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C. Unidade sísmica S2U3

4. MODELO EVOLUTIVO

4.1. Evolução pós-miocénica

Abaixo do refletor R0, as sequências SR e S1 representam o conjunto de unidades sísmicas do substrato mais antigo, interpretado como sendo Miocénico (SR) e Plio- Quaternário (S1). Conforme já mencionado, as caraterísticas deste refletor e sua expressão regional, levam a concluir que corresponderá a uma extensa superfície erosiva, formada no decurso das descidas do NMM, que ocorreram nos ciclos eustáticos Quaternários, o último dos quais culminou com o Último Máximo Glaciar. Por este motivo, o R0, no decurso do trabalho, foi renomeado como UMG (?).

Abaixo do refletor UMG (?), as sequências apresentam uma variabilidade espacial notável, estando condicionadas pela presença de uma estrutura do tipo falha bastante importante e que divide a plataforma continental em dois setores (Figura 1.6 e 4.2). No setor Oeste, a sequência corresponde ao enchimento de uma grande depressão, enquanto no setor Este, se observa um substrato rochoso referente à sequência SR, constituído por formações provavelmente detríticas (idade ante-pliocénica), depositadas horizontalmente e mais regulares, posteriormente afetadas por estruturas do tipo falha e dobramento. O estilo de deformação, em particular o dúctil, apresenta direção paralela às estruturas cartografas na cadeia da Arrábida, afetando as séries mesocenozóicas. Nesse sentido, é de considerar que possam ter sido deformadas no mesmo contexto tectónico.

No setor ocidental, as unidades sísmicas da sequência S1 leva a uma interpretação geológica também ela complexa, ainda que a existência de paleovales e ravinas a sul do Cabo Espichel já tenha sido referenciada anteriormente por Boillot et al. (1974), cuja génese e desenvolvimento foi atribuída à presença de falhas, estas depressões foram preenchidas por camadas sedimentares durante o Plio-Quaternário.

Vanney & Mougenot (1981) no seu trabalho referem que estes paleovales são instáveis em área geograficamente pequenas, em particular nas proximidades da cabeceira dos canhões, onde o recuo significativo do bordo e/ou pela presença de estruturas tectónicas pré-existentes, leva a que os talvegues destes vales tenham uma geometria variada. Assim, é de admitir que a depressão identificada ao largo de Sesimbra, totalmente preenchida pela sequência S1, constitua um grande paleovale, tributário do denominado Canhão de Sesimbra (CS). O preenchimento destes paleovales será de idade Plio-Quaternária, correlacionando-o com as numerosas oscilações eustáticas e episódios tectónicos que ocorreram desde o final do Miocénico até ao Plistocénico (Mougenot, 1989).

Em relação às características dos materiais que preenchem estas depressões, os autores acima mencionados e, com base na análise acústica, indicam uma natureza diversificada, regra geral material composto por detritos grosseiros e heterométricos (fácies caótica), sugerindo a deposição num ambiente de alta energia. No sentido da plataforma, as reflexões tornam-se estratificadas e com leve inclinação, indicando um material detrítico mais

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fino e bem calibrado, tipicamente de ambiente de menor energia.

Estas características mencionadas por estes autores são semelhantes aquelas que foram identificadas nos perfis sísmicos analisados no âmbito do presente trabalho. Como se pode observar no linha sísmica 171129LINE1 (Figura 3.4), de orientação N-S, que foi interpretado como sendo um perfil paralelo ao sentido do preenchimento do paleovale do CS onde S1U1 apresenta uma fácies sísmica caótica e reflexões difusas sugerindo assim a presença de um material mais grosseiro e heterométrico em zona mais proximal; e no sentido do bordo da plataforma, numa zona mais distal, a unidade S1U4 apresenta uma fácies sísmica claramente progradante. Assim, e de acordo com o descrito anteriormente, sugere-se uma variação na hidrodinâmica de uma zona proximal a costa para uma zona mais distal.

Outro resultado obtido através da análise dos perfis de reflexão sísmica está exposto na Figura 4.1, o qual mostra a localização aproximada da linha dos talvegues dos canais que poderiam constituir o paleovale tributário do canhão de Sesimbra. Este resultado também já havia sido apresentado por Boillot et al. (1974) (Figura 4.2), no entanto é de destacar a variação da direção destas linhas, de uma posição aproximadamente paralela para uma direção perpendicular ao bordo da plataforma. Esta variação estará relacionada pela presença das falhas F4 e F5 (Figura 3.8).

Figura 4.1 – Localização aproximada dos talvegues dos canais que constituiriam o paleovale do CS obtida através da interpretação das linhas sísmicas utilizadas (ver também em Anexo 1).

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Figura 4.2 – Cartografia da localização dos talvegues e estruturas geológicas segundo Boillot et al. (1974). Localização das falhas F4 e F5 projetadas sobre a presente cartografia.

A base do paleovale estará localizada a profundidades na ordem dos -200 m e o seu enchimento sedimentar terá uma idade provável Plio-Quaternária (unidade GSI2 in Brito, 2009). Esta observação está de acordo com a sondagem de Belverde (Figura 4.3) que amostrou cerca de 130 m de areias plio-plistocénicas assentes em discordância com formações subjacentes do Miocénico superior (Pais et al., 2003), bem como o trabalho de Azevedo (1982) in Cabral (1993), que documentam uma espessura de 300 m destas formações na zona do Pinhal Novo.

Figura 4.3 – Coluna crono-lito-estratigráfica da sondagem de Belverde (localização: 38º 35’ 34,1” N; 9º 8’ 24,7”W), realizada entre Março e Dezembro de 2001, com destaque para as formações classificadas como pertencentes ao Miocénico superior e Pliocénico. A seta a vermelho indica a discordância entre o Pliocénico e o Miocénico superior (adaptado de Pais et al., 2003).

F4 F5

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Na linha sísmica 050311LINE35 (Figura 3.16) observa-se junto à falha F4 que as unidades S1U1 e S1U2 estão bastante deformadas, podendo tratar-se de uma deformação sin- sedimentar. Segundo Cabral (2012), os sedimentos do Pliocénico mais recente (2,58 – 1,8 Ma, Quaternário inferior) constituem o enchimento sedimentar de antigas bacias compressivas do Miocénico, estando afetados pelo deslocamento ao longo de grandes falhas e apresentando evidências de terem sido elevados. Assim, coloca-se a hipótese da falha materializar o bordo oriental do paleovale do CS sendo e a deformação observada nas unidades ser contemporânea de parte da movimentação vertical desta estrutura.

A geometria do refletor de base da unidade sísmica S1U3, onde se observam várias depressões bem preservadas, interpretadas como sendo o reflexo do entalhe de várias paleo- linhas de água, sugerem processos de erosão subaérea. O entalhe destas linhas pode ter ocorrido na sequência de um rápido rebaixamento do nível de base (NMM), devido às oscilações eustáticas que se fizeram sentir durante o Quaternário (Haq et al., 1987) e influência da tectónica ativa. Posteriormente, com a subida do nível de base, as depressões foram preenchidas como se observa na figura da linha sísmica 050311LINE35 (Figura 3.1A). Esta interpretação é concordante com o esquema apontado por Cabral (1993) em Manupella

et al. (1999), segundo o qual a evolução quaternária na região da Península de Setúbal está

marcada pela passagem de sedimentogénese, no Pliocénico, a gliptogénese, no Quaternário, por erosão fluvial associada ao encaixe da rede de drenagem, e em resposta a uma modificação na evolução tectónica regional, com inversão da subsidência para levantamento em quase toda a região.

No ponto C de 1.3.2. já foi referido que a taxa média de soerguimento de Portugal Continental durante o Pliocénico e Quaternário será cerca de 0,1-0,2 mm/ano, no entanto trabalhos como de Ressureição et al. (2013), no arco Troia-Sines mais especificamente em Melides, a sul da área de estudo, sugerem uma taxa de movimentação vertical deste o Placenciano, cerca de 0,04-0,05 mm/ano; Cunha et al. (2015) apresenta uma taxa de soerguimento crustal na zona do Cabo Espichel de 0,061 – 0,039 mm/ano, tendo em conta a plataforma do Cabo Espichel como referência altimétrica entre os 220 e 140 m e idade de 3,6 Ma (datação precisa, comunicado pelo próprio autor).

É de referir, no entanto, que os movimentos verticais apresentam, por vezes, contraste regionais, conforme os trabalhos de Cabral (1993, 2012), onde, na península de Setúbal se observa que o local com um maior uplift é referente à cadeia da Arrábida, e na zona onde se localiza o Mar da Palha (estuário do Tejo) terá ocorrido subsidência (Figura 4.4).

Para além destes movimentos crustais, contribuíram para os processos de geodinâmica externa dominantes neste setor, as oscilações eustáticas, tal como a ocorrida há 3 Ma, quando o nível do mar se situava 60 m acima do atual (Haq et al., 1987) (Figura 4.5).

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Figura 4.4 – Mapa dos movimentos verticais neotectónicos de Portugal Continental, acumulados aproximadamente nos últimos 3 M.a., e elaborado com base no levantamento de terraços marinhos e encaixe de redes hidrográficas. As isolinhas referentes aos movimentos encontram-se em centenas de metros. Destaque para a região da área de estudo (adaptado de Cabral, 2012).

Figura 4.5 – Curva da variação do nível do mar nos últimos 30 M.a., com destaque para a posição relativa do nível médio do mar há cerca de 3 M.a., 60 m acima do nível atual (adaptado de Haq et al., 1984).

Conjugando estes dois eventos, eustáticos e tectónicos, de elevada complexidade interpretativa, assume-se hipotéticamente que as unidades sísmicas S1U1, S1U2, S1U3 e S1U4 podem corresponder a depósitos sedimentares que preenchem o paleovale do Canhão de Sesimbra, de natureza terrígena, fornecidos pelo pré-Tejo. Esta afirmação está alinhada com os estudos realizados por Azevedo (1982), onde foram analisadas as estruturas sedimentares nos depósitos pliocénicos da península de Setúbal, através de um extenso

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levantamento das características geométricas dessas estruturas (estratificação obliqua, canais e estruturas convolutas).

Os resultados obtidos por esta autora permitiram concluir que a escorrência do Tejo ancestral ocorreria na direção geral 225º, e que a rede de drenagem, neste período teria uma configuração meandriforme, sem estrutura estuarina ou deltaica bem diferenciada, sugerindo tratar-se de uma grande planície aluvial costeira (o trabalho não exclui a existência de um delta mais a Oeste). Esta tese é comprovada por outro braço do rio que sairia na zona de Setúbal, na zona da Pedra Furada, onde foram medidas paleocorrentes com direção 225º (Figura 4.6).

Figura 4.6 – Projeções estereográficas das medições de paleocorrentes em formações pliocénicas na Península de Setúbal com direção geral de 225º (indicação seta negra) (adaptado de Azevedo, 1982).

Como se pode verificar a interpretação dos resultados obtidos permitiram discutir alguns pontos sobre a eventual evolução das sequências sísmicas mais antigas, nomeadamente o que diz respeito ao preenchimento do paleovale do Canhão de Sesimbra.

As implicações tectónicas e oscilações eustáticas que se fizeram sentir desde o final do Miocénico são responsáveis pela evolução da área de estudo, mas por outro lado a conjugação de ambas as variáveis torna-se algo complexa e de difícil interpretação, considerando apenas os dados analisados.

Nos pontos seguintes será abordada a eventual evolução da sequência sísmica S2, mais recente, que culminou no máximo regressivo há cerca de 20 000 a 18 000 anos atrás.

No entanto, é de questionar o hiato de 1,8-2 Ma existente entre as sequências mais antigas (SR e S1) com a sequência mais recente (S2). Esta pode ser respondida através do exposto por Cabral (1993) com a passagem de evolução de sedimentogénese em toda a região da Península de Setúbal no Pliocénico, para uma evolução quaternária gliptogénica, com instalação da rede hidrográfica devido a uma descida do nível do mar e inversão tectónica de subsidência para levantamento regional generalizado.

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