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Capítulo II: Educação, Aprendizagem e Mudança

2. Concepções de Aprendizagem

Actualmente é de consenso entre os mais variados investigadores que a aprendizagem é uma construção pessoal, resultante de um processo experiencial, interior à pessoa, traduzida numa modificação de comportamento relativamente estável (Tavares & Alarcão, 2002). Não resulta apenas da activação de mecanismos cognitivos, mas encontra-se, também, dependente das condições ambientais em que ela se processa.

As concepções de aprendizagem (inseridas numa linha de investigação fenomenográfica) dizem respeito à interpretação e compreensão que os indivíduos fazem do próprio fenómeno da aprendizagem (Marton, 1981). Marton e colaboradores

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(1993) caracterizam a concepção de aprendizagem como a ideia generalizada que os sujeitos têm acerca de algo que advém da sua experiência.

De acordo com Marton (1990, cit. por Grácio, Chaleta & Rosário, 2007) uma concepção é algo que diz respeito à ideia geral que se tem acerca da experiência, englobando dois aspectos dialecticamente ligados: aspecto estrutural (características distinguidas e focadas) e um aspecto referencial (significado global). Assim, uma concepção é “uma forma de se estar consciente de algo, resultando tal consciência de uma relação interna entre sujeito e objecto integrantes de uma unidade (Marton, 1990, cit. por Grácio, et al., 2007, p. 199; Chan, 2011). Deste modo, é estabelecida uma relação entre factores pessoais (cognitivos, afectivos e interpessoais) e factores ambientais (objectivos educativos, conteúdos, métodos, materiais e recursos educacionais), que irão condicionar o processo de aprendizagem (Chan, 2011; Marton & Säljö, 1976; Trigwell & Ashwin, 2006).

Freire (2009) considera as concepções categorias constitutivas de um sistema de disposições, hábitos de pensamento, sistemas de valores e classificações que extrapolam as relações educativas concretas e originam construções colectivas. Deste modo, pensar ou actuar sobre as concepções, ainda que de uma só pessoa, é, na verdade, actuar sobre uma cultura ou sistema.

Por vezes surgem indistintamente os termos crenças, concepções e percepções. De acordo com Pratt (1992, cit. Saroyan, Dagenais & Zhou, 2009), não existe uma diferença nos conceitos de crença e concepção. Trata-se de “modos específicos ligados a um fenómeno, que medeiam as respostas a situações que envolvem o fenómeno em questão, influenciando significativamente a percepção e interpretação de eventos, pessoas e fenómenos do mundo em redor” (p. 581). Também Kember (1997), utiliza indistintamente os termos concepção e percepção.

Já Entwistle, Skinner, Entwistle e Orr (2000) distinguem concepção de crença: o primeiro é mais facilmente acessível e pode ser “construído” conscientemente, possuindo significados pessoais; enquanto que o segundo “deixa-se levar pelas emoções”, estando a um nível mais inconsciente.

No presente estudo, a definição de concepção que adoptaremos é a defendida por Marton e Säljö (1976), uma vez que procuramos conhecer a relação que se estabelece entre os factores idiossincráticos e ambientais na concepção que cada recluso faz da aprendizagem e da delinquência. Ao mesmo tempo, pretendemos averiguar até que ponto esses factores condicionaram as suas práticas delinquentes. Neste trabalho, também adoptamos a ideia apresentada por Akerlind (2008): as alterações que ocorrem nas concepções são o resultado de efeitos de experiências continuadas. Esta última ideia serve para justificar os dois grupos de entrevistados: até que ponto a

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experiência de terem sido previamente presos altera as concepções que os indivíduos têm acerca da aprendizagem e delinquência, em oposição àqueles que estão a passar pela experiência de reclusão pela primeira vez?

As várias investigações identificaram dois tipos principais de concepções de aprendizagem: reprodutiva, superficial ou quantitativa e compreensiva, transformativa ou qualitativa (Chan, 2011; Grácio, 2002; Marton & Säljö, 1976, cit. por Duarte, 2007; Trigwell & Ashwin, 2006). As concepções quantitativas vêem a aprendizagem como um processo de acumulação de informação, de forma que esta seja reproduzida e/ou aplicada. Distintamente, com a concepção qualitativa argumenta-se que a aprendizagem está relacionada com a compreensão e interpretação de significado. Deste modo, Marton (1981,1986) e Säljö (1979) distinguiram cinco concepções de aprendizagem, designadamente (1) “memorização”, (2) “aumento do conhecimento”, (3) “aquisição de factos e procedimentos que podem ser retidos e/ou utilizados na prática”, (4) “significação” e (5) “processo interpretativo que visa compreender a realidade” (Chan, 2011; Duarte, 2007; Pang & Marton, 2005; Sharma, 1996; Tsai, 2009; Trigwell & Ashwin, 2006).

Posteriormente, Marton, Dall‟alba & Beaty (1993) encontraram uma sexta concepção, relacionada com as concepções (4) e (5): “aprendizagem como fenómeno que provoca mudança na pessoa”. Esta concepção prende-se com a construção de novos significados e de compreender a realidade de diversos modos, acabando a pessoa por sofrer mudanças interiores (Sharma, 1996; Chan, 2011). Assim, as concepções (1), (2) e (3), encontram-se associadas ao primeiro tipo de concepções – quantitativas – em que os níveis de compreensão são reduzidos; enquanto que as concepções (4), (5) e (6) se encontram no segundo grupo, concepções qualitativas, em que os níveis de processamento cognitivo são mais elevados (Rosário, Mendes, Grácio, Chaleta, Núñez, González-Pienda, & Hernández-Pina, 2006).

Para além destas concepções, foram também encontradas concepções de aprendizagem como algo abrangente e diversificado e como um processo individualizado, experiencial, interactivo e de ensino (Grácio, 2002; Grácio & Rosário, 2005; Rosário, et al., 2006).

Para Marton (1999, cit. por Pong & Marton, 2005), a aprendizagem é definida como o experienciar algo sob uma nova luz, pelo que não existe aprendizagem sem discernimento, já que aprendizagem significa ser capaz de discernir certos aspectos do fenómeno que anteriormente não tinham sido focados, simultaneamente trazendo a pessoa para um novo nível de consciência.

Tendo presente o que foi explanado acerca da concepção de aprendizagem, incluindo o facto de ser culturalmente influenciado e a categorização que é possível

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realizar tendo como base o sistema de Marton & Säljö (1976), pretende-se averiguar se especificamente nesta população também é possível utilizar o sistema referido e se poderão existir concepções que sejam marcadamente afectadas pelas vivências e pelo contexto em que os indivíduos estavam/estão inseridos.

Diversas investigações demonstraram que as diferentes concepções que um indivíduo apresenta são influenciadas por aspectos contextuais vários, nomeadamente, background educacional e curricular, estando intimamente ligadas ao meio social, cultural e educacional em que o indivíduo está inserido (Duarte, 2007; Sharma, 1996; Tsai, 2009). Deste modo, e de acordo com Ellis, Steed e Applebee (2006), “as concepções são contextualmente dependentes” (p.320). Neste seguimento são várias as investigações que se debruçaram sobre as concepções de aprendizagem de várias culturas, fazendo uma comparação entre estas (Boulton- Lewis et al., 2004; Marton et al., 2005; Wong & Wen, 2001). De acordo com Boulton- Lewis e colaboradores (2004), as crenças culturais e as suas práticas desempenham um papel importante nas concepções que as pessoas desenvolvem, nomeadamente acerca do fenómeno da aprendizagem. No seu estudo sobre as concepções apresentadas por alunos universitários indígenas australianos, chegaram à conclusão que o facto de estes alunos viverem num contexto cultural diferente dos restantes indivíduos australianos poderia influenciar a forma como conceptualizam a aprendizagem, assumindo que esta resulta de “novos olhares em relação à realidade”. Também os estudos de Marton, Wen & Wong (2005) e Wong & Wen (2001) sublinharam as diferenças culturais e a sua influência nas concepções de aprendizagem: a “superioridade” dos alunos Chineses em relação aos do ocidente relativamente a áreas como Matemática e Ciências poder-se-á dever à ênfase cultural dada à escolarização, assim como ao que esta cultura acredita ser preciso para aprender. Deste modo, turmas com um elevado número de alunos, a utilização de método expositivo e um ambiente de sala de aula rígido são algumas características vistas como necessárias para que ocorra um processo de aprendizagem positivo, de acordo com a cultura chinesa, sendo estas ideias opostas às defendidas pela cultura ocidental.

De acordo com Marton e Booth (1997), a aprendizagem não se “extrai” do mundo – tese empirista – ou do indivíduo – tese racionalista – mas sim da relação que é estabelecida entre estes dois factores, sendo a experiência de algo uma relação interna entre quem experiencia e o que é experienciado.

Pode-se concluir que se encontra bem cimentada a ideia de que os sujeitos apresentam formas distintas de conceptualizar e experienciar a aprendizagem e de que as concepções (enquanto formas pessoais de pensar e compreender algo), se

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situam na origem das diferentes abordagens que são apresentadas em relação a uma determinada tarefa, de forma que os resultados obtidos são afectados pela mesma (Grácio et al, 2005). As investigações revelaram que o contexto parece influenciar tanto os “aspectos mais acentuados da experiência e da abordagem como os que permanecem em segundo plano” (Grácio et al., 2005, p.1676).

O trabalho de Tsai (2009) permitiu distinguir as concepções de conhecimento escolar e conhecimento em diversos contextos, sendo que para alguns indivíduos a aprendizagem escolar é conceptualizada como mais rígida, requerendo certas respostas, não estando relacionada com o quotidiano “normal”. Deste modo, uma aprendizagem eficaz seria aquela na qual o indivíduo está consciente das estratégias cognitivas e orientações motivacionais que deve empregar, de forma que possa conhecer os objectivos, processos e meios facilitadores da aprendizagem, bem como tomar decisões apropriadas sobre quais as estratégias que deve utilizar em cada tarefa e como as alterar no caso destas se revelarem pouco eficazes (Gonçalves, 2009). A motivação influencia tanto a intensidade como a persistência e direcção do comportamento: indivíduos que estejam mais motivados despendem mais esforço (intensidade) durante mais tempo (persistência) em relação à concretização de uma tarefa, evidenciando comportamentos e pensamentos que optimizam a aprendizagem e o desempenho, nomeadamente, tomada de iniciativas e desenvolvimento de estratégias de resolução de problemas. No pólo oposto, encontram-se os indivíduos com escassa motivação, que se demonstram aborrecidos, deprimidos e ansiosos, revelando pensamentos e comportamentos globalmente negativos, evitando os desafios (Lemos, 2005, cit. Gonçalves, 2009).

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