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Conceitos e características

CAPÍTULO III – AS AÇÕES COLETIVAS

2. Conceitos e características

A ação coletiva não perde sua natureza de ação por ser coletiva; o conceito de ação pode ser obtido através do direito que todas as pessoas (físicas, jurídicas, formais ou outras que a lei atribuir) têm de provocar a tutela jurisdicional, que se realizará através de um processo, a fim de solucionar um conflito de interesses (individual ou coletivo).

Muito já se discutiu acerca do conceito de ação121. Hoje o conceito moderno de ação122, ainda quando parte da idéia individual, encaixa-se perfeitamente para as ações coletivas. Afinal, as ações coletivas, como dissemos, antes de tudo são ações como quaisquer outras; aliás, certo é falar em ação e não em ações, já que se limita exclusivamente ao direito123 ou o poder de solicitar uma prestação jurisdicional.

oposição à ação penal pública, para dar legitimidade ao MP (Lei Orgânica do MP) e foi justamente esta origem que acabou gerando tanta polêmica acerca do nome.

121 Muitas foram as teorias que discutiram o significado e a natureza jurídica da ação. Até hoje existem

controvérsias, não só no Brasil, como em outros países. No capítulo seguinte, iremos abordá-las.

122 Mencionamos como um conceito moderno, por vir trabalhado em manuais de direito processual ou de teoria

geral do processo recentes. No entanto, como vimos, e, ainda, como citaremos na próxima nota, há aqueles que vinculam o conceito de ação ainda ao direito material ou exclusivamente ao direito subjetivo.

123 Não nos parece ideal inserir na órbita dos direitos coletivos a categoria dos direitos subjetivos; a menos que se

pudesse falar em ‘direitos subjetivos coletivos’, o que não se mostra, em nossa visão, adequado. Parte significante da doutrina assim o considera. No entanto, se formos definir ação no seu sentido mais amplo, para incluir todo e qualquer tipo de ação, inclusive as coletivas, não encontraremos enquadramento no direito subjetivo. Assim, preferimos o conceito acima mencionado, ou seja, a ação compreendida simplesmente como direito ou poder de solicitar a prestação jurisdicional. Tal conceito não impedirá que esse direito ou poder decorra de uma situação conflitante entre duas ou mais pessoas e que haja um direito subjetivo de um lado e uma obrigação de outro.

Calmon de Passos assim se manifesta: “... pretender excluir os interesses transindividuais da categoria dos direitos subjetivos é insistir numa visão do direito, do Estado e da Organização política e da sociedade já ultrapassada” (Mandado de segurança coletivo. Mandado de injunção. ‘Habeas data’, p. 11). Gregório Assagra

de Almeida fala em direito processual coletivo como aquele que se destina à tutela jurisdicional do direito

subjetivo coletivo (Direito processual coletivo brasileiro – um novo ramo do direito processual, p. 140).

Grinover, Dinamarco e Araújo Cintra entendem a ação “como uma situação jurídica de que desfruta o autor

Assim, seja uma ação individual, seja uma ação coletiva, continuará a ser o direito ao processo ou o direito ou poder de provocar a função jurisdicional124.

No entanto, exatamente por esse direito traduzir-se como direito ao processo, através da provocação da função jurisdicional, é que as diferenças se estabelecem. A ação individual será um direito exercido por quem tenha interesse, ou seja, por todas as pessoas físicas, jurídicas ou formais que se sentirem lesadas ou simplesmente ameaçadas em seus direitos (individuais). Nesse caso, a função jurisdicional também se dará por um processo individual, que seguirá as regras processuais individuais; já a ação coletiva será um direito exercido por algumas pessoas consideradas legitimas pelo legislador, nem sempre, ou raramente, os titulares desses direitos lesados ou ameaçados (coletivos), e o processo, como instrumento de atuação da função jurisdicional, será o processo coletivo, norteado de regras processuais coletivas.

Portanto, é nesse aspecto (instrumental) que as distinções evidenciam-se: o direito de ação continuará sendo o direito ao processo; o processo é que será um ou outro; não que o significado de processo seja mais que um, mas, como instrumento de atuação da atividade jurisdicional que é e com a efetividade que se lhe exige, vai especializar-se conforme a tutela a ser dada.

públicos subjetivos caracterizam-se mais como direitos cívicos, já que a ação é dirigida ao Estado, tendo, por esse prisma, natureza constitucional (Teoria geral do processo, p. 263). Nelson Nery diz que o direito de ação é um direito público subjetivo e pessoal, salvo quando se trate de direitos difusos e coletivos, nos quais os titulares são indetermináveis e indeterminados (Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 92). Marcus

Orione Gonçalves Corrêa, acompanhando essas idéias, sugere que “mais do que um direito público subjetivo,

entenda-se a ação como um poder constitucionalmente conferido aos cidadãos. Por outro lado, o poder de ação coloca o Estado em situação de dever, o dever de prestar a jurisdição, bem como de fazê-lo da forma mais eficiente para o exercício da cidadania” (Teoria geral do processo, p. 63).

124 Alguns autores dividem o conceito de ação em processual e constitucional, como Vicente Greco Filho que

entende ser o direito de ação constitucional mais amplo e incondicionado, enquanto o direito de ação processual é condicionado e mais específico. No entanto, conclui o autor, não haver dois direitos de ação, sendo o direito de ação sempre processual, existindo apenas uma garantia constitucional genérica do direito de ação, sendo seu exercício sempre processual (Direito processual civil brasileiro, p. 76, vol. 1).

É por isso que, ao buscarmos autores conceituando as ações coletivas, vamos esbarrar no significado do próprio processo coletivo125. É que estabelecer pura e simplesmente um conceito para a ação coletiva sem esbarrar no processo coletivo é o mesmo que fazer o que já existe.

125 Há muito tempo, Nelson Nery Jr. vem relacionando a ação coletiva com o tipo de tutela jurisdicional que se

invoca pelo tipo de pretensão que se busca (Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 114-115).

José Carlos Barbosa Moreira também, desde cedo, visualizou a ação coletiva como aquela que pudesse ser

levada a juízo por iniciativa de uma pessoa só (Ações coletivas na Constituição Federal de 1988, Revista de processo nº 61). Hugo Nigro Mazzilli diz que qualquer ação movida com base na Lei 7.347/85 ou na Lei 8.078/90 será uma ação civil pública ou uma ação coletiva (A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 70). Para o autor, portanto, a ação civil pública ou coletiva quer significar “a ação proposta pelo Ministério Público ou pelos demais legitimados ativos do art. 5º da Lei 7.347/85, bem como a proposta pelos sindicatos, associações de classe e outras entidades legitimadas na esfera constitucional, desde que seu objeto seja a tutela de interesses difusos ou coletivos (isto é, agora um enfoque subjetivo-objetivo, baseado na titularidade ativa e no objeto específico da prestação jurisdicional pretendida na esfera cível)” (Das ações coletivas em matéria de proteção ao

consumidor – o papel do Ministério Público, p. 160). Na mesma linha, Pedro Lenza diz que a ação civil pública presta-se para a tutela de qualquer interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo (Teoria geral da ação civil

pública, p. 21). Ricardo de Barros Leonel vê o processo coletivo como um instrumento destinado a tornar acessível à justiça para aquelas situações em que ocorram ameaças ou lesões a interesses e direitos que, pelos métodos tradicionais, não seriam tuteláveis (Manual do processo coletivo, p. 157). Pedro da Silva Dinamarco diz ser a ação civil pública um novo mecanismo processual que pode ser acionado pelas pessoas arroladas na lei da ação civil pública, visando proteger interesses grupais, seja porque a tutela jurisdicional individual seria impossível, seja porque seria antieconômica e antieficaz (Ação civil pública, p. 16). Gregório Assagra de

Almeida diz ser o direito processual coletivo um ramo do direito processual, com conjunto de normas e

princípios visando disciplinar a ação coletiva, o processo coletivo, a jurisdição coletiva e a coisa julgada coletiva, sendo a ação coletiva, nesse sentido, um instrumento processual para a defesa dos direitos coletivos (Direito

processual coletivo brasileiro, p. 22 e 541). Aluisio Gonçalves de Castro Mendes diz que a ação coletiva é um direito exercido pelas pessoas naturais, jurídicas ou formais, para exigir a prestação jurisdicional, para tutelar os interesses coletivos (Ações coletivas – no direito comparado e nacional, p. 26). Luiz Manoel Gomes Júnior entende que o que pode determinar uma demanda ser conceituada como coletiva é o fato dela tutelar direitos coletivos e também admitir um regime especial para os efeitos da coisa julgada, podendo ser utilizada, portanto, para a defesa de uma pretensão de natureza coletiva (Curso de direito processual coletivo, p. 13). Luciano

Velasque Rocha diz que devemos apelar para as notas distintivas entre os processos coletivo e individual, como

da legitimidade e da coisa julgada (Por uma conceituação de ação coletiva, p. 275-276). Marcelo Abelha informa ser a ação civil pública, na verdade, um conjunto de regras processuais que possibilitam que os direitos coletivos tenham uma tutela mais justa e compatível com a justiça social, o que possibilita a efetiva tutela desses direitos (Ação civil pública e meio ambiente, p. 53). João Batista de Almeida diz ser a ação civil pública a via processual adequada para impedir ou reprimir danos aos bens tutelados coletivamente (Aspectos controvertidos

da ação civil pública, p. 30 e 31). Rodolfo de Camargo Mancuso visualiza uma ação como coletiva no momento em que transitar em julgado a decisão (Ação popular, p. 38) ou, ainda, “o meio processual de natureza não penal, apto à instrumentação judicial dos interesses metaindividuais, socialmente relevantes, e, mesmo quando de natureza individual, desde que qualificados pela nota da indisponibilidade ou homogeneizados pela origem comum, uns e outros portados em Juízo pelos co-legitimados credenciados pelo legislador como sendo ‘representantes adequados’, atuando em caráter concorrente-disjuntivo” (Ação civil pública trabalhista, p. 152).

José Marcelo Menezes Vigliar diz ser uma ação civil pública aquela que tutela interesses transindividuais

(Ação civil pública, p. 448). Antonio Gidi também relacionou as ações coletivas com aspectos processuais, como o da legitimidade, do pedido e da coisa julgada (Coisa julgada e litispendência em ações coletivas, p. 16).

Luiz Paulo da Silva Araújo Filho fala que a ação será coletiva conforme a demanda, “sobretudo do pedido

formulado pelo autor” (Ações coletivas: a tutela jurisdicional dos direitos individuais homogêneos, p. 117-118).

Carlos Eduardo Faraco Braga conceitua a ação coletiva “... como o direito de exigir do Estado a prestação da

Podemos dizer, assim, que a ação coletiva é um direito de todas as pessoas legitimadas de provocar a tutela jurisdicional coletiva, tutela regulada por um conjunto de regras denominado Direito Processual Coletivo.

Daí, a título de conclusão, nossa insistência numa teoria geral para o processo coletivo, conforme comentários anteriores, bandeira que renomados autores levantaram, com que concordamos e acompanhamos. Ada Pellegrini

Grinover, Antônio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel

Dinamarco126, em Teoria geral do processo, percebendo a lacuna e a

impossibilidade de aproveitamento total dessa teoria geral do processo individual para as ações coletivas, já inovam, ao prever sobre o Direito Processual Coletivo:

“caracterizado por princípios e institutos próprios (...) pode ser

separado, como disciplina processual autônoma, do direito processual individual. (...) Mas é sobretudo no plano dos institutos fundamentais do processo que o direito processual coletivo se distingue do individual. Para atender aos novos direitos ou interesses, foi necessário alterar profundamente os esquemas da legitimidade ad causam (...). Os limites subjetivos da coisa julgada e da própria eficácia da sentença tiverem de ser profundamente alterados (...). Os limites objetivos da coisa julgada (...). Pedido e causa de pedir podem ser interpretados extensivamente. (...). Na mesma linha, a competência tem regras próprias. (...). E custas e honorários têm tratamento próprio. Os poderes do juiz são ampliados sobremaneira (...)”.

Rogério Assagra de Almeida127, em direito processual coletivo

brasileiro – um novo ramo do direito processual, diz:

“O que faz nascer essa tricotomia do direito processual (...) são

justamente as características específicas e próprias existentes em cada um desses ramos do direito processual. A ação, a jurisdição, o processo, a defesa e a coisa julgada assumem características específicas na tutela jurisdicional coletiva, que distinguem o direito processual coletivo...”.

Rodolfo de Camargo Mancuso128 ensina:

“Um direito pode sempre ser conceituado como coletivo se presentes os

seguintes requisitos: a) ‘um mínimo de organização, a fim de que se tenha a coesão necessária à formação e identificação do interesse em causa’; b) ‘a afetação desse interesse a grupos determinados (ou ao menos determináveis) que serão os seus portadores’; c) ‘um vínculo jurídico básico, comum a todos os aderentes, conferindo-lhes unidade de atuação e situação jurídica diferenciada’ ”.

São essas e muitas outras peculiaridades que estão dando ao processo coletivo contornos próprios e é isso que dá às ações coletivas características únicas.