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2 PROTEÇÃO DE DADOS NA NOVA ECONOMIA E AMBIENTE DA

2.3 Buscadores e o direito de escolha do usuário/consumidor

2.3.2 A poder de escolha do consumidor

A teoria econômica clássica considerava o consumidor como a parte mais forte da relação, tendo, este, o domínio sobre o que queria comprar, sendo certo que o fornecedor, a fim de mostrar eficiência e garantir seu espaço no mercado, deveria prover. No entanto, verificou-se com o tempo e as inovações do mercado que esta teoria não subsistiu perante a produção em massa e as práticas antitrustes, como os cartéis e monopólios.

Assim, restou claro que estas inovações e crescimento do mercado geraram uma desigualdade na relação consumerista em desfavor do consumidor, passando, este, a necessitar de proteção sob diversos enfoques, inclusive, por meio da garantia da concorrência.

Nesse sentido, é o posicionamento de Fábio Konder Comparato, o qual ao fazer uma rápida digressão desde a teoria econômica clássica até os dias de hoje nos esclarece que:

A ideia de uma sistemática proteção do consumidor, nas relações de mercado, é sem dúvida estranha à teoria econômica clássica. Esta partia, com efeito, da noção de necessidade econômica individual, imaginando que ela se exprimisse livremente no mundo das trocas, como imposição da própria natureza, e como elemento formador da demanda global à qual adaptar-se-ia, ex post factum, a oferta global. Nesta concepção, não cabe, pois falar em proteção do consumidor, pois entende-se que é este, afinal de contas, quem dita as leis do mercado. Toda discussão cinge-se ao aspecto da capacidade econômica de consumo, ou seja a aptidão do consumidor a pagar o preço dos bens e serviço de que necessita. Os primeiros críticos do sistema capitalista logo sublinharam o fato de que a adaptação da oferta global unicamente à demanda solvável não traduz na prática, a satisfação das necessidades do consumidor, que a análise econômica sempre apresentou como premissa maior do seu raciocínio, mas a crítica não alterava, fundamentalmente, os dados do problema. Admitindo-se, por hipótese, que todos os consumidores tivessem capacidade econômica para pagar os bens e serviços de que necessitassem instaurar-se-ia a plena vigência do regime do “consumidor-rei”. Perante a livre decisão deste deveriam curvar-se todos os produtores, sob pena de falência.

Hoje, os economistas reconhecem que a realidade primária, a ser levada em consideração, na análise do mercado, não são as

necessidades individuais dos consumidores e sim o poder econômico dos organismos produtores, públicos ou privados104.

Pelo excerto acima, verifica-se que antes da produção em massa, o comércio era voltado às necessidades dos indivíduos, de modo que, os fornecedores se curvavam diante da capacidade econômica do consumidor, o que de certa forma empoderava o consumidor, dando a este domínio e escolha sobre os produtos e serviços, bem como ao preço a ser pago por estes.

Todavia, com a revolução industrial e produção em massa, a ideia do “consumidor-rei” sucumbiu ao poder econômico dos organismos produtores. A revolução industrial acabou por criar na sociedade um conflito complexo, instaurado pela dualidade: consumidores e produtores.

De um lado, os produtores que, por terem alcançado relevante poder econômico com a produção em massa, passaram a controlar os bens de produção e a sua demanda no mercado de consumo; e, de outro, os consumidores, que por não disporem de controle sobre os bens de produção passaram a se sujeitar, a se submeter ao poder dos produtores.

É nesse contexto que a tutela do consumidor, também como parte desta, a tutela da concorrência, tornou-se relevante a fim de coibir os abusos de poder do mercado, de forma a manter um mercado saudável e eficiente aos consumidores, bem como de garantir a possibilidade de escolha do consumidor.

Com o advento da tecnologia digital e da Internet, no entanto, como outrora ressaltado, esta linha que separa os consumidores dos produtores já não se mostra mais tão clara como era à época da revolução industrial, tendo o consumidor passado a influir na produção e na prestação de serviços como não fazia antes, sendo assim denominado de prosumer. Estas mudanças alteraram de forma significativa as regras do mercado, que se baseava na separação clara e evidente entre consumidor e produtor, bem como influiu no poder de escolha do consumidor, prosumer.

104 COMPARATO, Fábio Konder. A proteção do consumidor. Importante capítulo do direito

Uma das importantes mudanças trazidas por este novo tipo de mercado é a forma com que este é, ao mesmo tempo, subsidiado e construído pelo compartilhamento de dados dos prosumers, individualmente considerados, e da inteligência coletiva formada por estes.

Diante desta nova realidade, por um lado surge a necessidade evidente de se proteger a privacidade do prosumer, o qual compartilha dados de modo a obter serviços mais eficientes e relevantes a si, de maneira que este tenha conhecimento acerca dos dados captados, da finalidade com que estes foram coletados e possa realizar escolhas acerca do compartilhamento ou não destes dados.

Em relação ao compartilhamento de dados pessoais, vale destacar que a doutrina tem reconhecido não ser ilícito o conhecimento da intimidade de um indivíduo e mesmo a sua divulgação, se a pessoa consentir com tal conhecimento, muitas vezes atrelada a uma finalidade específica, no caso em tela, à prestação de um serviço. Nesse sentido é o entendimento de Paulo José da Costa Jr., a saber:

[…] se alguém tem direito de permanecer recolhido em sua esfera privada, íntima, ou secreta, pode evidentemente tanto sair de seu isolamento, quanto permitir que terceiros tenham acesso até a sua soledade. Semelhante permissão, portanto, não apenas exclui a indiscrição. Integra-a, como elemento essencial.

[…] O consentimento haverá que ser fornecido para um fim determinado. E não poderá vir a ser utilizado, pelas pessoas às quais tenha sido dado, além das limitações exatas em que for expresso105.

E, mais, segundo Paulo José da Costa Jr., entendimento que coadunamos, nada impede que o consentimento dado pelo indivíduo o seja tendo em vistas à uma retribuição, inclusive, econômica, de tal modo que muitas vezes este não seja expresso, mas tácito, a saber:

Nada impede que seja o consentimento obtido mediante retribuição econômica. Mas desde que envolva a dignidade da própria pessoa, repugna mercadejar o seu consentimento.

105 COSTA JR., Paulo José da. O Direito de estar só: tutela penal da intimidade. São Paulo:

[…] Evidentemente, poderá o consentimento ser tácito, e não expresso. Em tal caso, será deduzido do comportamento daquele que tiver a disponibilidade do direito. Com a necessária prudência, porém, dever-se-á fazer a interpretativo voluntatis106.

Assim, surge a escolha do consumidor em compartilhar ou não seus dados, a fim de obter certa prestação de serviços, que poderá ser otimizada a depender necessariamente desta escolha.

Surge, ainda, o empoderamento do consumidor, prosumer, que por meio deste compartilhamento de dados e de sua atuação na Internet poderá rechaçar serviços ineficientes e não interessantes, auxiliando no aperfeiçoamento da Internet e na concorrência entre as empresas que prestam serviços neste meio. Sendo assim, o consumidor digital por meio de suas manifestações e escolhas poderá selecionar os players que permanecerão no mercado digital.

Cumpre ainda destacar que compartilhamos da opinião de que o poder de escolha do consumidor é relevante a ponto sim de moldar à Internet, sendo a nosso ver equivocada a ideia de que o consumidor digital tem os seus interesses moldados pelos fornecedores da web. Isso, pois, como já se bem delineou, estes levam em conta as escolhas e interesses do consumidor a fim de melhor dirigir- lhes conteúdo e serviços, e não o contrário.

Os fornecedores da web não possuem interesse em veicular anúncios ou dirigir conteúdos, ao consumidor, que não lhes sejam relevantes, visto que este tipo de conduta demonstraria um serviço ruim e ineficiente de sua parte, tendo os esforços envidados sido em vão.

Além do que não se pode olvidar a capacidade do consumidor em direcionar a própria busca dos conteúdos, produtos e serviços que lhes sejam relevantes, há de se ressaltar que quem direciona a navegação da web é o próprio consumidor, este quem digita os endereços da web e realiza buscas de acordo com seus interesses. De modo que a opinião de que os consumidores não possuem

106 COSTA JR., Paulo José da. O Direito de estar só: tutela penal da intimidade. São Paulo:

qualquer autonomia na Internet e são moldados pelos fornecedores, parece-nos um tanto quanto extremada.

Dessa maneira, entendemos que em razão de o consumidor possuir ativa participação na construção da web, este revela, em suas escolhas, certo poder perante o mercado. Todavia, por outro lado, este empoderamento surge por meio do compartilhamento de dados que gera outra necessidade de tutela deste consumidor, a tutela de sua privacidade frente aos dados que foram compartilhados.

Por isso, consideramos ser de suma importância que esta tutela de proteção de dados do consumidor digital seja efetiva e esteja em consonância com o direito à informação, de forma que o consumidor, ao conhecer o tratamento a ser concedido aos seus dados, possa fazer suas escolhas de maneira consciente e contribuir livremente para o aperfeiçoamento dos serviços prestados na Internet. Nesse sentido, ressalta Fábio Henrique Podestá que:

Entendemos então que todas as informações pessoais que são usadas e como são usadas na rede devem ser objeto de práticas claras mostrando como cada provedor ou ‘site’ delas se utilizam e, bem assim, conferindo ao usuário a opção de impedir; ou não, o uso e conhecimento alheio107.