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2 PROTEÇÃO DE DADOS NA NOVA ECONOMIA E AMBIENTE DA

2.3 Buscadores e o direito de escolha do usuário/consumidor

2.3.1 Os conceitos de Web 2.0 e Prosumer

A expressão “Web 2.0” foi criada pelo empresário Tim O’Reilly, fundador e CEO da O’Reilly Media Inc. (empresa editora de livros de computadores), em uma conferência, em 2004. O referido termo nasceu frente a uma comparação entre as características das empresas que quebraram ou desapareceram com a crise da internet em 2001 e as que se mantiveram na plataforma, de modo a ascender, mesmo as que surgiram após a crise.

97 MANNE, Geoffrey A. The problem of search engines as essential facilities: an economic and

legal assessment. In: SZOKA, Berin; MARCUS, Adam (Eds.).The Next Digital Decade: essays on the future of internet. Washington D.C.: Tech Freedom, 2010, p. 434.

Tradução livre: “O conjunto de alegações que são apresentadas sob a rubrica de “busca neutra” ou “doutrina dos recursos essenciais” contra os motores de busca em geral e, em termos práticos, o Google, em particular, são profundamente, problemáticas. Estas encorajam cortes e outros tomadores de decisão a encontrar violações antitrustes onde não realmente existem, ameaçando desencorajar inovação e conduta de melhoria da eficiência. Em parte por esta razão, a doutrina dos recursos essenciais tem sido jogada pelos melhores especialistas de antitruste na caixa de lixo da história. Como Joshua Wright e eu concluímos em outro lugar: de fato, é nossa visão que à luz das alegações antitruste decorrentes de inovação contratual e conduta de preço, e da aparente falta de alguma evidência concreta de efeitos anticompetitivos ou de dano à concorrência, a execução de uma ação contra o Google por estes motivos cria um risco substancial para um “falso positivo”, que poderá desencorajar a inovação e a concorrência que atualmente prove diversos benefícios aos consumidores”. 

A crise mencionada foi resultado de uma bolha especulativa que levou ao desaparecimento diversas empresas “ponto com” à época. Fato é que Tim O’Reilly, ao fazer um comparativo entre as empresas que sucumbiram à crise de 2001 e as que ascenderam após esta, verificou que as empresas promissoras seguiam alguns preceitos e regras comuns, tendo a partir destes revolucionado a Web.

Assim, a este conjunto de preceitos (competências essenciais), responsável por tornar a Web mais dinâmica, comunicativa e participativa, O’Reilly deu o nome de “Web 2.0”. Em seu artigo “What is web 2.0?”, Tim O’Reilly enumera sete competências essenciais e principais que as empresas devem apresentar para estarem inseridas neste novo conceito de Internet, a Web 2.0, seriam estas98:

 Confiar nos usuários como co-desenvolvedores;  Aproveitar a inteligência coletiva;

 Considerar o software acima do nível de um único dispositivo – desenvolvimento do aplicativo de modo a integrar mais de um dispositivo;

 Aproveitar a cauda longa da Internet – levar o autoatendimento e o gerenciamento algorítmico de dados a toda web, considerando que boa parte do conteúdo da Internet se encontra em pequenos sites.

 Controlar as fontes originais de dados, de modo a obter vantagem competitiva (“Data is the next Intel Inside”99);

 Serviços não empacotados em softwares – quando os dispositivos e programas estão conectados à Internet, as aplicações não são artefatos de softwares, mas serviços em andamento, dessa forma, é possível e aconselhável utilizar os usuários como testadores, em tempo real, de novos recursos (funcionalidades) para saber como as pessoas os utilizam;  As aplicações Web 2.0 são construídas a partir da cooperação

de uma rede de serviços de dados – distribuição de conteúdo e reutilização de serviços de dados de terceiros.

Destas sete competências, pode-se extrair algumas características da nova Web muito importantes para o desenvolvimento deste trabalho. Seriam estas: (i) a importância do usuário/consumidor na construção da Internet; (ii) a criação de

98 O’REILLY, Tim. What is Web 2.0. Design Patterns and Business Models for the Next

Generation of Software. Sebastopol, CA, USA: O’REILLY, 30 set. 2005. Disponível em: <http://www.oreilly.com/pub/a/web2/archive/what-is-web-20.html>. Acesso em: 30 set. 2015. 

grupos na Internet que interagem entre si, formando consciências e opiniões coletivas sobre os serviços prestados na Web; (iii) o fato de as empresas que até então se destacaram na Internet terem se utilizado da opinião e necessidades de seus usuários com o intuito de moldar e inovar seus serviços; (iv) a utilização de dados dos usuários e de navegação para melhorar e impulsionar os serviços da Internet, ou seja, o desenvolvimento dos serviços por meio do compartilhamento de dados do usuário.

Acerca da construção da Internet, um bom exemplo de como esta se dá é o fato de ser permitido aos seus usuários/ consumidores que adicionem novos conteúdos por meio de páginas próprias ou por meio de comentários em sites de terceiros, inclusive, em sites de e-commerce, sendo possível que outros usuários descubram o conteúdo e cliquem neste para acessá-lo. Quanto mais os usuários clicarem e visualizarem determinado conteúdo, mais relevância este ganhará diante da inteligência coletiva envolvida.

Dessa forma, as empresas ao prestarem seus serviços na web 2.0, para alcançarem a eficiência, devem analisar qual o conteúdo relevante a ser dirigido àquela coletividade alvo e ao usuário em específico, de modo a ofertar um serviço diferenciado, personalizado, a partir do compartilhamento de dados pessoais e de navegação, realizado por cada usuário/consumidor.

Tim O’Reilly, ao analisar o efeitos dos blogs na Internet, trata do poderoso efeito que esta inteligência coletiva, criada pelos diversos usuários da Web em conjunto, possui ao moldar o conteúdo da Internet, como se fosse um cérebro global, a saber:

If an essential part of Web 2.0 is harnessing collective intelligence, turning the web into a kind of global brain, the blogosphere is the equivalent of constant mental chatter in the forebrain, the voice we hear in all of our heads. It may not reflect the deep structure of the brain, which is often unconscious, but is instead the equivalent of conscious thought. And as a reflection of conscious thought and attention, the blogosphere has begun to have a powerful effect.

First, because search engines use link structure to help predict useful pages, bloggers, as the most prolific and timely linkers, have a disproportionate role in shaping search engine results. Second, because the blogging community is so highly self-

referential, bloggers paying attention to other bloggers magnifies their visibility and power100.

Sendo assim, o que se observa na Internet é justamente a participação ativa dos usuários/ consumidores na formação desta e dos serviços e conteúdos neste meio disponibilizados. Os serviços, como o de busca, por exemplo, são prestados a partir de critérios algorítmicos criados por seu produtor/fornecedor, mas que são moldados pelo próprio usuário/consumidor por meio do compartilhamento de dados e interesses, havendo, dessa maneira, uma ativa participação deste último na prestação dos serviços.

Considerando forma de atuação do consumidor na produção de um produto ou prestação de um serviço, Alvin Toffler, na década de 80, em seu livro “A terceira onda”, a fim de melhor denominar este tipo de consumidor, deu a este a denominação de “prosumer”, com o intuito de demonstrar que quando o próprio consumidor possui certa participação na confecção do produto ou na prestação do serviço, a separação entre produtores e fornecedores se torna nebulosa.

Sobre este fenômeno da ascensão da figura do “prosumer” nas relações mercadológicas e as consequentes alterações que este provocou, convém destacar trecho do livro de Alvin Toffler em que este esclarece que:

[…] if we look closely we find the beginnings of a fundamental shift in the relationship of these two sectors or forms of production to one another. We see a progressive blurring of the line that separates producer from consumer. We see the rising significance of the prosumer. And beyond that, we see an awesome change looming that will transform even the role of the market itself in our lives and in the world system.

100 O’REILLY, Tim. What is Web 2.0. Design Patterns and Business Models for the Next

Generation of Software. Sebastopol, CA, USA: O’REILLY, 30 set. 2005. Disponível em: <http://www.oreilly.com/pub/a/web2/archive/what-is-web-20.html>. Acesso em: 30 set. 2015. Tradução livre: “Se uma parte essencial da Web 2.0 é aproveitar a inteligência coletiva, transformando a web em uma espécie de cérebro global, a blogosfera é o equivalente a vibração mental constante na parte frontal do cérebro, a voz que ouvimos em todas as nossas cabeças. Este pode não refletir a estrutura profunda do cérebro, que é muitas vezes inconsciente, mas em vez disso é o equivalente do pensamento consciente. E, como um reflexo do pensamento consciente e atenção, a blogosfera começou a ter um efeito poderoso. Primeiro, porque os motores de busca (sites de busca) utilizam a estrutura de links para ajudar

a prever páginas úteis, bloggers, como os links mais produtivos e oportunos, têm um papel desproporcional na formação de resultados de pesquisas. Em segundo lugar, porque a comunidade de blogs é tão altamente auto-referencial, bloggers que prestam atenção a outros bloggers ampliam sua visibilidade e poder”. 

[…]The willing seduction of the consumer into production has staggering implications. To understand why, it helps to remember that the market is premised on precisely the split between producer and consumer that is now being blurred. An elaborate market was not necessary when most people consumed what they themselves produced. It only became necessary when the task of consumption was separated from hat of production.

Conventional writers define the market narrowly as a capitalist, money-based phenomenon. Yet the market is merely mother word for an exchange network, and there have been (and still are) many different kinds of exchange networks. There are markets based on money—but also markets based on barter”101.

Claramente, em razão da época em que o livro de Alvin Toffler fora escrito, este não fez menção às mudanças originadas com a Internet, no entanto, seu livro se mostra bastante atual nesse sentido, sendo perfeitamente possível, pelas razões já expostas, atrelar o conceito de prosumer à figura do usuário/consumidor da Internet. Ademais, cumpre esclarecer que também na Internet o mercado por vezes não se baseia na troca por dinheiro, como já havia nos alertado Toffler, mas sim na troca de dados pessoais e de navegação.

Sobre esta perspectiva do prosumer atual, inserido na era digital, aduzem, Roberta Paltrinieri e Piergiorgio Esposti, no artigo “Process of inclusion and exclusion in the sphere of Prosumerism” que:

Being a prosumer today means not only being involved in the process of production and consumption but also, and more importantly, having a civic role and function resulting from the

101 TOFFLER, Alvin. A terceira onda. Tradução de João Távora. 27. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003,

p. 268.

Tradução livre: “Pois, se olharmos atentamente, encontraremos os primórdios de uma mudança fundamental na relação destes dois setores ou formas de produção de um para o outro. Vemos um borrar progressivo da linha que separa o produtor do consumidor. Vemos a crescente significação do prosumidor. E, além disso, vemos assomar uma impressionante mudança que transformará mesmo o papel do próprio mercado em nossas vidas e no sistema mundial.

[…]

A atração voluntária do consumidor pela produção tem implicações desconcertantes.

Compreender a causa implica lembrar que o mercado se situa precisamente na fenda entre o produtor e o consumidor, que agora se está se apagando. Não era necessário um mercado complexo quando a maioria das pessoais consumiam o que elas mesmas produziam. Só se tornou necessário quando a tarefa do consumo foi separada da de produção.

Os escritores convencionais definem o mercado acanhadamente como um fenômeno capitalista, baseado em dinheiro. Entretanto, o mercado é apenas outra palavra para uma rede de troca, e tem havido (e ainda há) muitas espécies diferentes de redes de trocas”. 

opportunities that digital technologies and augmented reality provide102.

Dessa forma, estes autores ressaltam que o prosumer atual, inserido na realidade digital, além de ajudar a construir a Internet e os serviços e produtos nesta disponibilizados, igualmente, criam a tão mencionada consciência, inteligência coletiva, a qual acaba por influir também direta e indiretamente em toda a produção de conteúdo da Internet.

Sendo assim, verifica-se que as empresas “ponto com” inseridas na Web 2.0 estabeleceram uma relação negocial com os usuários/consumidores da internet, baseada na confiança do poder destes em construir uma Internet com serviços mais relevantes e satisfatórios.

Desta feita, a confiança negocial103 depositada por tais empresas nos usuários culminou na criação da inteligência coletiva, que permeia a Web atualmente e, que além de auxiliar a construção de uma internet mais assertiva, possui a função de informar o consumidor acerca dos serviços inadequados, diferenciado, muitas vezes, por comentários postados e por acessos, os serviços adequados dos inadequados e viciados, empoderando e tornando mais consciente a escolha do usuário/consumidor.

A utilização de dados, na Web 2.0, propiciou o surgimento de diversas inovações na rede, tornando-a mais dinâmica e competitiva. Isso, pois, ao trabalharem com os dados, as empresas “ponto com” criam serviços que consistem em verdadeiras obras eletrônicas, acirrando a concorrência e tornando a economia da Internet mais sadia e qualificada, de modo a atender dois princípios da ordem econômica, destacados no art.170, da Constituição Federal: a livre concorrência e a defesa do consumidor.

102 PALTRINIERI, Roberta; ESPOSTI, Piergiorgio Degli. Processes of inclusion and exclusion in

the sphere of Prosumerism. Future Internet, v. 5, n. 1, p. 21-33, 2013. Disponível em: <http://www.mdpi.com/1999-5903/5/1/21/htm>. Acesso em: 23 set. 2015.

Tradução livre: “Ser um prosumer hoje significa não só estar envolvido no processo de produção e de consumo, mas também, e mais importante, ter um papel e função cívicos resultante das oportunidades que as tecnologias digitais e ampliada realidade proveem”. 

103 “[…] a confiança é também um valor fundamental do negócio jurídico, mas que não tem a sua

gênese a partir do sistema legal. É gerada pelas partes” (LISBOA, Roberto Senise. Confiança contratual. São Paulo: Atlas, 2012).