• Nenhum resultado encontrado

O nome “ação coletiva” como fator direcional

CAPÍTULO III – AS AÇÕES COLETIVAS

1. O nome “ação coletiva” como fator direcional

A preocupação com o “nome” da ação coletiva se revela especialmente para diferenciá-la das ações individuais. Sabemos que o nosso ordenamento jurídico não determina expressamente que “nominemos” as ações115; os “nomes” dados às ações individuais, normalmente, acompanham a natureza do pedido e/ou da causa de pedir, v.g., ação de reparação de danos, ocorridos em acidentes de veículos, ação de rescisão de contrato por descumprimento de cláusula contratual, ação de retificação de nome, etc.; às vezes, a própria lei se incumbe de nominá-las, v.g., ação de despejo, ação de usucapião, ação de falência, ação de prestação de contas, ação de divórcio, ação de consignação em pagamento, dentre outras116.

115 Marcelo Abelha, em Ação civil pública e meio ambiente (p. 49-50), ao comentar a questão da nomenclatura,

diz que, “salvo exceções, nas quais não se inclui a ação civil pública, não existem ações típicas em nosso sistema processual, sendo tremendo e grave equívoco classificar, conceituar ou até mesmo denominar ações, pelo pedido imediato (condenatórias, constitutivas e declaratórias), pela cognição exercida (sumária), pelo procedimento (ordinária), pela titularidade ativa (popular), pela relação com outra demanda (acessória e principal), pelo tipo de processo (cautelar, conhecimento etc.), pela natureza do direito (pública ou privada) etc. e, sobretudo, pelo seu pedido mediato (despejo, consignação em pagamento, prestação de contas, possessórias etc.)”. Cita o autor o ensinamento de Cândido Rangel Dinamarco que, no mesmo sentido, diz que “a atipicidade é a regra do direito vigente, no qual a referência às tradicionais figuras das ações concedidas para a defesa dos vários direitos subjetivos tem valor meramente exemplificativo e o autor é livre para compor a sua demanda como melhor lhe agradar, desde que o provimento pedido não seja inadmissível ...” (Fundamentos do processo civil moderno, vol.1, p. 326).

116 “São de passado há muito tempo sepulto as adjetivações que se atribuíam à ação em associação aos direitos

subjetivos, suas qualificações e suas espécies (reais, pessoais, patrimoniais, pecuniárias, de prestação de contas, de usucapião etc). Essas qualificações e as classificações das ações, baseadas nelas, eram inerentes à visão imanentista da ação como nova roupagem que o próprio direito subjetivo adquiriria no momento em que lesado. No direito moderno, só é legítimo associar a ação às técnicas processuais de concessão da tutela jurisdicional. Esta se concede mediante sentença ou entrega do bem – e daí, ação cognitiva e ação executiva (...). Mas certas denominações tradicionais continuam em uso e transmitem satisfatoriamente as idéias. Sem prejuízo algum, fala- se em ações (...) (de usucapião, de depósito, de indenização, de cobrança, de estado etc.), em ação possessória, reivindicatória, anulatória, em ação rescisória etc. O importante é não permitir que esses usos vocabulares induzam ao falso entendimento de que a própria ação tenha essas naturezas ou que fosse um direito subjetivo tendo o mesmo objeto dos direitos que mediante seu exercício se procura efetivar. Fala-se ainda em ação civil

No entanto, quando falamos de nossa inquietude com a nomenclatura das ações coletivas, superamos o aspecto meramente formal para alcançar o verdadeiro sentido de uma ação coletiva.

Já dissemos que o Direito Processual Coletivo traz o arsenal de normas de natureza processual que regulam o processo quando instrumento de atuação da tutela coletiva. A tutela coletiva, por sua vez, será exercida desta maneira quando invocada para o ser; a provocação será feita pela parte interessada117 que, naturalmente, deverá ter legitimidade para tanto; assim, podemos dizer que, proposta a ação coletiva, todo o trâmite seguirá essa natureza. Daí a importância do nome (reflexo do pedido e da causa de pedir), que, na verdade, apontará a natureza coletiva da ação, com a conseqüente aplicação de normas processuais coletivas. E daí, também, insistirmos, como já o fizemos, em uma teoria geral do processo coletivo, que sustentará todo o processo coletivo, com contornos especiais que devem ser desenhados ao longo do procedimento desse processo.

Muitos autores já vêm discutindo se as ações coletivas deveriam chamar- se “ações coletivas” ou “ações civis públicas”118. O debate é importante, mas

pública, mas não se pense que só nesse caso ela é um instituto de direito público” (Cândido Rangel Dinamarco,

Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 326-327).

117 O juiz brasileiro não pode ter a iniciativa da ação, que fica a cargo exclusivo da parte interessada. No entanto,

interessante relembrar as regras do art. 32 do código modelo de processos coletivos para países ibero-americanos e do art. 7º do anteprojeto brasileiro de código processual coletivo (Profª Ada P. Grinover), que permitem ao juiz notificar o MP ou outros legitimados para que iniciem uma ação coletiva, caso tenha conhecimento (o juiz) da existência de várias ações individuais com o mesmo fundamento, contra o mesmo demandado.

118 Ada Pellegrini Grinover opina pela expressão “ação coletiva” e pela impropriedade da locução “ação civil

pública” já que, de acordo com a autora, a titularidade da ação não é exclusiva dos órgãos públicos, bem como o objeto do processo não é a tutela do interesse público (Ações coletivas para a tutela do ambiente e dos

consumidores – a Lei 7.347 de 24.07.1985, p. 124). Marcelo Abelha diz que o nome ação civil pública já era uma referência à Lei nº 6.938/81 (Lei Orgânica do Ministério Público) e que a locução, nesse caso, foi usada em contraposição à expressão ação penal pública. Após, faz uma crítica à discussão que se estabelece acerca da nomenclatura, ao dizer tratar-se de um equívoco tentar nominar as ações, concluindo ser importante restar claro que o ordenamento brasileiro adota o sistema de direitos e não o de ações (Ação civil publica e meio ambiente, p. 16 e 50). Nelson Nery, Édis Milaré e Antonio Camargo Ferraz, antes até da entrada em vigor da lei da ação

civil pública, já tinham sugerido que a ação civil seria pública desde que proposta por parte ‘pública’ (A ação

civil pública e a tutela jurisdicional dos interesses difusos, p. 22). Paulo Afonso Garrido de Paula, acompanhando a opinião citada, ao comentar o ECA, diz que “o Estatuto da Criança e do Adolescente utilizou-se apenas uma única vez da expressão ação civil pública, (...) ao tratar das atribuições do Ministério Público, concorde com as prescrições do inc. III e do § 1º do art. 129 da Constituição da República, dispositivos constitucionais em que a expressão ação civil pública é usada quando trata da legitimação do Ministério Público, reservada a locução genérica ação civil quando discrimina a possibilidade da defesa judicial do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos também por outros legitimados. Assim, razoável concluir que o legislador, inclusive constituinte, utilizou-se da expressão ação civil pública apenas para o Ministério Público” (Direito da criança e do adolescente e tutela jurisdicional diferenciada, p. 109-110). Hugo Nigro Mazzilli comenta que sob o aspecto doutrinário a ação civil pública é a ação de natureza não penal proposta pelo Ministério Público, mas que a Lei nº 7.347/85 acabou utilizando a expressão para referir-se a todas as ações em defesa de interesses transindividuais, propostas pelos diversos legitimados, incluindo as associações privadas. O autor propõe que as ações movidas pelo MP sejam chamadas de civis

públicas e as propostas pelos outros legitimados, denominadas de ações coletivas (A defesa dos interesses

difusos em juízo, p. 69-70). Pedro Lenza diz que a discussão sobre a denominação das ações coletivas é importante, ao passo que busca evitar equívocos legislativos. O autor critica a nomenclatura utilizada pela lei da ação civil pública ao referir-se ao termo ‘pública’, concluindo que o equívoco encontra explicação em razões históricas, já que, do ponto de vista subjetivo, o termo seria inadequado pela possibilidade de entes privados proporem ações coletivas e, do ponto de vista material, a inadequação estaria justamente centrada no objeto da tutela que também não é público, já que pela ação civil pública se pode tutelar quaisquer direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Propõe, por isso, “a utilização da terminologia ação coletiva como gênero, abrangendo a tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. No entanto, na medida em que os interesses difusos e coletivos só podem ser tutelados coletivamente, poder-se-ia falar em ação coletiva típica, ou ação coletiva stricto sensu. Por outro lado, como a tutela coletiva dos interesses individuais decorre de construção legal, artificial (são interesses acidentalmente coletivos), o uso da terminologia ação coletiva deve ser tomado em sentido lato” (Teoria geral da ação civil pública, p. 153-158). José Marcelo Menezes Vigliar, ao escrever especificamente sobre o assunto, conclui ser inadequada a locação da expressão ação coletiva como gênero e da ação civil pública como espécie. O autor justifica que embora o nome tenha pouca importância, uma ação coletiva o será pelo objeto que veicula. Para ele, portanto, muito embora tanto a expressão ação civil pública como a ação coletiva sejam equivocadas, melhor seria a última, já que revela o tipo de interesse que se está a pleitear a tutela jurisdicional (Ação civil pública ou ação coletiva?, p. 441-457). Gregório Assagra de

Almeida comenta que seria mais adequada a denominação “ações constitucionais coletivas” ou “ações coletivas”

simplesmente. Defende ainda o autor a tese das “ações constitucionais ambivalentes”, que podem tanto ser usadas para a tutela dos direitos individuais como coletivos, como é o caso do mandado de segurança e do mandado de injunção (Direito processual coletivo brasileiro, p. 271). Cândido Rangel Dinamarco “... não disfarça o dissabor em ver esse uso reiterado da adjetivação da ação (Fundamentos do processo civil moderno, p. 155 e s.). O primeiro anteprojeto da Lei da Ação Civil Pública, elaborado por uma comissão, da qual ele participou, não denominou o instituto ação civil pública” (Apud Pedro da Silva Dinamarco, Ação civil pública, p. 16). Rodolfo de Camargo Mancuso diz que o aspecto ‘público’ da ação civil pública não explica somente a participação do MP, mas também o aspecto objetivo, ou seja, o espectro de atuação desse tipo de ação (Ação

civil pública, p. 21). Em outro trabalho, o autor explica que a ação “não é pública porque o Ministério Público pode promovê-la, a par de outros co-legitimados, mas sim porque ela apresenta um largo espectro social de atuação, permitindo o acesso à justiça de certos interesses meta-individuais ...” (A ação civil pública como

instrumento de controle judicial das chamadas políticas públicas, p. 755). João Batista de Almeida divide em

ação civil pública e ação civil coletiva, sendo que essa última só poderá ser utilizada para a defesa dos direitos individuais homogêneos (Aspectos controvertidos da ação civil pública, p. 37). Álvaro Luiz Valery Mirra diz que “a ação civil (...) é pública porque por seu intermédio se persegue a satisfação de um interesse público, no sentido amplo, ou seja, não individual, abrangendo o interesse difuso, pouco importando se quem a exerce é órgão ou entidade estatal ou ente privado” (Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente, p. 134).

Luiz Manoel Gomes Júnior prefere denominar de ação civil pública aquela prevista na Lei 7.347/85 e de ação

torna-se imprescindível quando, por trás dele, se fazem presentes as inquietudes que demonstramos em relação à natureza e posicionamento na divisão das ramificações do processo, em individual e coletivo.

Por isso, pensamos que o ideal é que as ações coletivas sejam assim denominadas pela sua natureza coletiva, isto é, quando envolvendo direitos tutelados coletivamente e, exatamente por isso, ação coletiva (observando, é claro, as demais condições para a ação coletiva – legitimidade, interesse em agir coletivamente, pedido e causa de pedir que envolvam uma coletividade - etc.); em algumas situações, quando necessário, também pelo seu gênero coletivo, ou seja, se o direito coletivo envolvido é difuso, coletivo “stricto sensu” ou individual homogêneo119 e, ainda, se for o caso, por sua natureza específica, de acordo com o bem ou interesse que estiver tutelando. Assim, somando os fatores, teríamos, v.g., ações coletivas para defesa de direitos difusos ambientais; ações coletivas para defesa de direitos coletivos de consumo; ações coletivas para defesa de direitos individuais homogêneos envolvendo um acidente ferroviário; ação popular; mandado de segurança coletivo; mandado de injunção coletivo, etc., que, em sentido mais amplo, ultrapassariam a mera nomenclatura (ação coletiva, ação popular, etc.) para ir ao encontro também de uma natureza especialíssima, de acordo com o direito coletivo que se quer tutelar (difuso, coletivo ou individual homogêneo) e de acordo com o tipo de bem jurídico que se quer proteger (meio ambiente, consumidor, patrimônio histórico, etc.) ou, ainda, o que se visa alcançar (anulação de atos lesivos – ação popular, regulamentar direitos coletivos previstos na Constituição – mandado de

119 O que não significa que com uma única ação coletiva não se possam defender ao mesmo tempo direitos

difusos, coletivos e individuais homogêneos. Não é outra, aliás, a opinião de Hugo Nigro Mazzilli (Op. cit., p. 56-57).

injunção coletivo, proteger direitos líquidos e certos de uma coletividade, visto abuso de autoridade – mandado de segurança coletivo, e assim por diante).

É importante ressaltar que dependeria de cada caso concreto a ideal terminologia atribuída à ação; o principal é que, no ato de nomear, reste indubitável tratar-se de uma ação coletiva, pelos motivos já expostos acima; assim, as nomenclaturas acima sugeridas podem modificar-se, mas devem ser suficientes para revelar com nitidez a natureza coletiva da ação e o que se visa alcançar com ela, o que em muito facilitará a verificação do juiz no preenchimento das condições da ação, as quais, por óbvio, variarão conforme a “espécie” da ação coletiva.

Para concluir, e apenas a título de sugestão, caso a lei da ação civil pública e a parte processual coletiva do código de defesa do consumidor sejam substituídas por um código de processo coletivo, aventamos que as ações coletivas não mais sejam nominadas ações civis públicas, mas ações coletivas (que seria a expressão genérica de toda ação que envolvesse a tutela de direitos coletivos) ou, especificamente, ação popular, mandado de segurança coletivo,

mandado de injunção coletivo (que dispensariam a expressão “ação coletiva” já que são espécies deste gênero), isto porque a expressão “ação civil pública”, a nosso ver, só poderia ser considerada adequada por acompanhar a lei da ação civil pública (que foi, praticamente, a primeira lei a regular as ações coletivas no Brasil). A rigor, porém, deixando esta lei de existir, perderá o sentido, uma vez que a especificação “pública”120 pode gerar confusões e limitações que as ações coletivas não querem e não devem ter.

120 Tanto o código modelo como os anteprojetos (mencionados em capítulo anterior) prevêem a legitimidade de