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A HORA E A VEZ DO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA MENTAL: NOVOS CONCEITOS, NOVAS EMOÇÕES

EVOLUÇÃO DA MATRÍCULA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL 1998 A 1999 POR REDE DE ENSINO

2.2 Deficiência Mental

2.2.4 A aprendizagem e o desenvolvimento do portador de deficiência mental num enfoque psicopedagógico e histórico cultural

2.2.4.1 Conceitos e pressupostos teóricos

Tendo como foco central uma conceituação cognitivista contemporânea, entendemos aprendizagem como um processo de construção de conhecimento ou sua apropriação. Alicia Fernandez (1991) complementa esta idéia, colocando a aprendizagem como um processo e uma função que permitem à criança ser sujeito (o que a diferencia no meio das outras). Para a autora, em todo processo de aprendizagem estão implicados quatro níveis, que fundamentam o processo: o organismo, o corpo, a inteligência e o desejo.

O funcionamento do organismo é algo já codificado, ao contrário do funcionamento do corpo, que precisa ser aprendido. Pain (1992) esclarece que o organismo necessita do corpo como um gravador necessita de um instrumento de música original, para que possa fazer a gravação.

Compreende-se, mediante a fala dos especialistas, que o organismo bem estruturado formula a base ideal para a aprendizagem. Entretanto, as deficiências orgânicas podem condicionar ou dificultar esse processo, tanto que Sara Pain (1992) compara o corpo a um violino, acrescentando que de um violino de má qualidade, um hábil violinista pode tirar um bom som, ou, ao contrário, de um instrumento excelente, um violinista apático ou incapaz não consegue tirar uma melodia razoável.

Ocorre, então, que pelo corpo nos apropriamos do organismo. A aprendizagem insere-se sempre o corpo, porque inclui o prazer e este está presente no corpo.

A participação do corpo no processo de aprendizagem se dá pela ação e pela representação. Todo conhecimento tem um nível de ação (fazer os movimentos) e um nível figurativo (dado pela imagem, pela configuração) que se instala no corpo.

Na ótica de Fernandez (1991), a apropriação do conhecimento implica no domínio do objeto; sua corporização prática, em ações ou imagens necessariamente, resulta em prazer corporal.

Infere-se, portanto, o nível de inteligência refere-se a uma estrutura lógica, enquanto o nível de desejo é simbólico, significante.

Piaget entende (1991) que a estrutura lógica (inteligência) é uma estrutura genética, ou seja, é o conhecimento que se constrói. O indivíduo passa por um processo no qual é elaborado um trabalho lógico que resulta na ação, que é o ponto de partida da razão e a fonte de organização e reorganização contínua da percepção. Ainda segundo Piaget, todo ser humano, desde seu nascimento, em seu processo de estruturação da inteligência, passa por estágios de desenvolvimento resultantes de sua ação sobre o meio.

Vygotsky considera que a construção do conhecimento não se dá do individual para o social, mas, ao contrário, ocorre mediado pelo interpessoal antes de se tornar intrapessoal. Sendo assim, a aprendizagem se constitui numa importante função superior e ocorre mediada pelas interações que o sujeito estabelece com o meio ao longo de sua existência.

Para Vygotsky, aprendizagem e desenvolvimento estão interrelacionados desde o primeiro dia de vida da criança. O desenvolvimento é em parte definido pelo processo de maturação do organismo, porém é o aprendizado que possibilita o aparecimento de processos internos de desenvolvimento que só ocorrem a partir da interação sóciocultural. As diferenças qualitativas no ambiente social da criança promoverão aprendizagens diversas que darão lugar a diferentes processos de desenvolvimento.

A importância do ambiente sóciocultural no desenvolvimento cristaliza-se na formulação de um conceito específico dentro da teoria de Vygotsky, essencial à compreensão das relações entre o desenvolvimento e o aprendizado: o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal.

Para uma compreensão adequada dessa relação, deve-se considerar não apenas o nível de desenvolvimento real da criança, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, mas também seu nível de desenvolvimento potencial, isto é, sua capacidade de desempenhar tarefas com a ajuda de adultos ou de companheiros mais capazes. É a partir da postulação da existência desses dois níveis de desenvolvimento - real e potencial - que se define a Zona do Desenvolvimento Proximal.

"Em resumo, o processo de desenvolvimento nada mais é do que a apropriação ativa do conhecimento na sociedade em que a criança nasce; é preciso que ela

aprenda e integre em sua maneira de pensar o conhecimento de sua cultura" (Davis, 1991:54).

É nesse sentido que a figura do professor passa a ser entendida como mediador do processo de ensino e aprendizagem, aquele que tem a função social de possibilitar ao aluno o acesso às relações que não estão usualmente presentes no seu cotidiano.

Nas tendências atuais, para discutir a aprendizagem e o desenvolvimento, considera-se que a inteligência não é algo que “se tem” ou “não se tem”, nem é alguma coisa que uma pessoa possa ter “mais” ou “menos”, ela é algo que se vai construindo e reconstruindo em situações individuais e sociais, sem as quais a inteligência se resumiria a uma “propriedade virtual”. Nessa perspectiva, acredita-se que o sujeito se desenvolve e aprende pela multiplicidade de inteligências.

Nesse contexto situamos a teoria de Gardner, a das inteligências múltiplas, em que ele sustenta que as pessoas manifestam as mais distintas habilidades e que cada atividade requer algum tipo de inteligência, mas não necessariamente o mesmo tipo de inteligência.

Para Gardner, as pessoas possuem capacidades diferentes, das quais se valem para criar algo, resolver problemas e produzir bens sociais e culturais dentro de seu contexto. Assim, cada sujeito constrói seu conhecimento de forma diferente.

A inteligência não é única e não pode ser medida. Gardner afirma que sua teoria se contrapõe a esse modo de pensar a inteligência porque questiona o conceito tradicional, uma vez que tem uma “visão pluralista da mente” . Essa visão reconhece muitas facetas diferentes e separadas do conhecimento e da percepção humana, acreditando que as pessoas têm forças e estilos de aprendizagem e conhecimento diferenciados e até contrastentes. Esses aspectos não podem ser medidos ou padronizados e são desenvolvidos em uma combinação entre fatores biológicos, culturais, sociais e tecnológicos, ao longo da vida de cada pessoa.

No que se refere à educação centrada na criança, Gardner levanta dois pontos importantes que sugerem a necessidade de individualização. O primeiro diz respeito ao fato de que se os indivíduos têm perfis cognitivos tão diferentes

uns dos outros, as escolas deveriam, ao invés de oferecer uma educação padronizada, tentar garantir que cada um recebesse a educação que favoreçam o seu potencial individual. O segundo é que enquanto na Idade Média um indivíduo podia pretender tomar posse de todo o saber universal, hoje essa tarefa é praticamente impossível, sendo até mesmo bastante difícil o domínio de um só campo de saber.

Assim, se há necessidade de limitar a ênfase e a variedade de conteúdos, que esta limitação seja da escolha de cada um, favorecendo o perfil intelectual individual.

Quanto aos conceitos dinâmicos de inteligência, indivíduo e mediação, encontramos na literatura específica os ensinamentos de Reuven Feurteins (1989,1993), que são muito próximos de Vygotsky. A partir de sua teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural e Aprendizagem Mediada, Feurteins criou o programa de Enriquecimento Instrumental, que é aplicado com sucesso em vários países do mundo, na educação de crianças com os mais sérios problemas. Como Vygotsky, esse autor destaca a importância da mediação no ensino.

Segundo Feurteins, nem fatores genéticos, orgânicos ou ambientais, relativos à carência de aprendizagem mediada ou outras quaisquer, podem produzir um deterioramento irreversível no desenvolvimento cognitivo do indivíduo. Seu programa pressupõe que sempre há um potencial de aprendizagem disponível no ser humano, independente da idade, raça, grau de instrução, classe social, etc.

De forma apaixonada e poética, Paulo Freire resgatou tanto o conceito de Zona Proximal de Vygotsky quanto o conceito de construção de conhecimento de Piaget. A contextualização de Freire diz respeito à construção de algo que está lá e que não pode ser ignorado.

Para aprender, a criança necessita de seu aparato cognitivo tanto quanto de suas emoções, afetos, condições sociais e, especialmente, da qualidade de sua relação com o outro que mediará esse processo. Aqui, enfatiza-se o papel desempenhado por aquele que ensina.

Desse ponto de vista, para o portador de deficiência mental, a qualidade das interações estabelecidas são de fundamental importância para que ocorram a aprendizagem e o desenvolvimento.

2.2.4.2 Contribuições da psicopedagogia na educação do portador