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AS CONCEPÇÕES DE CURRÍCULO PRESENTES NO PROJETO DE CURSO DA LICENCIATURA DE GEOGRAFIA DO CEFET–RN

NÚMERO DE PROFESSORES QUE ATUAM NAS LICENCIATURAS DO CEFET-RN E SEU GRAU DE FORMAÇÃO

5 O CURRÍCULO PROPOSTO PARA A LICENCIATURA DE GEOGRAFIA DO CEFET–RN: o foco na prática profissional

5.2 AS CONCEPÇÕES DE CURRÍCULO PRESENTES NO PROJETO DE CURSO DA LICENCIATURA DE GEOGRAFIA DO CEFET–RN

A definição do Currículo da Licenciatura do CEFET–RN ocorreu em meio a diversos e diferentes entendimentos acerca da concepção de um currículo, o que exigiu estudos, debates e uma auto-reflexão das vivências no interior da instituição.Isto representou um processo de crescimento individual e coletivo dos aspectos e concepções que estão presentes num currículo, apesar dos conflitos e das diferentes concepções que coexistiram no processo de implantação do Curso. Concorda-se com Ribeiro (2000, p. 8), quando esta afirma que “as diferentes

posições e concepções, no entanto, longe de representarem um entrave, marcam a dinâmica do processo, uma vez que toda mudança envolve a intenção da ação, a construção de sentidos, a busca de futuro no presente, estabelecendo rupturas para definir um novo rumo, uma nova direção”.

É, portanto, no campo curricular marcado pelas relações de poder que se deve entender o Currículo da Licenciatura de Geografia do CEFET–RN, voltado para a formação inicial de professores, com base nos fundamentos do Currículo por competência, em atendimento às prerrogativas legais do Ministério da Educação.

A concepção de conhecimento, fundamentada nas contribuições de Kant (1804) e Habermas (1989), discutidas no Projeto de Curso da Licenciatura, busca desmistificar a pseudo-objetividade da ciência e a maneira como o sujeito apreende a realidade, apontando as dimensões teórica e prática, que constituem o conhecimento e tendo a reflexão e a ação interativa dos sujeitos e entre os sujeitos como mecanismos para se chegar ao conhecimento dos determinantes da realidade. Nessa perspectiva, o Projeto de Curso é textual:

A prática da reflexão inclui uma auto-análise das condições possíveis para o desenvolvimento das competências do sujeito que conhece, fala e age; uma autocrítica realizada pela consciência que se liberta de uma pseudo-objetividade produzida por ela mesma; e uma autocrítica no nível subjetivo. [...] Na apreensão dessa realidade, o sujeito cognoscente não se limita exclusivamente ao relacionamento com os objetos para conhecê- los ou para agir por meio deles e dominá-los. Habermas define-o como aquele que, ao longo do seu processo de desenvolvimento histórico, é compelido a comunicar-se com os outros sujeitos a respeito do significado de “conhecer objetos” ou “agir através de objetos”, ou ainda, “dominar objetos ou coisas”. Pela liberdade, fundamento da inteligibilidade, o sujeito-consciência pode conhecer o mundo, dar-lhe significado e transformá-lo em uma permanente interação com os objetos e os seus semelhantes (CENTRO..., 2002, p. 10).

A análise dos documentos elaborados para direcionar a implantação do Currículo do Curso de Geografia evidencia uma abordagem do conhecimento que contempla a multirreferencialidade, destacando as proposições da teoria da complexidade e a amplitude do conhecimento, numa perspectiva de totalidade,

interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.

O projeto de curso da Licenciatura em Geografia destaca o pensamento de Morin quanto à interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade. Para esse estudioso, ambas emergem como novas posturas e processos frente ao conhecimento, buscando a conexão entre as diferentes especialidades do conhecimento, a fim de resgatar a compreensão das complexas, múltiplas e amplas relações de que se constitui a realidade. Desse modo, o Projeto de Curso fundamentado nas contribuições também de D’Ambrósio (1998, p.17) destaca que

a fonte primeira de conhecimento é a realidade na qual estamos imersos, o conhecimento é gerado holisticamente, de maneira total, e não a partir de qualquer esquema e estruturação disciplinar. Assim, segundo D’Ambrósio, o enfoque holístico consiste essencialmente numa análise crítica da geração e produção de conhecimento, da sua organização intelectual e social e de sua difusão. [...] A transdisciplinaridade recupera as dimensões para a compreensão do mundo na sua integralidade e a interdisciplinaridade transfere métodos de algumas disciplinas para outros, identificando novos objetos de estudo (CENTRO..., 2002, p. 11-12).

Para Santomé (1998), a interdisciplinaridade é um primeiro passo para se atingir a compreensão da complexidade da realidade, sendo a transdisciplinaridade o nível superior da interdisciplinaridade, da cooperação entre as disciplinas, o ponto em que desaparecem os limites entre as diferentes disciplinas e se constitui um sistema total que ultrapassa o plano das relações e das interações entre tais disciplinas. A interdisciplinaridade não é apenas uma proposta teórica; é um objetivo nunca completamente alcançado, sendo, sobretudo, uma prática que se realiza na prática, na medida que são feitas experiências reais de trabalhos em equipe, e se exercitam suas possibilidades, problemas e limitações. Segundo o autor,

Atualmente em vários campos da ciência surgem progressos para assentar as bases de um novo paradigma menos rígido e mais respeitoso da complexidade que vem sendo detectada na matéria, nos seres vivos e na sociedade. Portanto, além de pesquisas centradas no estudo das propriedades das partes, é preciso realizar trabalhos centrados na análise e compreensão das relações e da interdependência entre as partes. A interligação entre os elementos que integram um sistema, assim como entre os

diferentes sistemas, é uma das características da perspectiva da complexidade (SANTOMÉ, 1988, p.66).

Considerando a complexidade de se implantar um currículo fundamentado na literatura atual, que trata da necessidade de se considerar o conhecimento em rede, marcado pela multirreferencialidade, numa perspectiva sociológica, e ao mesmo tempo tendendo a se adequar aos pressupostos de um currículo funcionalista por competência, orientado pelas atuais Diretrizes Curriculares para a Formação Docente, procurou-se investigar junto aos professores que atuam com o componente Prática Profissional no curso de Licenciatura em Geografia do CEFET–RN, qual a compreensão que têm os mesmos acerca da concepção de currículo em implantação nesse curso.

Assim, dos professores envolvidos na pesquisa, 03 (três) destacaram atributos que caracterizaram o Currículo do Curso na perspectiva funcionalista, enfatizando a organização dos conhecimentos de cunho pedagógico e os específicos da área, presentes na estrutura curricular, com intuito de formar o profissional do ensino para o mercado de trabalho, como demonstram as falas abaixo:

O currículo busca formar o professor profissional, com conhecimentos específicos e com carga horária significativa de conhecimentos pedagógicos de como trabalhar em sala de aula (Professor E).

A meu ver, o currículo de Geografia do CEFET-RN atende às expectativas que um currículo de licenciatura deve ser, pois abrange a área do conhecimento pedagógico e do conhecimento específico, fortalecendo desta forma a formação de um profissional em Geografia capaz de desempenhar seu papel dentro da educação, de forma mais atuante, e comprometido não só com a Geografia como também com a educação (Professor A).

Os professores atribuem um significado ao Currículo voltado para a formação profissional do futuro docente, o que talvez, além das influências das Diretrizes para a Formação, do Ministério de Educação, reflita também a herança cultural de quase um século de atuação do CEFET–RN no ensino profissional. Em relação, ao primeiro aspecto, a pesquisa evidenciou que o Currículo proposto para

a Licenciatura em Geografia dessa Instituição encontra-se fundamentado nas Diretrizes Oficiais de Formação de Professores, conforme abordam os docentes, ao serem questionados sobre a temática. Estes foram unânimes em responder que o projeto de curso seguiu as orientações dessas Diretrizes, a exemplo dos professores, que assim se pronunciaram:

Sim. A estrutura do curso não desconhece as possibilidades de formação abertas pela LDB, flexibilidade das estruturas curriculares e as diretrizes de formação (Professor B).

Sim. O projeto de curso encontra-se de acordo com as diretrizes do MEC porque para aprovação do curso é necessário atender a essas diretrizes (Professor D).

Na sua fala, o professor D denuncia a luta que se dá no campo da definição do Currículo de Formação de Professores, em que há correlação de forças entre as partes envolvidas, direta ou indiretamente, o que implica enxergar as limitações e as possibilidades das instituições formadoras e dos professores, no que diz respeito à definição dos rumos de sua formação.

Com relação ao segundo aspecto – influência da cultura institucional profissionalizante, quase centenária – no significado do Currículo atribuído pelos professores, vale destacar que as mudanças de espaços físicos acontecem rapidamente e de forma simples, enquanto as mudanças na cultura organizacional são lentas e requerem tempo porque implicam valores, concepções de mundo, de hábitos e de atitudes. As primeiras não são não suficientes, se não se considerar a cultura existente. Relativamente a esse aspecto, Teixeira (2002, p. 29) explica que

A mudança vai muito além de modernização, portanto o processo de mudança não pode ser visto separado da cultura existente, uma vez que essa influencia e determina a forma e o grau possível da mudança na organização. Assim, o grande desafio não devem ser as mudanças tecnológicas, mas a mudança das pessoas e da cultura organizacional, renovando valores, pois quanto mais forte a cultura, mais profunda essa influência.

Isso é visível nas discussões sobre a definição da concepção curricular do curso de licenciatura em Geografia, em que se estabeleceu uma tensão entre o

currículo por competência (proposto nas diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores do Ministério da Educação), a forma de organização curricular disciplinar-hegemônica e conseqüentemente, as experiências acumuladas pelos docentes nesse tipo de organização de currículo.

Ainda, analisando a concepção que têm os professores da licenciatura de Geografia acerca do currículo proposto, constata-se que 02 (dois) professores entendem o currículo na perspectiva sociológica, marcado pela multirreferencialidade discutida por Burnham (1993), como alegaram os professores:

No currículo, o conhecimento deixa de ser visto numa perspectiva estática e passa a ser abordado como processo com base nos princípios da inter-relação, interdependências entre os aspectos diversos da educação e da sociedade estratificada, ocorrendo o processo de formação do cidadão e a formação profissional como conseqüência (Professor B).

O currículo integra os princípios da transdisciplinaridade, interdisciplinaridade, integração homem/natureza, cidadão- profissionalização (Professor F).

Nas falas dos professores percebe-se o enfoque sociológico do currículo em que a formação acontece por meio da reflexão acerca do papel da educação em estreita relação com a sociedade e pelas inter-relações de conhecimentos e de pessoas, acarretando o crescimento pessoal e profissional. O currículo nessa perspectiva se propõe a resgatar a compreensão dos fenômenos sociais de forma mais globalizadora, articulando as partes com o todo numa relação de interdependência e complementaridade.

Nessa perspectiva, os 02 (dois) professores enfatizam que o Currículo em estudo contempla os princípios da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade. Segundo Santomé (1998), o termo interdisciplinaridade encontra-se ligado à finalidade de corrigir possíveis erros e à esterilidade acarretada por uma ciência excessivamente compartimentalizada, devido ao forte peso da cultura do Positivismo, com ênfase na precisão, acarretando modelos de metodologia e de ensino e favorecendo a caminhada em direções disciplinares mais reducionistas.

No modelo disciplinar, cada especialidade do saber assume total independência, o que, para o autor, significa um ganho nos níveis de precisão; embora, em geral, ocorra uma perda nas questões de sua relevância. Para esse autor, a “interdisciplinaridade” constitui um mecanismo para a transdisciplinaridade, em que a inter-relação entre os diferentes saberes pode ser o caminho para uma possível compreensão de determinados contextos de complexidade.

Compreende-se, entretanto, que as questões curriculares não se encerram na organização do conhecimento em si, ou em suas múltiplas relações, mas tem estreito vínculo com a organização socioeconômica e política da sociedade, o que implica nas discussões sobre currículo considerar indagações tais como: qual o papel da escola e do conhecimento na sociedade estratificada? Qual o perfil de sujeito que se quer formar, e para quê? Como está organizado o conhecimento, e quem são os que exercem maior poder de decisão na definição das políticas de formação, e consequentemente do currículo prescrito?

Com relação, ainda, a concepção dos professores envolvidos nessa pesquisa acerca do Currículo de Geografia implantado, registra-se que um dos professores não respondeu à questão, o que se pode, inferir-se que tenha sido por falta de compreensão conceitual sobre o Currículo, ou mesmo por haver preferido não se posicionar a respeito.

Acredita-se, que as diferentes concepções de currículo e os posicionamentos dos professores refletem a atualidade da discussão do conceito de campo curricular, na perspectiva abordada por Bourdieu (1997), em que ocorrem forças de lutas para conservar ou transformar a realidade e em que os sujeitos vão sistematizando os conceitos paulatinamente no processo de construção individual e coletivo, nos procedimentos de reorganização institucional e dos conteúdos que lhes são significativos, bem como tomando diferentes posições políticas frente aos processos decisórios.

5.3 A ESTRUTURA DO CURRÍCULO PROPOSTO PARA O CURSO DE