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PARTE I. QUADRO TEÓRICO DE SUPORTE À ANÁLISE DAS RELAÇÕES ENTRE A

1. Teorias e concepções da educação e formação de adultos

1.4. Nota conclusiva

Apesar do reconhecimento generalizado da centralidade da educação e formação de adultos para o desenvolvimento dos indivíduos e das sociedades, este campo da educação agrega práticas muito distintas. Esta situação reflecte os patamares de desenvolvimento das países e a variedade de concepções de educação e formação de adultos entendimentos,

mas mesmo em sociedades que partilham agendas políticas, como é o caso da União Europeia, a educação e formação de adultos apresenta-se como uma área muito fragmentada.

A dificuldade em estabilizar uma terminologia comum é um indicador importante desta realidade, mas a noção “aprendizagem ao longo da vida” afirma-se actualmente como uma categoria de enquadramento geral das políticas, que apesar de generalização crescente não deixa de ser controversa.

Os defensores acentuam a sua relevância no âmbito de uma educação e formação de adultos que se pretende elemento central da competitividade, do emprego e do desenvolvimento social dos países, de que as políticas da União Europeia são importante paradigma; os críticos sublinham a sua instrumentalização em favor da agenda do desenvolvimento económico e a desvalorização da perspectiva humanista e integradora da educação de adultos.

Adoptando a análise desenvolvida por Sanz Fernández, a educação e formação de adultos desenvolveu-se em torno de três modelos principais: Modelo Receptivo Alfabetizador, Modelo Dialógico Social e Modelo Económico Produtivo.

Este último domina a actualidade e materializa o paradigma dominante da ALV, focado no ensino de competências associadas à participação da população activa no mundo do trabalho e baseado nas lógicas da mercantilização da educação e da perda de relevância do papel do Estado. Como consequência a procura de formação é dominada pelos activos mais qualificados e pela limitação do acesso aos mais desfavorecidos, apesar dos seus baixos níveis educacionais. Aliás, a história da educação e formação de adultos confirma a sua inoperância na resolução dos problemas da educação e formação de base de uma vasta parte da população mundial.

Em função das críticas a estes modelos e ao insucesso da divisão escolarização/ formação profissional, quer a investigação e a literatura, quer as práticas concretas apontam para a necessidade de outras políticas e outros modelos para a educação e formação de adultos. Inspirados pelas orientações da EAEA (Associação Europeia para a Educação de Adultos), é apresentado um modelo que integra dimensões críticas e de transformação e assenta na segmentação da oferta face às necessidades concretas dos adultos, em particular os adultos mais desfavorecidos e mais afastados das oportunidades de educação e formação.

Por isso, trata-se de um modelo que aponta para uma formação de cariz individualizado que prevê diversas configurações (literacia, numeracia, educação escolar, formação profissional, educação para a saúde, cidadania, inclusão social, formação

superior, …), recria os aspectos mais positivos dos modelos vigentes ou em desuso e incorpora tendências recentes do campo educacional, como é o caso do reconhecimento e certificação de competências, a formação modular e os percursos flexíveis, numa perspectiva mais integradora face às problemáticas individuais e colectivas.

No âmbito da EFA o reconhecimento e acreditação das aprendizagens não formais e informais tem ganho protagonismo crescente, mas a ruptura face aos paradigmas educacionais e os riscos de deriva para a lógica da certificação constrangem a sua afirmação. Por outro lado, a ideia nuclear associada a estes processos - reconhecer e certificar competências adquiridas fora dos contextos formais da educação - coloca desafios e dificuldades de ordem diversa (filosófica, científica, pedagógica, metodológica, legal, social ...), que complexificam a sua aplicação prática.

Apesar das “tensões e conflitualidades” referidas por inúmeros autores e da incerteza quanto à evolução deste tipo de processos, que tanto pode pender para sustentar novas e refundadoras práticas educativas como contribuir para a afirmação de políticas educativas ao serviço da economia de mercado, assiste-se a uma forte aposta nesta linha de acção, de que a Comissão Europeia é importante protagonista.

A realidade nacional nesta matéria corresponde a uma resposta muito incisiva a este desiderato. O forte alargamento da intervenção a partir de 2005, coloca Portugal no grupo dos países europeus que apresenta nível mais elevado de desenvolvimento deste tipo de práticas educativas, e o elevado número de adultos envolvidos no programa que materializa essa aposta (INO) em muito contribuirá para esta posição.

O investimento nos processos RVCC, que se transformou na principal linha de EFA em Portugal nos últimos anos, é acompanhada por parte da tutela de uma expectativa de resultados que se revelou excessiva, apesar da relevância dos ganhos aferidos ao nível da mobilização dos adultos e do seu desenvolvimento pessoal, das estratégias de ALV e, naturalmente, do aumento dos níveis de qualificação formal dos participantes.

Esta última dimensão é um dos pontos-chave dos argumentos que contestam a INO, que acentuam as ideias de instrumentalização em favor da certificação e de ausência de uma política integrada de EFA. Mas a polémica não radica apenas nesta ideia de generalização excessiva da formação por via da experiência e da sua inserção predominante “numa perspectiva política orientada para a gestão dos recursos humanos, subordinada ao desenvolvimento económico” (Cavaco, 2009, p. 221).

A profunda ruptura do modelo de formação experiencial face ao modelo de formação escolar está na base de discursos, dos opinion makers e dos cidadãos comuns, que revelam dificuldade em compreender os princípios e as práticas do processo de RVCC e acentuam a

ideia de “facilitismo” e de reduzida exigência quando comparado com o modelo escolar. Trata-se de argumentos que reflectem estranheza e apreensão face a uma mudança radical do paradigma da instituição escolar. Como refere Cavaco (2009, 221), este tipo de questionamentos “surgem, habitualmente, relacionados com um conjunto de discussões que denotam oposições entre a teoria e prática, entre saberes académicos e saberes resultantes da prática, entre modalidades de educação formal e não formal”.

Em 2011, na viragem de um novo ciclo político, a tutela da educação e formação decide um recuo significativo nas orientações da INO e a sua canalização para a lógica da formação profissional, que surge no contexto actual como a orientação instrumental dominante da educação e formação de adultos. Neste caso, a contestação parece estar mais associada à reduzida repercussão no emprego e na empregabilidade dos adultos, acentuando-se por esta via um pendor crítico que radica no insuficiente carácter vocacionalista da INO.

Entretanto, neste cenário de avanços e recuos e de ausência de uma política estruturada e estável de EFA, o problema da educação e formação de base de uma vasta parte da população portuguesa continua por resolver.