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REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

1.2 CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA

Segundo Fernandes et al. (2012), o Brasil tem uma longa história de políticas fundiárias e de manutenção da estrutura fundiária com altos índices de concentração de terra. Para os autores, essa história vem se configurando com o passar dos anos, no século XVI com as capitanias hereditárias e as sesmarias, no século XIX com a Lei de Terras de 1850 e no século XX com a Constituição de 1946, o Estatuto da Terra de 1964 e a Constituição de 1988. Em cada uma dessas épocas foram criadas diversas formas de intervenções governamentais para tratar dos

problemas da concentração fundiária e das formas de uso da terra, contudo, sem nunca os solucionar.

Hoffman (2007) relata que o país chegou ao século XX com uma estrutura fundiária altamente concentrada, visto os antecedentes de apropriação de terras e as insuficiências de políticas públicas operacionalizadas ao longo da história. Essa alta concentração é caracterizada pela coexistência de latifúndios e minifúndios20 no território nacional. Nas palavras do autor, há exceções regionais quanto às correlações existentes entre os processos de colonização instaurados.

As exceções mais destacadas são as áreas onde houve um processo de colonização baseado em propriedades familiares, com imigrantes europeus. Esse sistema de colonização teve relativo sucesso e importância apenas em algumas regiões do Espírito Santo, do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul (HOFFMAN, 2007, p. 188).

Cardim et al. (2000) corroboram com Hoffman (2007) e discutem sobre essa estrutura fundiária extremamente concentrada do país. Esses autores afirmam que apesar dessa concentração, existem especificidades geográficas nas regiões analisadas, tanto no uso, quanto na posse da terra. Outro fator que levou a essa alta concentração é a ausência de informações públicas e de um cadastro consistente que impedem que o Estado brasileiro se aproprie de terras devolutas existentes em todo o território nacional, resultando na ilegalidade e instabilidade jurídica dos imóveis.

Fernandes et al. (2012) também relatam que o Brasil, apesar de ter uma grande extensão e potencial agropecuário, mantém altas desigualdades no seu território. Para os autores, essas desigualdades contribuem na manutenção de uma das estruturas fundiárias mais concentradas do mundo, representada pelo índice de Gini21 de 0,854. Concentração resultante de uma estrutura na qual a maioria das terras está sob comando de grandes corporações nacionais e internacionais. Para Reydon (2014), o índice de Gini da propriedade ainda continua em nível

20 Minifúndios são unidades agropecuários com áreas inferiores a um módulo fiscal, as quais são unidades de produção agropecuária que, dificilmente, garantem o sustento pleno de uma família (IPEA, 2011).

21 O índice de Gini é uma forma de se medir o grau de concentração de renda ou riqueza em uma determinada sociedade. Esse índice varia de “zero” a “um” e quanto mais próximo estiver de “um”, maior será a concentração (IBGE, 2006).

elevado e sem apresentação de queda, como pode ser observado na Tabela 4:

Tabela 4: Estrutura fundiária dos estabelecimentos agropecuários do Brasil

(1975 - 2006).

Item 1975 1985 1995/1996 2006

Número de estabelecimentos (milhões) 5,0 5,7 4,8 5,1 Área total (milhões de hectares) 323,9 369,6 353,6 294

Área média (ha) 64,9 71,7 72,8 67,1 Índice de Gini 0,855 0,859 0,857 0,856 Área dos 50% menores (%) 2,5 2,4 2,3 2,3

Área dos 5% maiores (%) 68,7 69,7 68,8 69,3

Fonte: Adaptado de IBGE (2006) e Reydon (2014).

Reydon (2014) afirma que a elevada concentração de terra no país, além de ser a principal razão da grande desigualdade social e econômica da população rural, tem incidência significativa sobre a pobreza rural, visto a exclusão social dos mais pobres do acesso à terra. Com base nos dados do Censo Agropecuário de 2006 do IBGE, que demonstram a persistência de alta desigualdade na distribuição e posse da terra no Brasil, Hoffman e Ney (2010) afirmam que há ainda uma alta proporção de área agrícola ocupada por estabelecimentos com áreas iguais ou superiores a 100 hectares.

De acordo com o IBGE (2006), 9,6% dos estabelecimentos agrícolas do país ocupam uma área total de 76,8%, enquanto que estabelecimentos com área inferior a 10 hectares representam mais do que 50% dos estabelecimentos e ocupam apenas 2,4% da área total do Brasil. Segundo Hoffman e Ney (2010), os dados mostram a grande desigualdade fundiária do país, o que representa uma das marcas da evolução histórica da economia rural brasileira, presente desde a época colonial até os dias de hoje. Essa desigualdade fundiária elevada é caracterizada pelo fato de haver uma grande proporção da área total ocupada por uma pequena quantidade de estabelecimentos (HOFFMAN, 2007).

Alguns dados demonstram o problema da má distribuição de terras no Brasil e, portanto, da alta concentração fundiária. Do universo de 4.367.902 agricultores familiares registrados no último censo agropecuário, 1.040.022 (24%) não são proprietários, ou seja, quase um quarto da agricultura familiar brasileira se enquadra nas categorias de arrendatários, parceiros, posseiros e produtores sem área. Além disso,

1.840.734 agricultores sobrevivem em estabelecimentos com área média inferior a cinco hectares (CAZELLA; SOTO, 2011). Segundo o IBGE (2006), as categorias de não proprietários representam mais de 20% da totalidade (familiares e não familiares) dos estabelecimentos rurais no Brasil.

Para Cazella e Soto (2011), a questão da concentração fundiária ainda apresenta outros agravantes. Os autores relatam que há um expressivo contingente de agricultores familiares que vivem em pequenas áreas nas condições de não proprietários e que encontram dificuldades para acessar diversos serviços públicos essenciais, bem como políticas de desenvolvimento rural. Dessa forma, esses agricultores se utilizam de contratos precários de arrendamento e parceria de pequenas áreas para o período de uma safra, com uma busca constante por novas áreas para o estabelecimento de suas produções, o que acaba por gerar insegurança na continuidade de suas atividades agropecuárias.

Segundo Pacheco e Pacheco (2010), a reforma da estrutura fundiária sempre foi adiada pelos governantes, e a herança de concentração de terra e de renda ainda está intocada no país como um todo. Para esses autores, a concentração de terras não é um fenômeno novo e remonta a raízes históricas tanto da ocupação, quanto da colonização do território que, por vezes, se basearam no artifício da grilagem de terras. Os autores afirmam que as legislações referentes às questões de acesso e de permanência na terra mostram-se, na maioria das vezes, ineficientes. Contudo, reconhecem que a legislação brasileira, no que concerne à regularização fundiária, tem feito progressos, mas que permanecem barrados por determinados fatores, o que dificulta o êxito dessas iniciativas.

A complexidade da gestão fundiária no Brasil pode ser explicada, em grande parte, pelos inúmeros procedimentos formais constituídos com o intuito de evitar possíveis fraudes ou pelo zelo desproporcional pela proteção dos direitos de propriedade, em detrimento de outros direitos que são fundamentais para a sobrevivência de vários segmentos da sociedade brasileira, o que dificulta toda e qualquer releitura mais social do exercício desses direitos (PACHECO e PACHECO, 2010, p. 263).

Holston (1993) apud Pacheco e Pacheco (2010) expõe que a formalidade excessiva do direito brasileiro aliado ao sistema privado de registro de imóveis, que é complexo e frequentemente corrompido,

contribui com a apropriação desigual de terras, por vezes, beneficiando a concentração fundiária.

Buarque et al. (2012) revelam que outro aspecto da questão fundiária é a limitação do Estado brasileiro na utilização de instrumentos legais, que possam fortalecer a ampliação de uma agricultura que promova o fortalecimento da base familiar com ações de desconcentração fundiária através de mecanismos de desapropriação e regularização de terras. Para Pacheco e Pacheco (2010) é necessário que haja medidas de reelaboração e efetivação de regularização fundiária a fim de evitar que os atos legais beneficiem os grandes proprietários, que são os principais mobilizadores de meios políticos e jurídicos para impedir as alterações na estrutura fundiária do Estado.

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