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PARTE I. QUADRO TEÓRICO DE SUPORTE À ANÁLISE DAS RELAÇÕES ENTRE A

2. Teorias e concepções da avaliação na educação e formação de adultos

2.2. Problemáticas da avaliação na educação e formação de adultos

2.2.1. Concepções da avaliação em educação

A segmentação das finalidades da avaliação, ilustrada no ponto anterior, entre uma avaliação centrada na dimensão dos resultados e uma avaliação preocupada com a

compreensão dos processos no sentido da melhoria das práticas e das organizações, tem uma clara incidência no campo da educação.

Simons (1999) descreve a evolução do pensamento sobre a avaliação, referindo o surgimento nos princípios da década de 1970 de uma nova linguagem da avaliação e novas abordagens mais sociológicas do que psicológicas; refere MacDonald e o seu conceito de avaliação democrática que corresponde à passagem da avaliação “do jogo dos números para o estudo das pessoas, instituições e políticas” (1999, pp. 158 - 159). Na mesma linha de pensamento, Figari (2008, p. 55) refere a evolução da investigação sobre a avaliação:

“… entre uma tendência para avaliar os resultados e uma tendência para avaliar os processos que conduzem aos resultados … que consiste em atribuir uma maior importância à interacção humana e social na procura da compreensão dos fenómenos que constituem a vida da escola e ao papel da avaliação na melhoria das práticas educativas que conduzem a mais eficácia”.

As teses desenvolvidas por este autor merecem uma análise mais detalhada. Assim, na sua perspectiva assiste-se a uma fragmentação do pensamento da avaliação em educação, que reflecte um problema mais geral que respeita à evolução das próprias ciências humanas e sociais, à dispersão das suas disciplinas e a uma certa tendência de “confiscação” do campo da avaliação (Figari, 2007).

Em qualquer caso, o autor defende que é possível identificar um conjunto de paradigmas fundadores da avaliação em educação. Estes paradigmas não correspondem a períodos históricos estanques mas antes a uma sucessão de trabalhos de autores individuais, alguns ainda com visibilidade: “... ainda hoje, coexistem práticas de avaliação que provêm de paradigmas ou de concepções de que já se falava em 1960” (2007, p. 228).

Num exercício de sistematização dos principais marcos da evolução das teorias e concepções da avaliação em educação, Figari (2007, p. 238) refere que nos finais da década de 1990 constatava-se uma certa estabilização da dispersão das concepções e conceitos relacionados com a avaliação em educação:

“... encontrámo-nos nos finais dos anos noventa, face a uma investigação sobre a avaliação em educação, que dispunha de um conjunto de trabalhos de referência, de dispositivos institucionais e profissionais ... que nos proporcionou um campo específico de saberes sobre este tema, coerente embora diversificado”.

Entre estas concepções Figari refere a categorização da avaliação da educação a partir de conceitos como a avaliação formativa, sumativa, diagnóstica e certificativa, ou com base na lógica dos eixos opostos “quantitativo/ qualitativo”, “resultado/ processo”, “externo/interno” e “objecto/ sujeito”. Na mesma linha da conceptualização da avaliação em

educação o autor refere as tipologias desenvolvidas pela dupla de investigadores Jean- Jacques Bonniol e Michel Vial e por Pedro Rodrigues.

Os investigadores Bonniol e Vial apresentam três modelos de avaliação distintos: - a avaliação como “medida”, centrada no produto, a avaliação como gestão, orientada para os procedimentos e a avaliação como “problemática de sentido” (Bonniol e Vial, 2001).

Esta última perspectiva – a avaliação como “problemática de sentido” – assume uma forte relação com o paradigma dialéctico ou crítico e segundo os autores responde melhor aos desafios e complexidade da avaliação, na medida em que se insere numa lógica de questionamento de si própria como actividade e como linha de investigação, assentando numa perspectiva de produção de sentidos e de processos participativos, que, portanto, se afasta da avaliação como controlo.

A obra de Pedro Rodrigues aborda esta questão através de três paradigmas da avaliação: objectivista ou técnico, subjectivista ou prático e dialéctico ou crítico (Rodrigues, 2002). O primeiro, caracteriza-se pela noção de controlo externo, de conhecimento objectivo e neutralidade e o avaliado é tratado como objecto. O segundo, aponta para uma avaliação com uma função de auto-regulação, participativa, com recurso a compromissos, em que o avaliador é visto como um mediador e o avaliado assume importância como sujeito participante. O terceiro apela a um conhecimento científico desenvolvido através da dialéctica entre o sujeito e a realidade em que o avaliado assume o duplo papel de sujeito e objecto da avaliação.

Retomando a tese de Figari quanto aos principais marcos da evolução das teorias e concepções da avaliação em educação, estas diferentes conceptualizações embora diversificadas asseguravam coerência e inteligibilidade ao campo da avaliação em educação, contudo o alargamento do interesse pelas questões da avaliação em educação a outras disciplinas coloca problemas novos. De facto, o envolvimento na avaliação da educação de disciplinas como a sociologia, a economia, a psicologia social, ou a comunicação tem como consequência o aumento da dispersão conceptual, na medida em que cada uma delas trata as problemáticas da avaliação da educação de uma maneira isolada, a partir dos seus próprios paradigmas internos.

A presença crescente destas disciplinas das ciências humanas e sociais na avaliação da educação leva o autor a questionar se não estamos perante o fim de paradigmas da avaliação da educação e o advento dos paradigmas disciplinares aplicados à avaliação. Nesta linha é referida a ideia de “confiscação” da avaliação pelas ciências humanas e sociais e a sua tese prossegue com a abordagem da dispersão destas ciências, a sua

relação com a crise nas ciências da educação e as consequências inevitáveis na forma como a avaliação é teorizada: “o lugar da avaliação tem de ser visto à luz do pensamento disperso que está a ser vivido nas ciências humanas e sociais” (Figari, 2007, p.247).

Em síntese, o autor conclui que o estatuto epistemológico da avaliação, que é marcado por uma certa desestruturação, está necessariamente associado à dispersão dos campos da investigação das ciências humanas e sociais e das próprias ciências da educação, a que se associa a ausência de modelos unificadores. Contudo, numa lógica prospectiva defende que ainda há espaço para teorizar a avaliação em educação, e por isso apresenta um exercício de “reconstrução de um espaço paradigmático que se abra para a investigação sobre a avaliação” relacionado com as aprendizagens não formais e informais e com a “validação da experiência” (2006, p.248).

A figura seguinte sistematiza os principais marcos da evolução das teorias e concepções sobre a avaliação referenciados por Figari (2006).

Figura 2. Evolução das teorias e concepções sobre avaliação em educação segundo Figari (2006)

Ao nível da produção teórica importa referenciar que é crescente o movimento de questionamento das concepções de avaliação centradas na medição, no julgamento, na gestão e suporte à decisão sem prever uma participação maximizada dos avaliados e de outros stakeholders e uma ideia de complexidade e de contextualização dos objectos:

originam conceptualizações várias/ década de 1990

Paradigmas fundamentais Paradigmas inovadores A avaliação e a medida A avaliação por objectivos A pregnância acrescida do cognitivismo (avaliação formativa) O contributo das TIC Décadas 1960/ 1980 Tipos de avaliação:

- Avaliação formativa; avaliação diagnóstica; avaliação sumativa; avaliação certificativa; Abordagem dos eixos opostos:

- Controlo/ avaliação; quantitativo/ qualitativo; resultado/ processo; externo/ interno; objecto/ sujeito; prescrição/ descrição; …

Outras tipologias:

- Tese de Rodrigues (1998/2002): paradigma objectivista, paradigma subjectivista, paradigma dialéctico;

- Tese de Bonniol e Vial (1997): modelo de avaliação “medida”, “gestão” e “problemática de sentido”;

Finais da década de 1990…

Dispersão dos campos de investigação das ciências sociais e humanas Dispersão dos campos de investigação das ciências da educação

Contribuições da sociologia, da psicologia social, da economia para a avaliação da educação/ advento do paradigma disciplinar aplicado à avaliação

“A avaliação deixou de servir para julgar, ou para provar o que quer que seja. Ela serve, sim, para actuar e, neste sentido, encontra-se intimamente articulada com o processo decisional” (Nóvoa, 1999, p. 9).

Neste sentido, a avaliação é entendida como uma prática social, um processo dinâmico, um apoio à decisão. A sua redução a uma dimensão meramente técnica é um dos riscos da condução dos processos de avaliação, como se comprova pelo exemplo da avaliação dos professores em Portugal:

“A avaliação, se reduzida a uma dimensão técnica, escamoteará visões, interesses e expectativas de cariz político, social e económico. Aos avaliadores pede-se, actualmente, modos de actuar menos ‘burocráticos’, para se abrirem a posturas dialógicas … a compreender os processos desencadeados a partir de contributos significativos de vários campos disciplinares” (Alves & Machado, 2008, p.10.).

Esta tendência de pensamento relativa à finalidade da avaliação na educação e naturalmente na educação e formação de adultos está também presente nos referenciais disponíveis para a avaliação no contexto da União Europeia. De facto, na Europa a perspectiva da avaliação como agente de mudança parece estar institucionalizada a julgar pela definição de avaliação veiculada pelo CEDEFOP8, que procura fazer a integração da avaliação sumativa e da avaliação formativa:

“A avaliação é a investigação sistemática para determinar o significado, valor ou mérito de um programa, medida ou política através de cuidadosos meios de juízo e estudo, baseados em investigação social, métodos e critérios, standards e indicadores relevantes (avaliação de impacto ou sumativa). Avaliação é ao mesmo tempo um processo incremental que ilumina e esclarece processos e práticas para os seus stakeholders, contribui para a aprendizagem colectiva, reduz incerteza na tomada de decisão e ajuda a melhorar o desenho e a implementação dos programas e/ou iniciativas futuras relacionadas (avaliação de processo/ formativa)” (CEDEFOP, 2005, p. 10).

Pode-se concluir, que quer a investigação quer a orientação política, embora com matizes, consideram que a finalidade da avaliação na educação/ formação está para além da apreciação dos seus resultados, mas a investigação também acentua a ideia que as teorias da avaliação estão mais avançadas do que as práticas que são efectivamente implementadas. A este propósito refira-se as avaliações de tipo participativo, dialógico e emancipatório em que os adultos são entendidos como sujeitos (e não objectos) da

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O CEDEFOP, Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação é o centro de referência da União Europeia para a educação vocacional e formação. Disponibiliza informação e análise relativa aos sistemas de educação vocacional e de

avaliação, que apesar de muito reclamadas pelas correntes críticas da educação e formação de adultos, se revelam de difícil operacionalização.

A avaliação designada de Empowerment Evaluation corresponde a uma destas abordagens. Um dos seus autores de referência (Fetterman, 2007), ao confrontar este tipo de avaliação com a avaliação tradicional apresenta eixos de acção muito distintos:

- avaliação interna vs. avaliação externa; coach e amigo crítico vs. especialista; auto- determinação e criação de capacidades vs. dependência; colaboração vs. julgamento independente.

Esta abordagem baseia-se num conjunto de princípios orientadores da acção, designadamente:

- melhoria, apropriação pela comunidade, inclusão, participação democrática, justiça social, comunidade de conhecimento, estratégia baseada em evidências, aprendizagem organizacional e prestação de contas.

As problemáticas mais gerais associadas à avaliação formativa são também um exemplo das dificuldades de operacionalização de metodologias de avaliação mais comprometidas com o desenvolvimento e a autonomia dos adultos.

Numa perspectiva de síntese desta secção, e tomando em consideração as abordagens dos diferentes autores referidos, propõe-se a constituição de três grandes grupos de concepções de avaliação em educação:

- Concepções centradas na lógica da “medida”; - Concepções centradas na lógica da “gestão”;

- Concepções centradas na lógica do “desenvolvimento/ empowerment”.

Para a clarificação destas concepções são apresentados os seus principais elementos identitários a partir de três categorias de análise principais – finalidade, lógica da participação e métodos -, considerando-se que a identidade das concepções assenta sobretudo nas duas primeiras, na medida em que os métodos se configuram, pelo menos em algumas dimensões, como elementos comuns aos diferentes grupos.

Tal como foi referido para o exercício similar relativo às concepções de educação e formação de adultos (subcapítulo 2.1.), este tipo de sistematização não é isento de crítica e existe o risco de na tentativa de sistematização se perder a compreensão da complexidade e da diversidade de abordagens e conceitos associados. Mas no plano teórico este exercício configura uma ferramenta útil para o desenvolvimento da investigação.

Tabela 4. Concepções da avaliação da educação Categorias

de análise

Concepções centradas na “medida” dos resultados

Concepções centradas na “gestão” e tomada de decisão Concepções centradas no “desenvolvimento/ empowerment” Finalidade e conceitos associados

- Avaliar é medir; Avaliação ao serviço da performatividade e produtivismo;

- Maximização da lógica de controlo externo e da ideia de objectividade;

- Avaliação sumativa;

- Quantitativo/ generalização dos resultados; - Externalidade;

- Neutralidade;

- Conhecimento objectivo;

- Avaliar é gerir / informar a tomada de decisão;

- Avaliação ao serviço da melhoria da

aprendizagem e do desempenho (individual e colectivo);

- Promoção do auto-controlo/ regulação; - Quantitativo/ qualitativo;

- Avaliação sumativa e avaliação formativa (“medida” com mais qualidade);

- Avaliação diagnóstica; - Avaliação certificativa;

- Eficácia e eficiência da educação/formação;

- Avaliar é compreender e mudar/ transformar;

- Avaliação centrada no processo e na aprendizagem associada

- Empowerment dos avaliados; Ausência

de controlo;

- Complexidade, procura de significados; Meta-avaliação;

- Auto-avaliação; balanço pessoal; - Avaliação formativa, pode incluir a medição mas revista e melhorada - Avaliação diagnóstica;

- Avaliação certificativa; Objecto - Produtos e resultados;

- Quantificar objectivamente um juízo de valor para aferir rentabilidade e eficácia dos

resultados;

- Procedimentos (descrição);

- Avaliar os objectivos definidos; Explicar os resultados

- Processos; Objectos complexos; - Interpretar a realidade;

Métodos

- Predomínio dos métodos quantitativos; - Operações de medição e quantificação; testes, estatística; Critérios, standards, indicadores

- Acção conjunta dos métodos quantitativos e qualitativos;

- Questionários, entrevistas, workshops, estudos de caso;

- Metodologias específicas, p.e. teoria da programação

- Acção conjunta dos métodos quantitativos e qualitativos, ainda que revistos;

- Questionários, entrevistas, workshops, estudos de caso, dinâmicas de grupo;

Lógica da participação

- Heteronomia e assimetria;

- Avaliador: perito que desenvolve instrumentos de medida e fornece resultados mensuráveis; - Avaliado: objecto exterior ao avaliador, com participação nula para não influenciar a

- Partilha do poder entre avaliador e avaliado; - Avaliador: proactivo na relação com o avaliado; cria dispositivos para a melhoria da avaliação e tendencialmente tem estatuto de “superioridade”; - Avaliado: participação

- Comprometimento de todos os intervenientes (avaliador, avaliados e outros stakeholders);

- Avaliado: independência face ao