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4. ALGUMAS PERSPECTIVAS ACTUAIS SOBRE O DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO

4.3. CONCEITOS E ESTRATÉGIAS DO DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO

Para Esteva (1999), foram as falhas da sociedade industrial e das suas tradicionais formas de interacção para criar melhorias substanciais que levaram ao surgimento das políticas sociais no desenvolvimento. Um tempo que ficou conhecido como a crise do desenvolvimento. Como referimos atrás, o desenvolvimento comunitário é criado pelas administrações coloniais britânicas, a partir dos anos 40, como forma de alcançar um crescimento económico semelhante ao do país dominante. As Nações Unidas – representando de certa forma os países desenvolvidos do Primeiro Mundo – concretizam um conjunto de políticas e programas que, a partir do pós-guerra, dão continuidade a este paradigma desenvolvimentista em todo o mundo. Outros países colonizadores, como a França, adoptam idênticas perspectivas nas suas colónias. Os Estados Unidos da América lançam programas de ajuda na América Latina. O desenvolvimento comunitário assume muitas formas e tons: políticas colonizadoras, política governamental assente em lideranças locais, agências de desenvolvimento externas, etc. Em geral, a sua principal faceta é a tentativa de harmonizar as políticas sociais com o desenvolvimento económico. Quer seja em torno de medidas materiais, como a satisfação de necessidades básicas, quer através de medidas espirituais, como a participação democrática ou a definição identitária, as políticas de desenvolvimento comunitário estão para durar (Midgley, 1999).

Parece natural, pelo que temos vindo a analisar, que tenha sido em Inglaterra a surgir a primeira definição de desenvolvimento comunitário. Foi numa conferência de administração colonial, em Cambridge, em 1948, que o termo apareceu para substituir a noção de educação de massas. A formulação adoptada definia desenvolvimento comunitário enfatizando a ideia de auto-ajuda e de auto-determinação como conceitos teóricos básicos. Estas noções foram rapidamente alargadas aos países desenvolvidos e estenderam-se aos países colonizados pelo império britânico e a outros países de África (Midgley, 1999).

As Nações Unidas, no seu documento Progresso social através do desenvolvimento

comunitário, de 1950, utilizam pela primeira vez o conceito com a acepção técnica que hoje

ainda se lhe conhece. Diz-se, no relatório, que o desenvolvimento comunitário é um «processo tendente a criar condições de progresso económico e social para toda a comunidade, com a participação activa da população e a partir da sua iniciativa» (citado em Carmo, 1999, p. 77). Em 1955, as Nações Unidas estabelecem uma definição ‘standard’ de desenvolvimento comunitário. Diz a mesma: «desenvolvimento comunitário é um processo

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para designar a criação de condições de progresso económico e social para o conjunto da comunidade com a sua activa participação» (citada em Mayo, 1975). Esta autora considera tal definição, como qualquer outra definição, tipicamente abstracta e genérica. Isto porque os termos desenvolvimento, comunidade, participação e progresso são termos problemáticos. Assim, questiona: desenvolvimento e progresso de que espécie, quem beneficia e em que tipo de comunidade, em termos de que classe, participando em quê e com que grau de poder? O desenvolvimento comunitário pode transformar-se, assim, numa verdadeira ‘caixa de Pandora’. Ele pôde servir, por exemplo, para a afirmação de políticas nacionalistas de auto- determinação, nas antigas colónias. É uma arma que pode ser de difícil controlo e que pode ser usada por diversas mãos nos processos de mudança social.

Para Cary (citado em Mayo, 1994), o desenvolvimento comunitário é uma arma de dois gumes: «pode ser visto tanto como um processo radical ou conservador» (p. 64). É radical porque apela ao aumento da participação dos cidadãos e cria novos padrões e grupos de liderança de opinião; mas, ao mesmo tempo, pode ser conservador, pois pode manter as decisões circunscritas ao espaço local sem enfrentar as condições existenciais da sociedade. Analisando os programas de desenvolvimento do governo britânico para as suas colónias, Mayo (1994) apresenta a definição dada por um relatório de 1954, o qual define o desenvolvimento comunitário como um movimento destinado a melhorar as condições de vida para o conjunto da comunidade com a sua participação activa e iniciativa própria. Vimos, aqui, de novo, a ideia de participação que consubstanciou a política de legitimação do trabalho local em prol do crescimento económico das colónias. Em escrito posterior, Mayo (2000) critica esta visão do desenvolvimento. Ao abordar a história do desenvolvimento comunitário, apresenta paralelos e contradições. As políticas coloniais de desenvolvimento comunitário assentaram nas mudanças culturais dos povos locais. Pretendia-se que estes assumissem uma visão semelhante aos países colonizadores, em termos de atitude em prol da industrialização e do crescimento económico, num mercado global livre. Segundo a autora, os programas maciços de literacia e educação foram a estratégia adequada para esta transformação cultural. Desse modo, o desenvolvimento comunitário pode ser visto como uma forma de imperialismo cultural, isto é, como parte da «mais ampla estratégia para ganhar os corações e as mentes dos colonizados, durante o período da Guerra-Fria, para garantir que era possível salvar o máximo da democracia (capitalista), no Terceiro Mundo» (p. 91).

A ambivalência e as contradições inerentes ao desenvolvimento comunitário podem ser apreciadas quando olhamos para as potencialidades dos processos de mudança que ele pode facultar, mesmo em contexto de domínio colonial. Mayo mostra como, nas antigas colónias, as iniciativas locais de educação e de desenvolvimento comunitário, assentes nas

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ferramentas culturais autóctones, permitiram o desenvolvimento de uma consciência mais crítica e o crescimento de afirmações nacionalistas, que ajudaram os processos de independência. Também Midgley (1999) comunga desta ideia. Este autor defende que o desenvolvimento comunitário nem sempre realiza todo o seu potencial, contudo oferece um sentido para o desenvolvimento social, no contexto do desenvolvimento económico. Tal como refere, os «projectos locais de desenvolvimento comunitário têm dado uma contribuição significativa para aumentar os níveis de vida das pessoas mais desfavorecidas» (p. 117). No mesmo sentido se expressa Clarke (1997), quando mostra que os programas de desenvolvimento têm permitido a defesa da promoção social contra as políticas arbitrárias de destruição de direitos sociais e económicos. Esta potencialidade é destacada por Rodríguez Villasante (1991) que a considera uma forma de intervenção social, ao nível dos outros pólos (estado e capital), mais do que uma forma de luta pelo poder.

Nos anos 60, os programas de desenvolvimento comunitário, que se destinavam essencialmente às áreas rurais carentes de infra-estruturas essenciais, estenderam-se às áreas urbanas, que demonstravam enormes problemáticas sociais de carácter global (Fragoso, 2002). Apreciando as práticas de desenvolvimento comunitário, Perkins (citado em Rubin, 2000) diz que o mote do desenvolvimento comunitário, nos anos 60, podia ser: «dá um peixe ao povo e ele terá comida para um dia»; enquanto que nos anos 70 deveria ser: «ensina o povo a pescar e ele terá comida para toda a sua vida» (p. xii). Os anos 80, no contexto do neo- liberalismo, trouxeram um impulso decisivo às políticas de desenvolvimento comunitário, vistas como aliadas importantes na afirmação de uma hegemonia do mercado livre do capitalismo (Fragoso, 2002).

Vejamos, por ora, algumas definições propostas por vários autores. Silva (1990) escolhe a definição elaborada pelo Comité Francês de Serviço Social, a partir da versão das Nações Unidas, de 1956, e citada por Robertis e Pascal. Nela se afirma que o desenvolvimento comunitário se refere ao conjunto de acções destinadas à melhoria do bem- estar das colectividades desfavorecidas. Esta acção tem dois pressupostos: em primeiro lugar, deve assentar nas iniciativas protagonizadas por grupos e líderes locais em associação com os poderes públicos; em segundo lugar, as acções devem conter uma perspectiva globalizadora e integrada de desenvolvimento, em todos os níveis da acção. Para o autor, que estamos a seguir, haverá desenvolvimento comunitário se se conjugarem os seguintes elementos: tomada de consciência das necessidades; iniciativa de processos de melhoria das condições de vida; e usufruto de recursos existentes ou de outros criados para o efeito. Midgley (1999) também acentua a ideia de associação entre os poderes públicos e os grupos locais. Diz ele que o desenvolvimento comunitário é sempre definido como uma parceria entre agências

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externas e a população local. Enquanto a população contribui com o seu trabalho e alguns recursos locais, as agências externas (governamentais ou não) colocam a sua especialização e tecnologia ao serviço da comunidade.

A noção de processo como substância maior do desenvolvimento comunitário está patente em muitos autores. O facto de ‘processo’ designar um percurso dinâmico de aprendizagem sucessiva e colectiva leva Clarke (1997) a dizer que o desenvolvimento comunitário se concentra nos processos de grupo que se engajam na acção. Por exemplo, Midgley (1999) encara o desenvolvimento comunitário como «um processo de mudança social planeado e concebido para promover o bem-estar da população como um todo em conjunção com um processo dinâmico de desenvolvimento económico» (p. 25). Vimos, aqui, duas das características que temos vindo a abordar. Primeiro, a ideia de processo que, desta vez, assume um desiderato de mudança social; segundo, a velha conjunção entre o desenvolvimento económico e a melhoria das condições de vida social. O autor explica, em oito pontos, os aspectos-chave desta asserção:

i) O processo de desenvolvimento comunitário está inextricavelmente ligado ao desenvolvimento económico, através da criação de recursos comunitários.

ii) O desenvolvimento comunitário deve ter um enfoque interdisciplinar no seio das várias ciências sociais.

iii) O conceito encarna uma visão dinâmica de processo, na qual as noções de mudança, evolução, movimento e crescimento estão implícitas.

iv) O processo de mudança, concebido como a defesa do desenvolvimento comunitário, é naturalmente progressivo.

v) O processo do desenvolvimento comunitário é intervencionista. Para os seus defensores as melhorias não ocorrem naturalmente, mas são o resultado dos esforços de trabalho no mercado económico, de acordo com as forças em presença.

vi) Existe uma diversidade de estratégias insertas no desenvolvimento comunitário, de acordo com as ideologias e os contextos históricos e sociais.

vii) Apesar da sua visão universalista, o desenvolvimento comunitário assenta numa comunidade e população específicas. Cabe bem aqui a ideia de ‘pensar global, agir local’.

viii) O objectivo do desenvolvimento comunitário é a promoção do bem-estar social. Para o autor, e em forma de síntese, o desenvolvimento comunitário é a mais inclusiva de todas as aproximações para a promoção do bem-estar social nos dias de hoje.

Clarke (1997) traz-nos uma síntese das definições mais comuns de desenvolvimento comunitário. A partir de um texto da Dag Hammmarskjold Foundation, de 1975, mostra como as definições ‘standard’ integram: os processos de formação de grupos, a identificação de

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necessidades, o desenvolvimento de recursos e a acção da comunidade. Neste pressuposto, esclarece as condições do desenvolvimento comunitário: trata-se de um serviço profissional de especialização; o desenvolvimento comunitário é gerado para consolidar forças de mudança social, que devem ser mensuradas; a mudança social é colocada na mobilização e criação de condições de poder dos membros da comunidade. Deste modo, o desenvolvimento comunitário deve apostar nas propostas de mudança e incluir, para o futuro, a ideia de mudança da condição humana. O modelo conceptual de desenvolvimento comunitário de Gittel e Vidal (1998) tem muitas conotações com o que estamos a referir. Considerando que as iniciativas de desenvolvimento comunitário são extremamente complexas, quer nas decisões, quer nas parcerias, os autores mostram que os seus resultados devem ser tangíveis e sustentáveis. Por exemplo, devem alcançar melhorias na qualidade de vida, aumentar o emprego, ou trazer oportunidades económicas para outros sectores da população.

Se buscarmos uma tentativa de ligação entre o desenvolvimento comunitário e o campo da educação de adultos, poderemos olhar para esta problemática ainda de forma mais ampla. Quintana Cabanas (1994) mostra-nos que existe uma perspectiva actual generalizada que «vincula a educação de adultos ao objectivo de capacitá-los para que intervenham no incremento da qualidade de vida das colectividades a que pertencem, em especial nos aspectos culturais e sociais. É o que se chama desenvolvimento local ou comunitário» (p. 506). Assim, as actividades formais e não formais de educação de adultos, a animação sócio- cultural, a criação de museus locais, o apoio ao artesanato ou a promoção das culturas locais poderiam ser formas de desenvolvimento comunitário. Neste sentido, também Silva (1990) defende uma perspectiva cultural do desenvolvimento. Para ele, a educação para o desenvolvimento pode contribuir para uma tomada de consciência crítica sobre a necessidade da educação ser criativa e crítica para poder romper com dependências formativas e profissionais passadas. Ainda numa perspectiva educacional, Brookfield (1995) mostra como a multitude de actividades que dão pelo nome de desenvolvimento comunitário se podem medir pelas melhorias individuais e colectivas que são alcançadas e que estas podem ser de duas formas: em primeiro lugar, uma mudança na construção física da comunidade; e, em segundo lugar, a inculcação de um sentido de comunidade. O conjunto destas duas formas pode levar a alterações dos padrões educativos e comportamentais dos grupos nos seus processos de auto-desenvolvimento.

Talvez seja o momento de introduzir a definição de Ander-Egg (1980). Este autor caracteriza o desenvolvimento comunitário como

uma técnica social de promoção do homem e de mobilização de recursos humanos e institucionais, mediante a participação activa e democrática da população, no estudo,

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planeamento e execução de programas ao nível de comunidades de base, destinadas a melhorar o seu nível de vida. (p. 69)

Apesar de extensa, esta citação é interessante porque possibilita o aprofundamento das suas principais ideias-chave. Vejamos: uma visão personalista; uma dimensão técnica e conceptual; uma dimensão metodológica participativa; e uma vertente prática de acção para a mudança (Carmo, 1999). A visão metodológica do desenvolvimento comunitário de Ander- Egg suscita uma configuração na qual se integram quatro componentes: i) estudo da realidade, seus problemas, necessidades, conflitos e recursos; ii) programação das actividades; iii) acção social orientada de forma racional; e iv) avaliação do trabalho executado. Os programas decorrentes desta visão podem ser de carácter nacional, regional ou local, ser executados em áreas urbanas ou rurais, e geridos pelo estado, por associações ou pela própria comunidade (Quintana Cabanas, 1994). Para Lucio-Villegas (2001), da proposta de Ander-Egg relevam duas ideias importantes. A primeira é a do desenvolvimento endógeno, quer dizer, é preciso que a comunidade saiba os recursos e materiais com os quais conta para a sua acção. A segunda é a ideia de participação, quer dizer que a acção não é imposta ou centralizada, mas gerida pela própria comunidade, isto é, visará «converter as pessoas de usuários em participantes» (p. 18). Portanto, interessam sobretudo os aspectos globais do desenvolvimento, os quais permitem almejar uma sociedade mais justa, com relações distintas entre as pessoas. Diéguez (2001) vai no mesmo sentido. São os aspectos mais profundos e genéricos os que destaca, considerando o desenvolvimento comunitário como um processo de fortalecimento da democracia e da sociedade civil. Um processo de participação crescente dos cidadãos na descoberta e na solução dos seus interesses, de forma partilhada. A influência da definição de Ander-Egg é também notória na acepção que se segue, da autoria de Claves (1991a): «Processos e acções dirigidos a promover o conjunto de aspectos, sócio-culturais, sócio-económicos, educativos, sanitários, etc., que afectam a população que partilha um território concreto, com a sua plena participação, aproveitando todos os recursos e potencialidades que existem no local» (p. 123).

Ao abordar as práticas diferenciadas de desenvolvimento comunitário, Marchioni (1997) traça uma distinção entre aquele conceito e outro diferente, o de organização comunitária. Para ele, podia falar-se em desenvolvimento comunitário num contexto de ausência da intervenção pública do estado, quando as comunidades tinham que resolver os seus problemas, sobretudo em áreas desfavorecidas no meio urbano ou no meio rural. Hoje, acha mais útil falar de desenvolvimento comunitário para designar as acções que se desenrolam nas comunidades rurais, preferindo o termo de organização comunitária para

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indicar aquelas que são desenvolvidas em meio urbano. Enquanto metodologia, o desenvolvimento comunitário deveria conter os seguintes três princípios básicos: i) a mudança social só é possível através da participação das pessoas interessadas; ii) só a auto- determinação das pessoas permite escolher o caminho de desenvolvimento das comunidades; iii) o ritmo deve ser endógeno, pautado pela própria dinâmica da comunidade e não imposto de fora. Assim, capacidade de participação dos indivíduos e mudança social andam lado a lado e são reciprocamente dependentes.

Tentando uma sistematização das várias asserções de desenvolvimento comunitário, Nunes e Hoven (1996) apresentam o que consideram ser os elementos básicos de referência conceptual e metodológica: i) um processo de participação de cidadãos; ii) uma acção colectiva para resolver problemas concretos; iii) um desiderato de consciencialização, emancipação e democratização; e iv) um trabalho de parceria entre actores sociais.

Ao apresentar uma síntese sobre o papel estratégico do desenvolvimento comunitário, Fragoso (2002) mostra que as mais recentes definições se limitam a aprofundar o que já antes se tinha estabelecido. No entanto, considera que os contributos mais recentes, no sentido da sua contextualização actual, parecem ser de alguma importância enquanto mecanismo de construção teórica e científica. Para o autor, o desenvolvimento comunitário «possui potencialidades para ser utilizado pelos diversos actores sociais e entidades de formas muito diferentes, com vista ao controlo ou com vista à autonomia, com vista à manutenção do status

quo ou com vista à libertação das populações» (p. 232). Também Mayo (1975) tinha já

referido o potencial radical e alternativo contido na prática do desenvolvimento comunitário. Apesar de colocar algumas reservas, Charteris (1994) também está convencida de que o desenvolvimento comunitário é uma oportunidade sem precedentes para influenciar o modo de operar das autoridades locais. Como refere a autora, o «desenvolvimento comunitário estará agora no coração do governo local» (p. 93).

Como temos visto, ao longo da história da criação e da progressão do conceito, o desenvolvimento comunitário estabeleceu-se a partir de programas onde a componente educativa desempenhou um decisivo papel, quer fosse no quadro do alargamento da educação de massas, nas antigas colónias dos países ocidentais, quer fosse através de acções de formação de grupos e líderes locais. Também as próprias definições, que se foram retocando, traduzem essa noção educativa como cerne do conceito de desenvolvimento comunitário. Midgley (1999) mostra como o combate ao capitalismo tradicional se fez através da introdução de programas de literacia e educação formal, que mudaram crenças e superstições arcaicas nas antigas colónias. Ao mesmo tempo, inculcaram atitudes modernas de dinâmica capitalista, que serviram os interesses das potências colonizadoras. O papel da educação não

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releva só da instrução ou da educação puramente cultural dos indivíduos. Para Diéguez e Guardiola Albert (2000), a preocupação com a educação visa formar «cidadãos conscientes e responsáveis pela marcha dos assuntos comunitários» (p. 23). Também, a propósito, Marchioni (1997) cita uma publicação da ONU que refere expressamente que «pode dizer-se que o desenvolvimento comunitário é um processo educativo» (p. 59).

Parece evidente que a concepção de educação, prevalecente no seio dos processos participados de desenvolvimento comunitário, deve muito a Freire (2002 [1970]). Uma das suas principais contribuições teóricas para a educação tem a ver com a crítica à ‘concepção bancária’ da educação. Para o autor, a educação não passaria de uma ‘narrativa’ ou ‘dissertação’ que deposita conteúdos nos educandos como se estes fossem vasilhas ou recipientes amorfos. A educação torna-se um mero depósito realizado pelos educadores. Aos educandos apenas é permitido receber, de forma mecânica, as narrativas dos educadores sem qualquer margem de crítica. O problema que se coloca, para o autor, é que neste tipo de educação o que é arquivado são os homens, todos os homens, pois «só existe saber na invenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros» (Freire, p. 58). Em alternativa à concepção bancária, Freire propõe uma educação problematizadora, baseada no diálogo horizontal entre educador-educando, que permita uma partilha educativa. Uma acção que assenta no pensar autêntico e que leva à libertação autêntica. Esta não é algo que se deposite nos homens, «é a humanização em processo... praxis, que implica a ação [sic] e a reflexão dos homens sobre o mundo para