• Nenhum resultado encontrado

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Os povos indígenas no Brasil e o direito à educação

2.1.3 O direito à educação a escola diferenciada indígena

A educação é um direito dos povos indígenas. Evidentemente, já existe uma educação informal, não sistematizada, que se processa no cotidiano dos integrantes dessas comunidades e são percebidas e consideradas quando refletimos acerca das possibilidades educativas da comunidade específica dos Pitaguary. Assim, o ensinamento dos mais velhos para os mais jovens, as aprendizagens através da coletividade e a relação com a natureza, são exemplos dessa educação secular.

Este trabalho pretende refletir sobre a educação sistematizada que os povos indígenas vêm tendo acesso. Sobre as potencialidades que a educação pode apresentar na vida dos povos indígenas, Babi Fonteles (2015) faz a seguinte reflexão:

A educação pode contribuir nos “processos de subjetivação dissidentes”, que potencializam os sujeitos e suas coletividades, para se assumirem como protagonistas do próprio destino, transformando suas vidas a partir da máxima do poeta, quando diz “Gente é prá brilhar, e não prá morrer de fome” (Caetano Veloso) (FONTENELES, 2015, p. 10).

Nesse sentido, o autor reconhece que o acesso à educação formal pode transformar o homem, ampliando seus horizontes. Na mesma medida, a educação ainda se revela como emancipadora, contribuindo com o modo de vida indígena que tem a coletividade como princípio. Assim, ao ter acesso aos processos educacionais, o homem se forma e se transforma para ele e para o outro.

Na tentativa de compreender a historicidade desses processos educativos, a produção do Governo do Estado do Ceará, Coleção Índios do Ceará - O livro da vida Pitaguary – volume II (SEDUC, 2007), traz a delimitação de datas, acontecimentos e documentos relevantes para o debate.

Dessa forma, através do estudo de tal produção, deve-se lembrar de que os jesuítas tiveram influência por um período muito extenso, séculos XVI e XVII. A partir do século XVIII, com a expulsão dos jesuítas pelos espanhóis e surgimento do período pombalino, nome dado pela presença marcante do Marquês de Pombal nesse processo, algumas reformas que influenciaram a educação foram implementadas (SEDUC, 2007).

Para a compreensão da educação no contexto dos povos indígenas, o período pombalino deixa como marco a divulgação de dois documentos que dão novas orientações relacionadas aos indígenas e quem convive com eles: Diretórios dos Índios e Apontamento para a civilização dos índios bravos do Império do Brasil.

O primeiro documento, datado de 1757, dentre outras coisas, trazia o fim das missões e uma série de mudanças para o cotidiano dos povos indígenas, sendo alguns deles: aprendizado da língua portuguesa; a obrigatoriedade de roupas; além da utilização de nomes e sobrenomes portugueses, proibindo os indígenas de usarem os seus nomes de origem.

O segundo foi um projeto de lei escrito por José Bonifácio de Andrada e Silva, em 1823, e deveria ser incluído no texto da Constituição, mas isso não ocorreu. Foi anunciado como um programa de integração dos índios à sociedade nacional. A miscigenação era vista como essencial nesse processo de integração. Também defendia o fim da escravidão e a civilização dos índios do Brasil. Para Bonifácio, os índios poderiam se tornar homens “civilizados” a partir de métodos e práticas adequadas, assim a catequese era ação fundamental.

Em 20 de junho de 1910, através do Decreto nº 8.072 (BRASIL, 1910), foi criado o Serviço de Proteção aos Indígenas (SPI), que tinha como objetivo prestar assistência a todos os índios do território nacional. A criação de tal órgão estabelece a separação entre Igreja e Estado, como determina o sistema republicano. Uma das ações foi afastar a Igreja Católica da catequese indígena. Outra legislação importante é o Decreto nº 5.484 (BRASIL, 1928), de 1928, mesmo não trazendo algo específico acerca da educação formal, apresentava determinações sobre a administração da vida indígena. Nela, um aspecto essencial é a definição e a classificação legal dos índios. Com tudo isso, a percepção é de que existia um projeto de Brasil, no qual o indígena deveria se tornar mão de obra produtiva. Nesse sentido, os processos educacionais deveriam seguir nessa direção.

A Igreja Católica e o Estado disputam da soberania dos processos educacionais do Brasil, desde a colonização. Nesse processo, os indígenas também se tornaram motivo de concorrência para essas duas instâncias de poder. E as práticas educativas vivenciadas pelos indígenas estiveram sempre a serviço de algum interesse, ou da Igreja ou do Estado. Sobre essas práticas, lembramos o que Saviani (2007) esclarece: “Por ideias pedagógicas entendo as ideias educacionais, não em si mesmas, mas na forma como se encarnam no movimento real da educação, orientando e, mais do que isso, constituindo a própria substância da prática educativa” (p. 6).

pretensões emancipatórias-políticas, e sim ensinamentos ligados às novas técnicas e práticas agrícolas, e novas orientações referentes aos cuidados corporais, como o uso de vestimentas e o ensino de práticas higiênicas. A alfabetização das crianças e adultos das comunidades indígenas esteve ligada, desde os aldeamentos missionários até a intervenção dos postos do SPI, ao adestramento e subordinação de saberes do homem branco.

A educação formal indígena ainda não estava estabelecida com a criação da SPI, mas muitas intervenções no que se refere ao ensino informal já estavam atuando. As inovações culturais eram uma delas, prevendo possíveis mudanças nos locais de habitação dos índios. Importante dizer que muitas dessas modificações, defendidas como inovações, podem ser interpretadas como ações referentes ao processo de extermínio da cultura tradicional indígena. Dessa forma, o trabalho indígena, ligado à agricultura, manejo da terra, foi um dos primeiros espaços que presenciou modificações com a difusão das novas tecnologias agrícolas. O modo de trabalhar na agricultura no indígena foi se modificando com a presença de máquinas, antes mesmo de um processo educacional/técnico para o manejo dessas novas tecnologias.

A escola diferenciada só começa a se estabelecer mesmo a partir do Estatuto do Índio, com a Lei nº 6001 de 1973 (BRASIL, 1973). O diferencial de tal documento é a proposição do ensino da língua indígena nas suas escolas. Outro marco referencial é a promulgação da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988). Sobre elas, podem-se trazer dois artigos específicos, sendo eles:

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 2º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional (BRASIL, 1988).

Dessa maneira, a língua materna desses povos, elementos de extrema relevância para a manutenção das culturas indígenas específicas, nem sempre é vivenciada nas aldeias e a língua portuguesa se apresenta com soberania. Seguindo tal caminhada, a Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 — LDB — (BRASIL, 1996) trouxe contribuições significativas também, principalmente ao estabelecer a educação indígena como dever do Estado. Dessa maneira, em 1991, é transferida para o Ministério da Educação (MEC) a responsabilidade

acerca da educação escolar indígena, retirando da FUNAI tal função. Assim, a construção das Diretrizes para Política Nacional de Educação Escolar Indígena em 1993, e a Resolução nº03/ CEB-CNE, de 10 de novembro de 1999, que dita as diretrizes nacionais para o funcionamento das escolas indígenas, trazem uma maior orientação e sistematização dos trabalhos que devem ser realizados nessas escolas.

Mas, diante de tantas defesas e lutas para que a construção da escola indígena respeite a cultura do seu povo, questionamo-nos se a escola para os povos indígenas tem mesmo tido esse significado. Se tem sido representação de um ato ético e político para a comunidade. Se a prática pedagógica do educador indígena tem estado relacionada com as questões sociais da comunidade, refletindo constantemente sobre o sentido permanente da herança cultural desse povo. Evidentemente, sabemos que cada escola indígena diferenciada possui seus desafios e uma realidade específica. Assim, não queremos apontar um tipo ideal de escola, nossa intenção não é homogeneizar, e sim reconhecer as diferenças.

Seguindo com os seguintes questionamentos, o próximo tópico pretende trazer para o debate o modo como se deu a construção da Educação Escolar do Povo Pitaguary, mais especificamente, da Escola Municipal Indígena Curumim.