente fazem quando encontram um gato? Perguntam aos vizinhos? Colocam um anúncio no jornal? Colocam avisos como o do exemplo nas redondezas? Ademais, por que o anúncio declara estar o gato perdido desde o mês de julho? Como a pessoa que o achou poderia saber, no final de agosto, o período em que o ele estava perdido? Todas essas perguntas, para o autor, extrapolam a noção semântica da pressuposição, que apenas faz conexões entre as sentenças, verificando a sua verdade ou não verdade. Para ele, uma teoria de pressuposições pragmáticas extrapola esses limites semânticos, buscando, metapragmaticamente, maneiras como esse enunciado pode ser entendido no contexto dos seus falantes, o que leva o pragmaticista a estar focado não apenas no conteúdo da mensagem, mas na razão por que ela foi enunciada dessa forma. Em um contexto metapragmático, há, nesse exemplo, uma pressuposição pragmática de que as pessoas que gostam de animais fazem qualquer coisa para salvá-los, como, por exemplo, deixá-los em um abrigo no período em que foi achado.

Diante disso, Mey (2007) declara que analisar pressupostos a partir da Metapragmática (pressupostos pragmáticos) permite a busca pela compreensão do que as pessoas fazem ao utilizarem a língua, o que extrapola o campo meramente semântico, tendo em vista que se torna necessário o uso de um raciocínio metapragmático. Semelhantemente, para o autor, por meio da Metapragmática, a filosofia de Searle dos atos de fala é percebida como um estudo limitado, pois ele se restringe ao campo semântico das frases, das orações e dos verbos. A Metapragmática, portanto, ao verificar o contexto de uso da fala e examinar o seu papel ativo na produção de atos de linguagem, passa a estudá-los não como atos de fala, mas como atos pragmáticos.

Em VD, Mey (2000) explica que, sob um prisma mais científico, a noção de ‘poder nas palavras’ (‘power in words’) levou os filósofos e os linguistas modernos à

criação do conceito de ‘atos de fala’, representados pela força ilocucionária, ou seja, a força que é constitutiva de certas palavras e locuções. Exemplos dessa força são as expressões usadas diariamente quando as pessoas querem pedir desculpas, assumir compromissos, fazer declarações, promessas, previsões, etc. No entanto, segundo o pragmaticista, a validação desses atos de fala só pode ser obtida por meio de um contexto próprio de uso desses atos. Com isso em mente, o autor faz duas considerações: (1) o ato de fala isolado não faz sentido e (2) em um contexto, várias expressões linguísticas podem ser usadas para expressar o ‘ato’, tendo em vista que expressões padronizadas são úteis apenas em contextos científicos, como fórmulas matemáticas e comandos do computador. No dia a dia, prefere-se a variedade à uniformidade.

Na mesma obra, o autor esclarece que os atos pragmáticos seguem essa linha de raciocínio, tendo em vista que o contexto não é apenas um elemento relacionado ao uso da língua, mas o seu mais importante elemento. A teoria de atos pragmáticos, portanto, não elimina a noção dos atos de fala, mas enfatiza o fato de que, isoladamente, não são instrumentos válidos da fala. Diante disso, em um contexto, os atos pragmáticos diferenciar-se-ão dos atos de fala porque não dependem de palavras (atos de fala), mas das circunstâncias que levaram ao seu uso. O autor exemplifica esse conceito com a seguinte interlocução entre uma mãe e seu filho, que está no jardim:

Mãe (chamando o filho da janela): Joshua, o que você está fazendo? Joshua: Nada...

Mãe: Pare com isso agora! (MEY, 2007, p. 216)12

Nessa interlocução, há o ato pragmático de sair (ou escolher sair) de uma situação de conflito quando Joshua diz “nada”. No entanto, esse ato pragmático não dependeu da palavra “nada”, já que a palavra não é um ato de fala nem um verbo de um ato de fala. O ato pragmático é percebido, portanto, pela ‘situação instalada’ no qual o contexto do ato pragmático tem mais força do que a fala em si.

12 Texto original:

Mother (calling out the window to child in yard): Joshua, what are you doing? Joshua: Nothing….

Mother: Will you stop it immediately!

Diante disso, Mey (2007) enfatiza que a teoria do ato pragmático não busca explicar o uso da língua de dentro para fora, como se as palavras adviessem de falantes soberanos e fossem recebidas por ouvintes soberanos, mas de fora para dentro: o foco é tanto o contexto que permite determinadas locuções quanto as locuções em si. Isso não significa, para o autor, que a ênfase seja colocada nas condições e nas regras que levaram ao ato de fala individual (ou de um indivíduo), mas na caracterização de um protótipo situacional geral que pode ser executado em determinadas situações. O autor chama esse ato pragmático generalizado de pragmeme, e os atos pragmáticos individuais que se referem ao pragmeme são chamados de practs. O autor propõe o esquema abaixo, que busca explicitar o conceito de pragmeme (MEY, 2007, p. 222):

Figura 2: Pragmeme

Segundo Mey (2007), a coluna da esquerda refere-se às escolhas que os falantes têm à sua disposição no ato comunicativo, podendo usar um ou mais

elementos. Se o falante escolhe não falar ‘nada’, isso não quer dizer que não haja comunicação, pois o silêncio é comunicativo. Na coluna da direita, há os elementos presentes em uma cadeia textual. Para o autor, apesar de a lista não ser completa, ela busca abraçar aqueles que estão presentes em qualquer tipo ou tamanho de texto.

Mey (2007) enfatiza que não há dois practs que sejam idênticos, pois não há duas situações que sejam idênticas; dessa forma, cada pract é uma realização concreta e diferente de uma instanciação específica de um determinado pragmeme. O que pode ser considerado como pract é determinado pela compreensão que os participantes do ato comunicativo têm da situação comunicativa e pelos efeitos que o pract tem ou pode ter em um determinado contexto. O autor conclui, então, que o ato pragmático é uma instância de adaptação: o falante adapta-se ao contexto e adapta o contexto (com base em situações passadas e em previsões de situações futuras) a si mesmo.

Por fim, é importante a menção (e relevante para esta pesquisa) de que os atos pragmáticos não estão restritos ao diálogo face a face, tendo em vista que Mey (2000) considera a leitura um ato pragmático: assim como um ato verbal explícito de um falante pode ser dispensado em um contexto comunicativo, levando o ouvinte ao ato pragmático de entender o não dito, o ato de compreensão do leitor não depende do dito, mas do contexto no qual o dito se encontra, levando o leitor a uma cooperação pragmática com o autor.

Com base na visão de leitura (incluindo a literária) como um ato pragmático, é necessário, portanto, a visita ao outro elemento da Macropragmática apontada por Mey (2000, 2007), a Pragmática Literária, tema da próxima seção.