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2. DADOS E MÉTODOS

2.1. Conceitos gerais de sísmica de reflexão monocanal de alta resolução

A propagação das ondas geradas por sismos ou explosões controladas é há muito utilizada na sismologia para conhecer o interior da Terra. À semelhança desta área de estudo, a prospeção sísmica marinha utiliza conhecimentos da propagação de ondas, para determinar as propriedades do sedimento/rocha. Conforme a sua propagação, as ondas sísmicas podem ser divididas em dois grupos distintos – ondas volúmicas (body waves) e ondas superficiais (surface waves) (Jones, 1999).

As ondas geradas por um sistema de aquisição sísmica são ondas acústicas ou elásticas, que promovem perturbações de pressão e densidade no meio em que se propagam, sendo usadas para a determinação das propriedades físicas do substrato geológico, condicionadas pelas caraterísticas físicas, químicas e disposição estrutural (espessuras, existência de estruturas geológicas com falhas e dobramentos, com a presença de gás biogénico e deslizamentos submarinos) dos níveis superiores da margem continental abaixo do fundo marinho (Neto, 2001).

Nesta dissertação os dados utilizados foram obtidos com um sistema de aquisição sísmica de reflexão de alta resolução, de baixa potência e monocanal, que funciona segundo o princípio simples de emissão e receção de ondas acústicas, após a sua reflexão nas várias interfaces físicas. Nesse sentido, são apenas consideradas as ondas que apresentam um percurso sobretudo vertical. No ponto 2.2. será exposto com maior detalhe o sistema de aquisição sísmica monocanal utilizado nos levantamentos de campo.

Para uma melhor compreensão da sísmica de reflexão, nos próximos pontos são apresentados conceitos gerais das leis e princípios físicos que estão na base da utilização deste tipo de metodologia.

2.1.1. Ondas elásticas

Como referido no ponto anterior, em sísmica marinha de alta resolução, são utilizadas as propriedades das ondas volúmicas do tipo P e S. Estas propagam-se devido a perturbações de pressão e densidade do meio. A propagação das ondas P ocorre devido à oscilação das partículas em torno de um ponto fixo paralelamente à direção da propagação da onda (Figura 2.1). As ondas S, por sua vez, são ondas de cisalhamento que se propagam perpendicularmente à direção de propagação da onda.

Figura 2.1 – Representação da propagação de uma onda compressiva do tipo P, onde é representado o movimento das partículas que constituem o meio de propagação (adaptado de Mondol, 2010).

A onda de comportamento elástico pode ser representada graficamente, como uma sinusoide amplitude (A) vs tempo, caraterizada por um determinado comprimento de onda (λ) e frequência (f = A.λ) (Figura 2.2).

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Figura 2.2 – Comportamento elástico representado por uma sinusoidal e os parâmetros que a caracterizam.

As ondas P e S têm diferentes velocidades de propagação no meio e são expressas segundo as equações 2.1 e 2.2 respetivamente:

𝑉𝑃= √ 𝜅 +4𝜇3 𝜌 (Equação 2.1) 𝑉𝑆= √ 𝜇 𝜌 (Equação 2.2)

Onde o 𝜇 representa o módulo de rigidez ou cisalhamento (coeficiente de Coulomb), que é a razão entre a tensão e a deformação de corte; K o módulo de volume ou incompressibilidade (Bulk modulus), que representa a resistência do material a uma compressão uniforme; e 𝜌 a densidade do material. O inverso do módulo de incompressibilidade é a compressibilidade de um material (1/K).

Como os fluídos não suportam tensão de cisalhamento, não há rigidez, e a velocidade de propagação das ondas P na água reduz-se a (Equação 2.3):

𝑐á𝑔𝑢𝑎 = √𝑘 𝜌

(Equação 2.3)

De forma análoga as ondas S não se propagam em fluidos. A propagação das ondas P (ondas de compressão) ao longo da coluna de água, a sua penetração no material rochoso abaixo do fundo marinho e a consequente reflexão em zonas de contraste, é que vai possibilitar o estudo da estrutura geológica adjacente.

Se a propagação da onda acústica ocorre devido às perturbações na densidade do material, isto significa que, no caso dos sólidos, a velocidade varia inversamente com a densidade e com a compressibilidade do material e diretamente com a rigidez. A combinação destes parâmetros mostra que à medida que um sedimento saturado perde porosidade (e aumenta em densidade) a velocidade deveria decrescer mas a rigidez e a compressibilidade (1/K) aumentam mais rapidamente do que a densidade, e a velocidade aumenta, sendo este o caso para a maioria dos sedimentos.

2.1.2. Princípio de Huygens

Como referido no ponto anterior a onda de comportamento elástico é representada por uma sinusoidal, e a sua propagação é contínua no sistema dimensional espaço-tempo. Este deslocamento resulta do estado de vibração (ou fase) em que os pontos que constituem

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a superfície da onda (frente de onda) se encontram. Esta frente de onda é esférica em meio homogéneo e isotrópico a partir da fonte sísmica que dá origem à onda. A trajetória perpendicular à frente de onda denomina-se por raio, correspondendo ao trajeto percorrido pela energia de perturbação (McQuillin et al., 1984 in Reis, 2017).

Esta descrição qualitativa para a propagação de ondas foi proposta pela primeira vez por Christian Huygens (1629 – 1695), ficando conhecido como Princípio de Huygens, o qual descreve que cada ponto da frente de onda pode ser considerado com uma fonte de ondas secundárias que dão origem a uma nova frente de onda que se propaga como wavelets esféricas em meio isotrópico (Medwin & Clay, 1998; Reis, 2017) (Figura 2.3).

Figura 2.3 – Representação da frente de onda no sistema dimensional espaço-tempo. (adaptado de Sheriff, 1995).

2.1.3. Lei de Snell

Quando uma onda sísmica se propaga entre dois meios de propriedades diferentes, a superfície que os separa vai dar origem a ondas refletidas e refratadas.

A lei de Snell expressa a relação dos ângulos de incidência da onda quando esta é refletida ou refratada: sin 𝜙1 𝛼1 =sin 𝜙2 𝛼2 (Equação 2.4)

Onde 𝜙 representa o ângulo de incidência e α a propriedade do meio onde se propaga a onda, que neste exemplo pode ser considerada a velocidade de propagação de uma onda acústica. Existe um ângulo de incidência a partir do qual não existe penetração e toda a energia é refletida, este ângulo é designado por ângulo crítico. Em reflexão sísmica este é praticamente vertical (Figura 2.4).

Figura 2.4 – Esquema ilustrativo das direções de onda refletida e refratada geradas a partir de uma onda P incidente. (adaptado de Mondol, 2010).

Esta lei permite relacionar ângulos de incidência com velocidade de propagação, ou seja, parte da energia incidente é refletida enquanto a restante é transmitida ao meio seguinte, sofrendo refração, caso a velocidade do meio seguinte seja diferente. Este fenómeno ocorre sucessivamente até que a energia seja completamente atenuada.

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2.1.4. Impedância acústica e Coeficiente de Reflexão

Tal como foi demonstrado através da Lei de Snell a propagação de uma onda é sujeita a reflexões e refrações quando ocorrem alterações nas propriedades do meio onde se propaga, ou seja, para diferentes tipos de materiais (litologias) e portanto, com diferentes densidades, as ondas propagam-se com diferentes velocidades.

A impedância acústica característica do meio, é efetivamente a resistência acústica num determinado meio, e é expressa por (Equação 2.5):

Ζ = 𝜌. 𝑐

(Equação 2.5)

Onde Z é a impedância acústica (1 Rayle = kg.m-2.s-1), ρ representa a densidade do

meio (kg.m-3) e c a velocidade do meio em que a onde se propaga (m.s-1).

O contraste de impedâncias entre os dois meios determina a amplitude duma reflexão gerada na interface entre os meios e a quantidade de energia transmitida ao meio seguinte. Quanto menor o contraste de impedância entre duas interfaces, maior a quantidade de energia transmitida e maior a penetração no sedimento. Este aspeto é definido pelo coeficiente de reflexão (R) sendo a razão entre a amplitude (pressão) da onda refletida e a amplitude da onda incidente. O coeficiente de reflexão pode ser determinado relacionando a impedância entre dois meios (𝑍1 e 𝑍2). A equação seguinte define o coeficiente de reflexão para condições de

fronteira em que a pressão e velocidade das partículas entre dois meios não varia (Medwin & Clay, 1998; Lurton, 2008) (Equação 2.6):

𝑅 (𝜃1) =

𝜌2𝑐2 𝑐𝑜𝑠 𝜃1 − 𝜌1𝑐1 𝑐𝑜𝑠 𝜃2

𝜌2𝑐2 𝑐𝑜𝑠 𝜃1 + 𝜌1𝑐1 𝑐𝑜𝑠 𝜃2

(Equação 2.6)

Para um ângulo de incidência vertical, ou seja, 𝜃 = 0° o coeficiente de reflexão exprime-se da seguinte forma (Medwin & Clay, 1998) (Equação 2.7):

𝑅 =𝜌2𝑐2− 𝜌1𝑐1 𝜌1𝑐1+ 𝜌2𝑐2

=𝑍2− 𝑍1 𝑍2+ 𝑍1

(Equação 2.7)

Este coeficiente varia entre 1 e -1. Quando R<0 indica mudança de fase de 180º da onda refletida, por exemplo, se R≈-1 significa que quase a totalidade da energia incidente é refletida, por exemplo na interface água/ar. Numa transição água/rocha o valor típico é de ≈ 0,5 e para uma transição água/areia o valor típico é de ≈ 0,2.

2.1.5. Resolução

Uma das caraterísticas principais a considerar para a escolha de um sistema de prospeção, para além da penetração, é a sua resolução. A resolução vertical é geralmente a mais importante para sistemas de alta resolução em águas pouco profundas, e indica a distância vertical mínima em que dois contrastes de impedância sucessivos que aparecem como refletores separados.

Para os sistemas do tipo Boomer a onda gerada não é uma sinusoidal perfeita. O impulso inicia gerando uma pressão positiva, seguindo-se o colapso e uma pressão negativa (Figura 2.5).

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Figura 2.5 – Gráfico do impulso da placa Boomer. (adaptado de Applied Acoustic Engineering, 2003).

Este sinal gera um conteúdo em frequências. Para determinar a resolução considera- se apenas um comprimento de onda que pode ser calculado a partir da duração do impulso ou da frequência central. Dois ciclos podem ser distinguidos quando estão separados mais do que λ/2 (λ – comprimento de onda), porém, como se trata de um reflexão, isto acontece quando as interfaces estão separadas mais do que λ/4. A resolução vertical, calculada teoricamente será (Equação 2.8):

𝑅𝑒𝑠𝑉=

𝜆

4 (Equação 2.8)

Na sísmica de reflexão, a resolução horizontal é dada pela primeira zona de Fresnel (Reynolds, 1997), e é uma medida da capacidade de reconhecer variações no espaço. Depende de vários fatores, como por exemplo a energia não ser refletida num único ponto mas sim numa região com infinitos pontos de reflexão (Figura 2.6). A resolução horizontal é expressa da seguinte forma (Equação 2.9):

𝑅𝑒𝑠𝐻= 2 ∗ √

𝜆ℎ

2 (Equação 2.9)

Onde h é a profundidade e λ o comprimento de onda do sinal emitido.

Figura 2.6 – Representação da primeira zona de Fresnel de uma onda. (adaptado de McQuillin et al., 1984).

Após a introdução destes conceitos físicos relacionados com a propagação de ondas acústicas ou elásticas que servem de base ao equipamento utilizado na aquisição dos dados, nos próximos pontos será abordada a origem e aquisição dos mesmos.

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