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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.2 Cultura na Educação Infantil

2.2.1 Conceitos de Culturas

Para iniciar a discussão acerca da cultura indígena se torna necessário debater o conceito de cultura. Dessa maneira, a visão antropológica de cultura parece trazer grandes contribuições. Sobre o tema, Laraia (1986), em seu livro Cultura: um conceito antropológico, define o homem como único animal que possui cultura. Destaca que as diferenças culturais não são definidas pelo determinismo biológico, tampouco pelo determinismo geográfico. Sobre o primeiro, a defesa é de que o comportamento humano é definido pelo aprendizado, pela educação, e não por fatores biológicos como os hormônios, por exemplo. Com relação ao segundo, o autor aponta a possibilidade de uma grande diversidade cultural em um mesmo tipo de ambiente físico. Assim, a geografia não é determinante para o desenvolvimento das características culturais.

De qual conceito de cultura se está tratando? O autor traz a definição de Edward Tylor (1832-1917), que, com base no vocábulo inglês Culture, afirma que o termo “[…] tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis e costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (LARAIA, 1986, p. 25).

Sobre as diferentes percepções de mundo, Laraia (1986, p. 67) diz que “[…] Ruth Benedict escreveu em seu livro O crisântemo e a espada que a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo. Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas”. Dessa maneira, fica claro que a diversidade existe através de diferentes olhares dos homens sobre si e sobre o mundo. A cultura influencia a percepção do homem sobre as experiências vividas, e isso revela ainda mais a necessidade de respeito e tolerância de cada um em relação à cultura do outro.

Sobre esse aspecto, o autor expõe ainda que “[…] o modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura.” (LARAIA, 1986, p. 68). Fica evidente a influência das experiências humanas através das gerações, que criam uma herança cultural, que é fator relevante para a manutenção, construção e reconstrução de uma cultura. Isso tudo se revela através de várias características como o modo de vestir, agir, caminhar, comer e se comunicar.

Porém, os indivíduos de uma mesma cultura não vivenciam plenamente as mesmas experiências e nem acumulam as mesmas características culturais. Sobre isso, Laraia (1986, p. 80) afirma que “[…] a participação do indivíduo em sua cultura é sempre limitada; nenhuma pessoa é capaz de participar de todos os elementos de sua cultura”. Assim, um grupo de uma mesma sociedade pode experimentar o mesmo modo de se comunicar, a mesma linguagem, mas diferentes formas de se vestir. Pautado nisso, é possível afirmar que dentro de uma cultura se encontram diferentes culturas. Então, o termo culturas, no lugar de cultura, torna-se mais adequado.

Questões de ordem geracional são determinantes das experiências com diferentes aspectos da cultura: uma criança possui vivências diferentes de um adulto, como este participa de formas diferentes das de um idoso. Assim, a presença de uma cultura da infância é possível ser percebida a partir do modo como uma criança brinca, interage, comunica-se, ou seja, das diferentes maneiras de expressão de uma criança ao construir essa cultura.

Entretanto, mesmo que existam essas diferentes formas de participação na cultura, existem também pontos comuns entre esses diferentes indivíduos. Por isso, Laraia (1986, p. 86) reafirma que “[...] embora nenhum indivíduo, repetimos, conheça totalmente o seu sistema cultural, é necessário ter o conhecimento mínimo para operar dentro do mesmo”. Para exemplificar, lembramos que um gênio da música pode dominar muito bem os códigos desse aspecto da cultura e não entender nada acerca da agricultura, por exemplo.

O educador Paulo Freire defendeu em toda a sua obra, mais especificamente em Educação como prática da liberdade, que “[…] não há ignorância absoluta, nem sabedoria absoluta” (FREIRE, 2011, p. 111). Ninguém sabe tudo e ninguém ignora tudo. Portanto, é inviável que um indivíduo detenha o conhecimento sobre todas as áreas, assim como todos os elementos de uma cultura. Para Freire, tanto o conhecimento erudito, do homem rico, quanto à sabedoria do homem simples, estão em um mesmo patamar, são apenas diferentes. Aqui as relações entre as pessoas e o conhecimento são sempre horizontalizadas.

Para o debate, Freire (2011, p. 115) vem contribuir com o seu conceito de cultura, anunciado que: “[…] o ‘conceito antropológico de cultura’ vem definir a cultura como resultado do trabalho humano, do esforço criador e recriador que o homem exerce no mundo. Com isso revela a dimensão humanística da cultura”. Nesse sentido, o autor traz a cultura como “aquisição sistemática da experiência humana” (FREIRE, 2011, p. 115).

Nessa percepção, o homem é tido como “fazedor de cultura” e a intenção é de que ele se perceba assim. Cultura vista como toda criação humana. Algumas perguntas podem surgir a partir dessa definição. Tudo é cultura? A partir de que idade o homem pode ser

percebido como produtor de cultura? Criança produz cultura? Sem intenção de respondê-las plenamente nesse diálogo, podemos dizer que: se há trabalho humano, existe cultura. Importante lembrar que estamos tratando de trabalho e não de emprego. Trabalho como sinônimo de produção humana. As crianças produzem e participam da cultura, através de suas brincadeiras, suas linguagens e seu jeito de se comportarem no mundo. Para o estudo, é importante o entendimento de que os povos indígenas são produtores de cultura a partir de seu trabalho e seus modos de entenderem e se comportarem no mundo.

A cultura se apresenta como uma das principais temáticas dos debates contemporâneos, na busca de uma sociedade mais tolerante, que respeite a dignidade humana. Nesse contexto, os órgãos internacionais firmam acordos e constroem documentos oficiais, na intenção de promoverem uma sociedade justa, sem preconceitos e discriminações. A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) elaborou a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (2002).

O documento defende a diversidade cultural em uma sociedade globalizada. Em sua composição, o texto possui 12 artigos, com quatro tópicos específicos, sendo eles: 1) Identidade, Diversidade e Pluralismo; 2) Diversidade Cultural e Direitos Humanos; 3) Diversidade Cultural e Criatividade; 4) Diversidade Cultural e Solidariedade Internacional. Para este estudo, a definição de cultura se se torna relevante. A referida declaração inicia o debate trazendo um conceito de Cultura:

Reafirmando que a Cultura deve ser considerada como o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as formas de viver em comunidade, os sistemas de valores, as tradições e as crenças (UNESCO, 2002, p. 1).

Desse modo, a cultura está definida como um conjunto de características de um grupo específico e que, de algum modo, é construída pela coletividade. Assim, aspectos como valores, crenças, tradições e a subjetividade devem ser observados para se compreender a cultura de um grupo. Para adentrar no entendimento da cultura indígena, mais especificamente na cultura do povo Pitaguary, a percepção de todos esses aspectos é imprescindível. Para os Pitaguarys que residem na localidade de Santo Antonio, aspectos da cultura como o artesanato, através da construção de colares com sementes, a preservação e o respeito pela “mangueira sagrada”, árvore muito antiga, símbolo de resistência desse povo, e a dança do “Toré”, que sobrevive no cotidiano dessas pessoas, são símbolos que refletem as tradições e crenças desse povo.

Assim, depois de definirmos alguns aspectos referentes ao conceito de cultura, voltados para a cultura do povo Pitaguary, torna-se importante observar como a primeira etapa da educação básica compreende tal fenômeno e quais as especificidades que a Educação Infantil Indígena apresenta em relação ao assunto. Assim, o próximo tópico pretende elencar elementos sobre o tema.