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Capítulo III: Aprendizagem e Delinquência – Que Relação?

1. Percurso Académico e Delinquência

Por mais de um século, investigadores comportamentais têm tentado compreender a relação entre delinquência e percurso académico. Deste modo, investigações têm demonstrado que baixos níveis de sucesso académico são um factor de relevo no crime e delinquência, existindo evidências que demonstram que jovens marginalizados são aqueles que mais provavelmente irão ter insucesso académico e poderão envolver-se com o sistema criminal (e.g., Farnworth & Leiber, 1989; Lawrence, 1998; Uceda, Matamales & Montón, 2011;Smith, 2000; Timmermans, Lier & Koot, 2009).

A delinquência e o insucesso académico estão interligados a problemas comportamentais do indivíduo, enquanto criança e adolescente (Uceda, Matamales & Montón, 2011; Timmermans et al., 2009). De acordo com o modelo de coerção (Capaldi, Chamberlain & Patterson, 1997; Patterson, Reid & Dishion, 1992), os comportamentos agressivos que a criança aprende em casa são extrapolados para a escola, sendo que devido a uma afiliação com grupos desviantes e influência de pares, estes comportamentos escalam rapidamente para situações delinquentes e insucesso escolar (Timmermans et al., 2009).

Estes comportamentos delinquentes e insucesso escolar irão, provavelmente, reduzir as hipóteses de adaptação à “normalidade” da sociedade em que os indivíduos estão inseridos, podendo os níveis de reincidência neste tipo de comportamento aumentar. Esta relação poderá dever-se ao facto de, devido ao insucesso escolar (retenção escolar e/ou abandono escolar), o nível de qualificação escolar ser reduzido, o que se irá reflectir em detenção de empregos de baixo estatuto e, consequentemente, num estatuto económico baixo, que poderá favorecer a prática de actividades criminosas.

Deste modo, são várias as teorias que abordam a possível relação entre aprendizagem (escolar) e delinquência. De entre as principais destaca-se a hipótese da susceptibilidade, a hipótese do insucesso escolar, a hipótese do tratamento diferencial e a hipótese das dificuldades de aprendizagem (Katsiyannis et al., 2008; Malmgren et al., 1999; Zamora, 2005). Partilhada por algumas destas teorias está o conceito “dificuldades de aprendizagem” (DA), cuja origem remonta ao início dos anos

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60, sendo, geralmente, considerado como uma desordem ou défice que envolve áreas como discurso, audição, leitura, escrita ou aritmética (Schoemaker, 2005).

A hipótese da susceptibilidade (Malmgren et al., 1999; Schoemaker, 2005; Zamora, 2005) explica o comportamento delinquente como resultante de diferenças neurológicas e intelectuais em jovens com dificuldades de aprendizagem. Estas diferenças poderiam conduzir a um aumento da susceptibilidade de um indivíduo para se envolver em comportamentos anti-sociais, agressivos e delinquentes. Waldie e Spreen (1993), através de um estudo longitudinal, concluíram que as dificuldades de aprendizagem estariam interligadas a factores como a impulsividade e o “fraco” julgamento, estando estes, por sua vez, interligados com fracas escolhas sociais, o que iria aumentar a susceptibilidade para a prática de comportamentos delinquentes.

A hipótese do insucesso académico sugere que o experienciar do insucesso por parte dos jovens com dificuldades de aprendizagem favorece o desenvolvimento de uma auto-imagem negativa. Esta auto-imagem seria a responsável pela prática de comportamentos delinquentes, uma vez que representariam as estratégias de coping utilizadas por estes indivíduos para lidarem com o desapontamento e desaprovação característicos da auto-imagem negativa (Hook, 1998; Malmgren et al., 1999; Schoemaker, 2005; Zamora, 2005). Assim, a combinação de dificuldades de aprendizagem com consequências sociais negativas (insucesso escolar) podem ser encarados como factores de risco no aumento da probabilidade de desajustamento social e possível prática de comportamentos delinquentes (Morrison & Cosden, 1997). Relacionada com esta teoria, surge a teoria da contenção, para a qual o desenvolvimento de um auto-conceito positivo funcionaria como uma barreira de “contenção” para a prática de comportamentos delinquentes (Lawrence, 1985).

No que diz respeito à hipótese do tratamento diferencial, explora-se a natureza da inconsistência do tratamento judicial em relação aos jovens com dificuldades de aprendizagem: para esta hipótese os jovens que não apresentam dificuldades de aprendizagem e os que apresentam cometem, em igual número, comportamentos delinquentes. Porém, os que apresentam DA têm mais probabilidade de serem constituídos arguidos (Hook, 1998; Malmgren et al., 1999; Zamora, 2005), devido a falhas nas capacidades verbais e sociais, o que irá condicionar o modo de interagir com agentes da justiça (Morrison & Cosden, 1997).

Finalmente, a hipótese das dificuldades de aprendizagem explícitas refere que atitudes negativas em relação à escola por jovens com insucesso académico resultam num aumento da disposição para se envolverem em comportamentos delinquentes (Archwamety & Katsiyannis, 2000; Malmgren et al., 1999; Morrison & Cosden, 1997; Zamora, 2005). De acordo com esta teoria, o insucesso académico não é apenas a

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causa primeira para o desenvolvimento de comportamentos delinquentes, mas é também a causa da continuação deste tipo de prática. De acordo com esta teoria, existem também diversos estudos que indicam que os níveis de reincidência estão altamente correlacionados com baixos níveis de performance académica (Katsiyannis et al., 2008).

Todos os modelos apresentados partilham a ideia de que um baixo rendimento escolar pode resultar na prática de comportamentos delinquentes, porém ainda é necessário aprofundar esta possível relação. O estudo de Zamora (2005) permitiu concluir, através da análise dos níveis de sucesso e insucesso escolar de jovens (idades compreendidas entre 14 e 16 anos) detidos num Instituto de Reinserção Social, que o baixo sucesso académico contribui para o início da prática de comportamentos delinquentes, mas não necessariamente para a sua prossecução.

Meltzer e colaboradores (1984) identificaram e analisaram os estilos de aprendizagem de adolescentes delinquentes. Para tal, foram comparados os perfis de 53 jovens delinquentes com os de 51 adolescentes que frequentavam o ensino secundário e que não apresentavam situações prévias de comportamentos delinquentes, tendo sido obtidos resultados de uma prevalência de problemas de comportamento na escola junto da população delinquente. Foram encontrados resultados que reflectiam o facto de 45% dos jovens delinquentes manifestarem atrasos na leitura e 36% na escrita, em contraste com apenas 14% do grupo de controlo. Os resultados obtidos permitiram concluir que os estilos de aprendizagem dos jovens delinquentes podem ser qualitativamente diferentes e que as dificuldades de aprendizagem precoces podem ser um indicador de risco para a prática de comportamentos delinquentes futuros. Assim, os resultados permitem afirmar que o insucesso académico precede os comportamentos delinquentes – ideia esta que refuta o que até então era defendido, de que os adolescentes delinquentes apresentavam baixos níveis de sucesso académico devido às suas características agressivas, o que iria interferir com a postura e sucesso escolar.

Estas evidências demonstram a baixa performance destes indivíduos em diversas áreas (leitura, matemática, escrita e desenvolvimento oral), podendo assim explicar-se os elevados níveis de abandono escolar que se verificam junto desta população específica: Maguire e Pastore (1995, cit. por Katsiyannis, et al., 2008; Dishion et al., 1984; Uceda, Matamales & Montón, 2011;Meltzer et al., 1984) estimam que cerca de 70% dos indivíduos em reclusão não concluíram o ensino secundário. Um facto interessante é o descrito por Smith (2000), de acordo com o qual, apesar do abandono escolar que se verifica nesta população, os indivíduos acreditarem na importância da educação e aprendizagem.

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Deste modo, a literatura tem estabelecido que um elevado sucesso académico pode ser um importante factor para prevenir a delinquência e reincidência. Apesar do sucesso académico não ser a única resolução para a delinquência, tem sido demonstrado que assume um papel importante. Consequentemente, a implementação de intervenções académicas, particularmente ao nível da leitura, auxilia a nível da delinquência, em geral, e, particularmente, ao nível da reincidência (Katsiyannis et al., 2008).

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