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2. O bullying como um tipo de violência na escola

2.1 Conceituando o fenômeno

Do ponto de vista conceitual, o termo bullying refere-se às relações interpessoais nas quais há condutas abusivas recorrentes entre pares, em âmbito escolar ou não, num contexto no qual não haja hierarquia de poder instituído, embora haja relações de poder desequilibradas entre iguais, envolvendo agressão verbal e/ou física de autor(es) (aquele que pratica a ação, para intimidar) contra seu(s) alvo(s)( aquele que sofre a ação).

Essa palavra inglesa é derivada do termo to bully, definindo ação consciente e deliberada de maltratar uma pessoa e colocá-la sob tensão. Por isso, bullying, com “ing” na sua terminação, vem a ser a prática de um autor ou intimidador, todas as suas ações contra outra(s) pessoa(s). Isso evidencia uma perspectiva relacional e cultural que não aceita reduzir-se a explicação do fenômeno a fatores necessariamente naturais (que seriam típicos da infância e/ou da juventude).

Pioneiro nos estudos sobre bullying, Dan Olweus (1993) conceituou pela primeira vez esta manifestação de violência (pelo que se tornou conhecido como o pai do bullying). Segundo Catini (2004), ao publicar o livro Aggression

in the Schools: bullies and whipping boys, no ano de 1978, Dan Olweus

desencadeou o desenvolvimento de inúmeras pesquisas, sobretudo em países escandinavos.

Ao iniciar os trabalhos sobre o tema, Olweus (1993) buscou, entre outras tarefas, diferenciar o bullying de outros comportamentos violentos. Para realizar essa distinção, o referido autor destaca algumas questões que delimitam o bullying: (1) um comportamento agressivo com intenção de causar dano, (2) repetição da ação violenta por um tempo prolongado, (3) variedade nos comportamentos violentos (bater, xingar, difamar, apelidar etc.), (4) relação de poder simbólico (não hierárquico) desigual que dificulta a reação por parte de quem sofre com a violência.

Posteriormente outros autores também buscaram conceituar o bullying, especificando mais as particularidades do fenômeno, entretanto, sempre levando em consideração a delimitação proposta por Olweus.

No Brasil, segundo Nascimento (2009), os primeiros trabalhos sobre o tema foram construídos pela professora Marta Canfield e seus colaboradores,

também apoiados na mesma metodologia de estudo utilizada por Olweus: aplicação de questionários para uma grande população de alunos, caracterizando o fenômeno a partir da perspectiva do referido autor norueguês.

O mesmo fez Fante (2005), responsável por popularizar as discussões sobre bullying no Brasil. Através de suas pesquisas, a autora manteve o uso do vocábulo em inglês para nomear essa forma específica de violência entre pares, o que também é feito pela maior parte dos pesquisadores brasileiros, e delimitou o bullying como um conjunto de comportamentos agressivos, intencionais e repetitivos, adotado por um ou mais alunos contra outro (s), sem motivação evidente, causando dor, angústia e sofrimento e executadas dentro de uma relação desigual de poder, tornando possível a intimidação da vítima.

Ainda buscando delimitar a conceituação desse fenômeno, Constantini (2004) diferencia o bullying de outras manifestações violentas, caracterizando as especificidades desse fenômeno.

O Bullying não pode ser caracterizado como conflitos normais ou brigas que ocorrem entre estudantes, mas como verdadeiros atos de intimidação preconcebidos, ameaças, que, sistematicamente, com violência física e psicológica, são repetidamente impostos a indivíduos (CONSTANTINI, 2004, p. 69).

A literatura discrimina características peculiares ao bullying que, apesar de não serem sempre de fácil reconhecimento, o diferenciam de outras condutas violentas, ajudando a evitar erros conceituais e generalizações equivocadas. Dessa forma, discriminam-se situações de bullying de outras formas de violência na escola, fazendo-se uso dos critérios que tecnicamente o diferenciam das outras manifestações violentas entre escolares (FISCHER, 2010), tais como a repetição do ato sistematicamente, a falta de motivação evidente e a relação desigual de poder.

Tognetta e Vinha (2010), com o objetivo de explicitar essas particularidades do fenômeno, apresentam cinco distintitvos que diferenciam o bullying de outras formas de violência escolar, as quais serão comentadas a seguir.

A primeira delas é o fato de ser uma violência entre pares. Para que um ato seja nomeado por bullying, torna-se necessário que a ação aconteça entre iguais, não sendo possível a presença de uma hierarquia instituída. Alguns

estudos têm apontado a existência desse tipo de violência de alunos para professores ou vice-versa. Não compreendemos tal possibilidade, por acreditarmos que a vitimação entre iguais traz elementos psicológicos diferentes daquelas intimidações nas quais as figuras de autoridade apresentam desnível formal de poder, como é caso, por exemplo, do binômio professor-aluno. Além dos elementos psicológicos, há elementos culturais que também diferenciam uma violência horizontal da vertical. O professor na cultura escolar, por exemplo, possui dispositivos de poder que os alunos não possuem, como a possibilidade de retaliar alunos através das notas em provas. Por isso, este estudo concorda com Tognetta e Vinha que, nesse caso, não seria possível chamar as duas formas de violência por bullying.

A segunda característica apontada pelas autoras e explicitada em outros diversos estudos (CONSTANTINI, 2004; FANTE, 2005, NASCIMENTO, 2009; OLWEUS, 1998) é a repetição da ação. Essa característica torna o bullying uma grave modalidade de violência, uma vez que a escola é um local que deve ser frequentado todos os dias e, por isso, os alvos são expostos de forma recorrente aos abusos e humilhações. Tal característica transforma o bullying num tipo de violência que merece destaque, por abalar de forma severa o desenvolvimento emocional dos envolvidos. Sofrer todos os dias gera consequências nefastas, angustiando os alvos da violência por viverem, cotidianamente, à espera de novos ataques.

Além disso, há outro aspecto que faz com que o bullying se torne uma forma de violência bastante perigosa para o desenvolvimento emocional de meninos e meninas. Por ser uma violência recorrente entre pares, ela reduz a possibilidade de identificação do sujeito, fazendo com que meninos e meninas não sejam capazes de construir representações de si com valor, uma vez que é na presença do par e não da autoridade, que nos constituímos enquanto sujeitos.

A terceira característica é a necessária intenção dos autores para praticar a ação violenta. Os estudos têm apontado que as práticas de bullying não são atos violentos esporádicos ou um conflito natural entre pares. O autor da violência, de forma consciente e intencional, escolhe seus alvos e persiste na ação violenta pela intenção de causar-lhes dor.

A quarta característica é a necessária existência de um alvo indefeso, escolhido de forma intencional pelo autor da violência.

Autores de bullying escolhem intencionalmente seus alvos, e estes são exatamente aqueles que por razões psicológicas parecem concordar com a imagem que seus algozes querem fazer dele: as vítimas sentem-se diferentes pela roupa que vestem, maneiras como se relacionam, pelas diferenças físicas ou psicológicas, trejeitos e, principalmente, por sentirem-se pouco seguros com relação ao respeito que nutrem por si mesmos (TOGNETTA E VINHA, 2010, p. 4).

A quinta e última característica é a necessária presença de uma plateia. Não há bullying sem que haja a presença de espectadores durante os ataques ou alunos e alunas que ficarão sabendo o que fizeram os autores da agressão. Os meninos e meninas que assistem a tais violências são considerados o oxigênio que nutre a violência visto que são esses que atribuem valor às condutas violentas praticadas pelos autores.

Além de ter características próprias, o bullying tem preocupado educadores e especialistas educacionais, em função do fato de atingir muitos estabelecimentos escolares, independentemente da geografia, economia ou qualquer outra variável, e representar dano para todos os envolvidos, seja o aluno que o sofre, exerce ou presencia (FERNÁNDEZ, 2005).