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CONCEITOS DA PSICANÁLISE UTILIZADOS NA ANÁLISE DOS DADOS

CAPÍTULO III ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

3.3 CONCEITOS DA PSICANÁLISE UTILIZADOS NA ANÁLISE DOS DADOS

Conforme explicitado no Capítulo II, os dados desta pesquisa foram analisados à luz da Psicanálise, uma vez que, nessa Teoria, poderemos encontrar aportes que explicam e apontam artifícios e estratégias que, muitas vezes, passam despercebidas e/ou são evitadas por professores na sua relação com o aluno e no processo de ensino e aprendizagem. No entanto,

aqui, não iremos nos deter com profundidade nesses conceitos, visto que os mesmos já foram descritos anteriormente.

Cabe-nos ressaltar que, em nossa compreensão, conceitos tais como a fala, a escuta, o desejo de aprender do aluno podem desvelar boa parte dos conflitos desencadeados no processo de ensino e aprendizagem instaurados justamente pelo fato de que alguns docentes não conseguem reconhecer e visualizar o aluno em toda sua dimensão, desconsiderando algumas habilidades que poderiam servir como ferramentas avaliativas do processo educacional, como a fala, por exemplo. Essa, que poderia ser o acesso do professor ao desejo do aluno pelo aprendizado, é, na maioria das vezes, desprezada ou tomada como parâmetro de enquadramento do aluno ao grupo de indisciplinados.

Assim, dentro do contexto escolar, muitas vezes, a fala é vista como um empecilho, partindo, quase sempre, apenas de um dos lados dos envolvidos. E se não há espaço, nem lugar para a fala do aluno, consequentemente não há escuta. Se não se escuta, não se conhece o aluno, sobretudo seus desejos. E “se considerarmos que o sujeito é mobilizado pelo desejo e que ele só aprende algo se seu desejo estiver implícito no ato de aprender." (BACCON, 2005, p. 28), implicará diretamente no resultado e satisfação do educando e de seu professor no processo de ensino e aprendizagem. Os conceitos psicanalíticos apresentados na presente pesquisa também nos fazem refletir sobre a importância de considerarmos os aspectos subjetivos e singulares na escolarização dos alunos.

Salientamos, contudo, que recorremos a muitos outros autores que não correspondem à Teoria Psicanalítica para discutir nossos dados, pois, concordamos com González Rey (2010) de que “as teorias não são sistemas estáticos aos quais se deve assimilar todo o novo conteúdo, mas sim são sistemas abertos em relação aos quais os pesquisadores devem cultivar uma consciência de parcialidade, de desenvolvimento, e não de resultado final.” (GONZÁLEZ REY, 2010, p. 30).

O pesquisador, na ânsia por defender uma posição teórica, corre o risco de desviar-se do seu próprio objetivo, fazendo com que ele se perca na limitação linear de seu modo de olhar, pensar, analisar, refletir o fenômeno pesquisado. “A doença da teoria está no doutrinarismo e no dogmatismo, que fecham a teoria nela mesma e a enrijecem.” (MORIN, 2015, p. 15). A mudança não está nas teorias, pois as teorias continuam as mesmas, mas as pessoas não.

Nesse sentido, as teorias devem servir para alimentar nossas reflexões e discussões, sem, contudo, deixar que elas nos aprisionem e tomem o lugar da nossa voz, da nossa inspiração e das nossas ideias na pesquisa. Apoiar-se em autores, sem externar nossas

concepções em relação aos achados, não se configura em pesquisa científica, mas se transforma apenas em atitudes pseudocientíficas, em que o ato fica restrito às repetições do que já está exposto e que fora formulado por outros pensadores e não por nós, protagonistas da pesquisa. Pesquisar, portanto, é um exercício de exorcização que tem o intuito de afastar os fantasmas que nos perseguem (as perguntas e inquietações).

Segundo Both (2005), pesquisar é também uma forma de nos livrarmos da ignorância e do erro. E isso implica em uma tarefa diferente de apenas resgatar o fio que já foi tecido, porém que está solto. Pesquisar exige o esforço de, primeiramente, tecer o próprio fio, ou seja, enxergar além do que está exposto; ouvir além do que está sendo dito e dizer o que ainda não foi dito; realizar uma reflexão profunda, de forma que a mudança possa ser evidenciada nas ações do próprio pesquisador e sem muita modéstia, conforme postula Both (2005, p. 9), “não é exagero afirmar que, se bem feita, a sua mudará o mundo de amanhã”. Portanto, deixar que outros estudiosos falem por nós, faz com que as investigações se cristalizem no tempo e espaço, impedindo que a pesquisa evolua e proporcione novos direcionamentos ao campo educacional, nesse caso. Ou nos recolhemos às explicações pré-existentes ou assumimos, principalmente no âmbito das ciências humanas e sociais, o risco de lidar de modo franco com aquilo que ainda não foi vivenciado por qualquer outra pessoa do planeta.

Portanto, ao longo das discussões e análises, poderemos abordar autores referentes à formação de professores (BACHELARD, 1996; TARDIF, 2000; NÓVOA, 2007 etc.); das AH/S (MARTINS, 2006; ALENCAR, 2007; VIRGOLIM, 2014; MARTINS, PEDRO, OGEDA, 2016 etc.) entre outros que nos ajudaram a corresponder aos objetivos por nós propostos nesta tese.

A fim de seguirmos os critérios da ATD, dividimos nossos dados em cinco grandes categorias, visto que, segundo Moraes e Galiazzi (2016, p. 97), “categorizar é reunir o que é comum”. Assim, inserimos, nessas categorias, diversas subcategorias que versam sobre a mesma temática, e segmentos de entrevistas que serão melhores descritas no capítulo IV, parte do trabalho em que analisamos os dados.

Para Moraes e Galiazzi (2016, p. 112-113), “o processo da categorização constitui estratégias de movimento da pesquisa que vai do empírico ao abstrato, dos dados coletados para as teorias construídas ou reconstruída pelo pesquisador”. Esses autores descrevem dois tipos de categorização: as categorias a priori e as categorias emergentes. A priori são as categorias organizadas antes da análise propriamente dita. As emergentes são construídas a partir dos dados coletados. Nesse sentido, nossas categorias se encaixam no modo emergente, visto que elas foram se configurando a partir das informações e dados que nos

proporcionaram elementos em comum, os quais foram construídos indutivamente. Contudo, “esse processo de ordenamento e tomada de consciência exige desfazer-se de grande parte da informação anteriormente reunida e analisada.” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p. 113).

Dessa forma, cumpre-nos ressaltar que nem todas as informações concedidas pelos participantes foram analisadas, pois precisamos fazer uma filtragem daquilo que realmente correspondia aos objetivos propostos nessa pesquisa.

3.4 OS DESAFIOS DA PESQUISA

No decorrer desta pesquisa, encontramos algumas dificuldades. A primeira está relacionada à coleta de dados. Na entrevista com a diretora de uma das instituições, no início de 2016, ela deixou claro que eu, pesquisadora, não teria acesso a alguns documentos relacionados a P. Segundo ela, ao se informar com seus superiores (não revelou quem), recebeu orientações de que poderia me entregar apenas os pareceres de avaliação de P, o Projeto Político Pedagógico da escola, mas ‘os demais’ documentos, não. Ao questioná-la sobre quais seriam esses ‘demais’ documentos, a diretora desconversou e não respondeu.

Durante as entrevistas com as professoras dessa instituição, identifiquei, como pressuposto, logicamente, que esses ‘demais’ documentos poderiam estar atrelados às atas dos conselhos de classe, pois todas as vezes que eu as questionava sobre as discussões a respeito de P, nos conselhos de classe, a maioria não se aprofundava muito na questão. Passei durante um ano e meio pensando sobre o que poderia conter nesses ‘demais’ documentos, os quais eu não poderia ter acesso.

No entanto, com a troca de gestão, no início de 2017, tive acesso à pasta de P, onde havia alguns relatórios psicológicos. Consegui também fazer a leitura e fotocopiar todas as atas em que aparecia o nome de P. No Capítulo IV, mais abaixo, faremos a análise desses materiais.

A segunda dificuldade está relacionada à resistência dos membros da família de P, de deixarem filmar36 ou mesmo gravar áudio. A avó, por exemplo, deixou claro, desde o princípio, que poderia colaborar respondendo a todas as questões relativas ao neto e à filha surda, mas que não gostaria de ser filmada. O pai não se incomodava muito com a câmera, mas, em minha presença, ele sempre demonstrou timidez, mantendo-se calado na maior parte

36 As filmagens, na residência da família, tornaram-se necessárias, principalmente, para registrar as conversas/entrevistas da mãe (surda) com P ou comigo, pesquisadora, uma vez que a nossa comunicação sempre ocorria por meio da Libras.

do tempo. Com a separação do casal, ficou ainda mais difícil de conversar com o pai para coletar informações, pois ele mudou-se para outra casa e eu nem sempre conseguia encontrá- lo. O avô nunca estava presente nos momentos de coleta e mesmo que estivesse não nos permitiria filmá-lo ou gravar sua fala, pois parece ser uma pessoa bastante introvertida.

A terceira dificuldade relaciona-se a uma entrevista realizada com P quando ele informou que apanhou de seu avô. Após ter retornado da escola, o avô, muito irritado, com as reclamações dos professores, resolveu executar P com uma surra que parece ter lhe causado uma dor emocional muito mais profunda do que a dor física. Com isso, a emoção tomou conta de mim também e quase desmoronei diante do meu sujeito P. A entrevista completa está na categoria 5, parte em que analisamos a visão de P sobre as escolas.

Em alguns momentos, torna-se extremamente difícil ficarmos neutros e não nos envolvermos emocionalmente com as pesquisas que realizamos, aliás, antes de sermos pesquisadores, somos seres humanos. Cabe, portanto, frisar que, mesmo conhecendo P, há muito tempo, e ter me aproximado de sua família, em especial da mãe dele, que foi minha aluna por longos anos, procurei o máximo possível manter um olhar isento de qualquer forma de ligação, afeto ou amizade no momento das análises.

A quarta dificuldade diz respeito a nossa escrita. Both (2005), ao argumentar sobre a importância de escrevermos todas as ideias que surgem em relação à pesquisa, ou seja, tudo o que pensamos e descobrimos sobre o nosso tema, enfatiza que, ao escrevermos, conseguimos ter maior clareza das relações entre nossas ideias, contrastes, complicações e implicações que do contrário poderiam ter passado despercebidos. O autor nos aconselha a não confiarmos em nossa memória, pois, mesmo que pudéssemos guardar em nossa mente tudo o que descobríssemos, ainda assim precisaríamos de ajuda para organizar argumentos que insistem em tomar diferentes direções, inspiram relações complicadas, causam desacordo entre especialistas. “Escrevemos para podermos pensar melhor, lembrar mais e ver com maior clareza. E, como veremos, quanto melhor escrevemos, mais criticamente podemos ler.” (BOTH, 2005, p. 11). Escrever, contudo, não é uma tarefa fácil. É tão complexo que, quando conseguimos esboçar alguns parágrafos, nos apegamos e praticamente nos apaixonamos por eles. Depois, precisamos fazer uma varredura, uma filtragem sobre o que pode ficar e o que deve sair do texto. Nesse momento, temos a sensação de que estamos descartando algo que já faz parte de nós e que, em algum momento, nos foi tão útil. Isso causa uma sensação estranha, de apego mesmo, que traz dificuldades de excluir, dispensar essas escritas.

Para Yin (2001, p 83), “pouquíssimos estudos de caso terminarão exatamente como foram planejados”. Nessa perspectiva, salientamos que nosso estudo teve grandes reviravoltas

no decorrer do tempo de pesquisa. Há, em nossos arquivos, trinta e oito diferentes versões de textos construídos por nós. As questões iniciais, os objetivos, as teorias deram lugar para outras, e foram os dados que, de certa forma, nos encaminharam para essas mudanças.

Entendemos, pois, que há certa necessidade de revermos o modo sistemático e linear como estamos produzindo pesquisas. Nem sempre conseguimos corresponder às teorias eleitas para analisar os dados porque, normalmente, quando escolhemos a teoria ainda não temos o dado. As dificuldades de pesquisa estão mais relacionadas a esse encaixotamento, a essa tentativa de fazer o dado se adequar no mérito teórico, do que propriamente, na coleta de dados, na interpretação dos dados, na escrita em si. Às vezes, é preciso fazer tudo junto, outras vezes, é melhor fazer de trás para frente, ou seja, com liberdade, sem o aprisionamento nas normas, nas metodologias, nas teorias, nas técnicas de outros pesquisadores. Cada um precisa encontrar e (re)inventar seu próprio jeito de realizar pesquisa, delineando novos caminho que possibilitem bons resultados e, principalmente, que desenvolva o prazer e a satisfação do pesquisador pela arte de pesquisar.

Ao refletirmos sobre os desafios com os quais nos deparamos, podemos perceber o quanto uma pesquisa pode trazer altos e baixos e, muitas vezes, os baixos podem desestabilizar completamente o pesquisador, fazendo, inclusive, com que ele desista do estudo. Dizer que o pesquisador não vive os altos e baixos, especialmente, os baixos, em uma pesquisa, é mascarar o processo.

Diante dessas exposições, concluímos que, para uma pesquisa ser desenvolvida, depende de reciprocidade entre pesquisador e participantes, pois, a reciprocidade “constitui um dos padrões de qualidade fundamentais, devido dissolúvel relação entre pesquisador e as pessoas participantes na pesquisa, os quais aspiram por confiança, compreensão, acordo e sensibilidade por parte do pesquisador.” (ESTEBAN, 2010, p. 194).

A seguir, no último capítulo, apresentamos a análise e discussão dos dados que permitem compreendermos os diferentes olhares dos docentes, direção, pedagogos, psicólogos etc. em relação ao percurso escolar de P.