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O conceito de cardiopatia grave engloba tanto doenças cardíacas crônicas, como agudas. Nesta pesquisa optou-se por classificar os pacientes por sua classe funcional da New York Heart Association (NYHA da American Heart Association). Tal classificação proporciona um meio simples de distribuir a extensão da insuficiência cardíaca, categorizando-se os pacientes em uma de quatro categorias baseadas no grau de limitação da atividade física.

a) Classe Funcional I: pacientes portadores de doença cardíaca sem limitação da atividade física. A atividade física normal não provoca sintomas de fadiga acentuada, nem palpitações, nem dispnéias, nem angina de peito, nem sinais e sintomas de baixo fluxo cerebral; classificar

leve limitação da atividade física. Esses pacientes sentem-se bem em repouso, porém os grandes esforços provocam fadiga, dispneia, palpitações e angina de peito;

c) Classe Funcional III: pacientes portadores de doença cardíaca com nítida limitação da atividade física. Esses pacientes sentem-se bem em repouso, embora acusem fadiga, dispneia, palpitações ou angina de peito, quando efetuam pequenos esforços;

d) Classe Funcional IV: pacientes portadores de doença cardíaca que os impossibilita de qualquer atividade física. Esses pacientes, mesmo em repouso, apresentam dispneia, palpitações, fadiga ou angina de peito.

A limitação da capacidade física e funcional é definida, habitualmente, pela presença de uma ou mais das seguintes síndromes: insuficiência cardíaca, insuficiência coronariana, arritmias complexas e hipoxemia, além de manifestações de baixo débito cerebral, enfim, secundárias a uma cardiopatia. Nesta investigação, a Classe Funcional da cardiopatia foi a seara por onde se estudou a gravidade da doença e seus aspectos emocionais.

3 O CORAÇÃO: SEU SIMBOLISMO

Na prática clínica, ao conversar com a família dos pacientes internados, percebe-se a força simbólica presente neste órgão do corpo humano. Foi comum encontrar, verbalizado no discurso frases como: “Logo o coração”, “Tinha que ser o coração”?

Cabe lembrar que o coração é um dos órgãos principais do corpo humano, ele é visto pelo senso comum como o local das emoções. As expressões “ele ficou com o coração apertado” e “ela roubou meu coração” simbolizam o amor, representam bom sentimento: “ele tem um grande coração”. Tais ideias são arquetípicas4, universais, cuja simbologia turva a compreensão das doenças que afetam o coração, bloqueia o racional e impede que as informações da equipe médica sejam assimiladas pelos envolvidos na situação.

Frente à necessidade de cirurgia neste órgão, a tensão aumenta. O momento é acompanhado invariavelmente por um alto grau de ansiedade por parte da família. A cirurgia tem por objetivo a restauração de um órgão mitificado como o mais valioso do corpo, o grande tesouro, com uma forte carga simbólica ligada à vida/morte. Ao estudar o simbolismo do coração percebe-se a sua força, a sua presença em várias culturas desde os tempos mais remotos. Vale lembrar que no Antigo Testamento encontram-se citações que falam do coração de maneiras diversas: como lugar da mente e da vida intelectual, como sede dos sentimentos e como centro da vida moral e religiosa. A pureza do coração é meta, a conscientização da presença divina no coração substitui a lei externa (RAMOS, 1990). No Cristianismo o símbolo do coração aparece com grande destaque. Nele Deus marca seus homens, seus mandamentos são impressos.

Ramos (1990, p.107) aponta para o papel do coração na estruturação da consciência. A autora aponta: “[...] as pulsações cardíacas do embrião são a primeira função que o ser humano realiza independentemente de sua mãe [...] o funcionamento do coração dá ao ser humano o primeiro sinal de autonomia, à

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Arquetípica: relativa ao arquétipo. Arquétipo para Jung são fatores e motivos que ordenam os elementos psíquicos em determinadas imagens, caracterizadas como arquetípicos, mas de tal modo que podem ser reconhecidas somente pelos efeitos que produzem (SHARP, 1991, p.29).

medida que nele começa a existir um limite funcional entre o feto e a mãe”.

A autora mostra ainda: “A vida é pulsação, movimento, sentidos primeiramente no coração e depois na respiração. O coração, assim, desde o início da vida tem uma posição única no desenvolvimento da consciência; provavelmente, nele se concentram as primeiras sensações corporais” (RAMOS, 1990, p.108). Gaiarsa (1987) sinaliza para a possibilidade de o embrião “sentir” os seus batimentos cardíacos por serem eles fortes e violentos. Este fato é de enorme importância caso se pensar que, no início da vida, o bebê se relacionará com o outro por meio do corpo. Nas crianças da pesquisa este corpo é um corpo imperfeito.

O sistema cardiovascular está ligado aos comportamentos primordiais dos seres humanos relativos a sua sobrevivência. Ramos (1995) diz que toda a emoção provoca um movimento no organismo. O corpo precisa se preparar para um comportamento de luta ou de fuga. Esses padrões de comportamento estão relacionados aos sentimentos de raiva e de medo. Quando se sente ameaçado, o corpo se prepara para lutar ou fugir. O organismo precisará de um suporte maior do coração, que acelerará e então aperfeiçoará a resposta do corpo. Essa preparação acontece tanto em nível fisiológico quanto psicológico. Ramos (1990, p.109) esclarece: “Se no campo fisiológico houver uma alteração no ritmo circulatório e pulmonar, entre outros, na psique pode haver a sensação de medo e/ou raiva. Sensações essas sincronicamente sentidas [...]”.

Tal fato pode ser comprovado em um discurso materno ouvido na hora em que o filho estava em cirurgia: “Eu estava me achando muito calma, tranquila mesmo. De repente comecei a perceber como o meu coração estava rápido. Meu Deus!!!! Eu percebi que estou morrendo de medo!! (choro) (sic).

O ritmo cardíaco fez com que essa mãe reconhecesse os seus verdadeiros sentimentos, as suas emoções. Como “a função cardiorrespiratória é muito rápida em suas variação funcionais [...] o primeiro sinal de emoção vai ser sempre percebido conjuntamente com a variação no ritmo cardíaco e respiratório” (GAIARSA, 1987, p.265).

O autor ressalta ainda:

parecer incrível que a gente não o sinta, dado o seu volume, sua força e sua rapidez (de pulsação). Mas esta insensibilidade usual é facilmente desfeita pela emoção, cujo primeiro sinal é, certamente, uma mudança na frequência ou no volume cardíaco - e aí ele se faz perceber, e assusta (GAIARSA, 1987. p.260).

Esta alteração no sistema cardiorrespiratório é considerada normal e adequada quando após a resolução acontecer o organismo retorna a homeostase. O medo e a raiva, entre outros fatores podem fazer com que não ocorra esse relaxamento. Causando estresse ao organismo (RAMOS, 1990). Nessa mesma seara, a autora relata que no desenvolvimento da personalidade o medo é entendido como uma reação natural e saudável de defesa frente a situações perigosas, podendo se tornar inadequado em situações de perigo real ou imaginário em um desenvolvimento anormal. Talvez seja causado por um sentimento de insegurança básico.

Fordham explica:

A mãe ajudará o bebê a desenvolver o ego e, desse modo, sua capacidade de distinguir as fantasias da realidade. Cuidando com carinho e empatia do filho, a mãe cria a base para sensação de confiança da qual nasce a noção de identidade individual do bebê. Esse cuidado está ao alcance de qualquer mãe, contanto que ela conte com o apoio do ambiente e não sofra interferências (FORDHAM, 2001, p.106).

O bebê se acalma quando aninhado ao peito materno. Pode-se inferir que, ouvir aquele som familiar, o remeta à antiga unidade vivida na relação primal, trazendo, dessa maneira, o sentimento de tranquilidade. E Salk, Sieratzki, Woll (1996) esclarecem que os bebês aconchegados no lado esquerdo do corpo se acalmam mais facilmente. Quando a criança relaxa o seu ritmo cardíaco volta ao normal; logo, sentimentos como amor e carinho são associados ao ritmo tranquilo do coração, da mesma forma que o medo e a insegurança se ligam aos batimentos acelerados. Ramos ainda aponta para a solidão que também está ligada ao bater acelerado do órgão.

O coração passa a ser a representação do próprio self maternal à medida que a ele se associam: amor e segurança, quando o ritmo e normal; e abandono, medo raiva e solidão, quando este ritmo está alterado. Com o aumento do sentimento de abandono e medo mais o ritmo do coração se altera (RAMOS, 1990 p.111).

No dia a dia do hospital, encontram-se familiares ajoelhados aos pés da imagem do Sagrado Coração. Os pais relatam entregar a Deus o coração de seu filho. Estar perto do coração de Jesus é como estar aconchegada naquele peito que traz segurança e calma. A oração diz: “Dai-nos um coração forte para lutar e grande para amar.” É isso o que os pais pedem e buscam. O coração de Jesus vai tomar lugar daquele da relação primal, auxiliando a manutenção do eixo ego-self em um momento tão delicado.

No discurso dos pais encontram-se relatos que mostram sinais da relação entre pais e seus filhos: “É muito difícil dormir com ele na UTI, eu vou prá cama e o meu coração bate tão forte, mas tão forte e alto que parece que vou acordar todo mundo. O meu peito parece gelado. Só o meu bebê pode me esquentar”. Ainda: “cada vez que o médico entra aqui o meu coração parece que para e logo depois ele dispara. Parece que vai sair pela boca eu fico com medo que ele pare de vez." (sic).

A Mãe de um bebê portador de cardiopatia complexa internado há quatro meses (desde o seu nascimento) conta como foi passar o Natal em casa sem o bebê que permaneceu na UTI: “Sabe, eu me senti vazia, gelada, oca. Isso não é justo!! Eu estava com os meus filhos, mas deixei o meu coração aqui. No meu peito nada batia. Eu não ouvia som nenhum, parecia que eu estava morta. Isso é injusto!!! Quando eu fui pra cama, no escuro, ele começou a bater, alto, muito alto; mas eu continuava morta. Só revivi aqui. Ele não pode morrer. Eu estou com muito medo!!!” (A. N. S. mãe do paciente H. N. S. de quatro meses).

Ramos (1990) mostra que, na passagem para a vida adulta, o coração passa a ser associado ao Amor. No caso dos adolescentes atendidos, nota-se o medo de não ser amado ou ainda de não poder conseguir amar. "Meu coração não está mais inteiro, falta uma parte. Meu sangue mistura." (sic)

O ritmo cardíaco que, como visto, descortina as emoções, quando descontrolado, causa ansiedade e medo: "(eu) estou sempre em estado de alerta, de uma hora prá outro ele dispara e eu nem sei por quê. "O corpo está sempre em estado de alerta o que causa estresse:

poderíamos dizer que o ego, ao não dar passagem aos conteúdos inconscientes, aumenta a tensão interna, gerando angústias e ansiedades. Quando esses conteúdos estão associados a conflitos amorosos, por exemplo, o resultado pode ser uma sensação de disritmia e desarmonia amorosa. O coração doente expressa tanto a dissociação do ego com seu centro amoroso como a necessidade de religá-lo ao Self, para que a harmonia possa retornar (RAMOS, 1990, p. 129-130).

Outro ponto interessante no desenvolvimento da consciência relacionado ao coração diz respeito ao Transplante Cardíaco. A troca do órgão nobre, da morada de Deus no corpo, traz consigo o temor de sentir-se vazio, oco. "Quem eu vou ser depois do transplante?". Ramos (1990 p.131) analisa a importância de uma "intensa e profunda psicoprofilaxia" dos pacientes candidatos a um transplante cardíaco. Vale destacar que, no caso de transplante infantil, a família deve passar pelo mesmo processo.

Cada batimento cardíaco lembra a nossa fragilidade e sensibilidade e nos liga a padrões básicos da condição humana. Na nossa era e na nossa cultura, talvez este símbolo expresse a necessidade de retornarmos à ligação com a Grande Mãe, com o nosso mundo afetivo, com o Amor e com o conhecimento direto, não-intelectual. Talvez sua manifestação dolorosa e doentia seja a expressão de uma dissociação entre o desenvolvimento científico, político e tecnológico e nosso centro amoroso: o coração (RAMOS, 1990, p. 125).

Com efeito, as crenças, as fantasias, os medos têm papel fundamental para o pós-operatório imediato e tardio.

4 ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO: DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

Para se entender o processo de desenvolvimento da criança, será necessário estudar, primeiramente, a relação mãe-bebê.

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