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Concepções de juventude

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CAPÍTULO I – FUNDAMENTOS TEÓRICOS PARA A COMPREENSÃO

1.1 Concepções de juventude

Neste trabalho, busca-se, inicialmente, examinar algumas questões referentes à juventude como categoria, nas relações com os sujeitos a que ela se refere. Tomando por base um entendimento da categoria juventude como constituída em uma realidade histórica e cultural determinada, o que possibilita a emergência de diferentes concepções segundo as condições postas em um determinado grupo social, reconhece-se que “a própria definição da categoria juventude encerra um problema sociológico passível de investigação, na medida em que os critérios que a constituem enquanto sujeitos são históricos e sociais” (Sposito, 1997: 38)7. Nessa perspectiva, pode-se compreender como o desenvolvimento da modernidade assinala a emergência da concepção de juventude que hoje se conhece.

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Nesse sentido, Sposito (1997) apresenta informações relevantes sobre a produção de conhecimentos acerca do tema juventude no Brasil, apontando como o assunto tem sido tratado em dissertações e teses dos Programas de Pós-Graduação em Educação, de 1980 a 1995. Assinala a dificuldade encontrada no estabelecimento de critérios na categorização dos trabalhos, considerando a impossibilidade de se impor o uso uniforme da categoria juventude a todos os pesquisadores.

As contribuições de Ariès8 (1986) são valiosas por apresentarem as transformações ocorridas na família, associadas ao desenvolvimento da classe burguesa e dos novos modos de produção, evidenciando o aparecimento da escola como instituição obrigatória e universal e se constituindo como elo de ligação entre a família e o mundo do trabalho. Nesse processo, como assinala Peralva (1997), destaca-se o delinear gradativo de fases de vida até então não observadas, como a adolescência e a juventude, que, a partir do final do século passado, quando o Estado assumiu sua função socializadora, oferecendo a escolarização para os filhos da classe trabalhadora, passaram a ser consideradas com maior destaque, para fazerem-se efetivamente notar como um problema social da modernidade, nos movimentos tidos como contestadores no século XX.

A concepção de desvio de um padrão considerado normal, expressando a dificuldade de integração ou de socialização, apareceram nas análises da Sociologia da juventude, especialmente a americana, como discute Passerini (1996). Em 1904, a publicação de Adolescence, de G. Stanley Hall, anunciam essa concepção nos Estados Unidos, inaugurando um debate que, durante o século que se iniciava, se travou em dois sentidos: de um lado, na busca de garantir liberdade e autonomia para a juventude e, de outro, para controlar os impulsos juvenis, na tentativa de ajustamento e adequação social.

A partir da Segunda Grande Guerra (1939-1945), a visibilidade da juventude intensifica-se e, na década de 50, a figura do jovem era associada à vida urbana e à escola ( no nível de high school), fortalecendo a idéia de cultura juvenil. Passerini (1996) lembra os estudos do sociólogo James Coleman, que assinala a singularidade dos grupos de jovens e a preocupação com o seu comportamento diferenciado, expressando-se, ora pela passividade (a geração silenciosa) ou então por comportamentos considerados de rebeldia. A terminologia, então empregada para se referir à juventude, mostra essa diferença: tribo, casta, e o termo subcultura, que implica a idéia de subordinação e foi o mais empregado.

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Ariès (1986) observa a ausência significativa da representação da criança na sociedade até o século XV, pois ela raramente aparecia na arte ou nos registros escritos encontrados, tanto das famílias, como da Igreja. Na arte, nas raras representações encontradas, apareciam na forma de

Um grande número de estudiosos se debruçou sobre o tema, compondo estudos clássicos que muito contribuíram para o seu desenvolvimento, dentre eles Eisenstadt (1976), Mannheim (1968; 1982), Davis (1968), Matza (1968). Esses estudos discutem a problemática da juventude em torno das faixas etárias e da apreensão dos papéis que a sociedade imprime ao jovem, dando destaque ao caráter socializante e às suas conseqüências no comportamento juvenil.

As abordagens sobre a juventude, que se sedimentam na sua compreensão como um grupo etário com base nos ciclos da vida, visualizando-a simplesmente como uma categoria geracional, implicam um certo reducionismo de análise.

Trata-se de uma fase da vida, de viver um momento etário mais ou menos definido, que implica, portanto, certa transitoriedade. Mas não apenas isso. Implica, ainda, certos atributos próprios, modos de agir, de pensar e de entender o mundo, cuja constituição parte dos elementos históricos e culturais que dizem respeito à posição desse jovem na sociedade. Nesse sentido, no processo de elaboração dos seus valores, das suas opiniões, da sua forma de se relacionar, de expressar sua afetividade, seus conflitos e expectativas configuram-se como aspectos relevantes para o estudo da juventude.

À medida que o jovem amplia sua participação na sociedade, no trabalho, na escola, nos grupos de amigos, esboçam-se os atributos próprios da singularidade do indivíduo, compondo seu mundo subjetivo, que funciona como um referencial que o orienta na realidade em que vive. As explicações concernentes relacionam-se ao modo como acontece a individuação ou as expressões de seu modo de ser na realidade objetiva.

Preocupado com o comportamento político da juventude, Ianni (1968) ressalta a função social atribuída à juventude de preservação da ordem social, em consonância com os ideais dominantes, que constituem poderosos mecanismos psico-sociais de integração do indivíduo, com base no ajustamento social. Para o autor, os estudiosos têm buscado compreender o comportamento do jovem ressaltando sua natureza como fenômeno, não possibilitando uma inteligibilidade completa, que, em seu entendimento, passa por uma análise histórico-estrutural da sociedade. Ianni (1968: 225-228) argumenta:

A história do regime capitalista tem sido a história do advento político da juventude. Em cada país em que se desenvolve o sistema capitalista de produção, os jovens assumem importância crescente no campo da ação política.(...) Não se trata apenas de uma fase transitória – culturalmente produzida – da vida social das pessoas, consideradas individualmente, em face dos contextos familiar e social global. O inconformismo juvenil é, ao contrário, um produto possível do modo

pelo qual a pessoa globaliza a situação social. (grifos no original)

O aguçamento das contradições internas presentes na sociedade capitalista expande-se, conforme o jovem amplia sua participação social. Os conhecimentos elaborados no seu cotidiano, na escola, nos grupos de amigos, no lazer e no trabalho podem possibilitar o desvendar dessas contradições, que se refletem em sua situação de vida, fazendo emergir conflitos.

Os eficazes mecanismos de controle do sistema social, em muitos casos, não permitem ao jovem a percepção dessas contradições, promovendo uma aceitação do modelo apresentado e dos valores dominantes, como o sucesso pessoal, a riqueza, o poder profissional hierárquico, tornando o jovem integrado às condições estruturais do sistema. Nesse sentido, o jovem não pode superar a condição alienada da qual é vítima, cumprindo a função esperada de conservação da ordem estabelecida. Para Ianni (1968: 241),

A consciência de alienação, nesse sentido, é um processo complexo,

sintetizador, que alcança todos os níveis fundamentais da manifestação da personalidade. Trata-se de um fenômeno que está na base dos processos psicológicos, sociais e culturais que estão envolvidos nos acontecimentos relativos ao que os autores especializados denominam “crise da adolescência”, “crise de originalidade”, “fase de marginalidade”, etc... (grifos no original)

A concepção que fundamenta a presente análise busca a apreensão do jovem enredado à realidade social em que é produzido e que, ao mesmo tempo, produz, como sujeito histórico, e nas formas como estas condições vividas determinam a sua singularidade e a consciência da sua situação como ser social. Contrapondo-se às visões fragmentárias do comportamento juvenil9, que atribuem o processo apenas a fundamentos psicológicos, ou tomam por base investigações sociais de partes isoladas da realidade, essa compreensão permite

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Ianni (1968) salienta a relevância das contribuições de fundamento psicanalítico dentre as quais assinala as de Karen Horney e Erich Fromm como as que buscam certa radicação histórica; considera-as, entretanto, explicações parciais e fragmentadas do comportamento juvenil.

vislumbrar a complexidade inerente ao processo e explicar as diversidades existentes em torno da juventude.

Ao discutir o conflito entre as gerações, Bourdieu (1983) ressalta a arbitrariedade da classificação da juventude por idade que acaba impondo limites, produzindo uma ordem ou relação em que cada um deve se manter em seu lugar. Para o autor, essa relação apenas toma existência concreta quando um elemento está em relação ao outro, em um movimento de oposição – ela é construída na luta entre os jovens e os velhos. A idade estabelecida com base biológica é, para ele, um dado socialmente manipulável. Desse modo, “falar dos jovens como se fossem uma unidade social, um grupo constituído, dotado de interesses comuns, e relacionar estes interesses a uma idade definida biologicamente já constitui uma manipulação evidente” (Bourdieu, 1983: 113). Não se pode tomar realidades diversas no mesmo conceito, como jovens que trabalham e estudam e jovens que são apenas estudantes, sendo relevante, portanto, analisar as diferenças entre as juventudes – os jovens de origem burguesa podem viver a condição de estudante sem maiores preocupações, como uma experiência de preparação, ao passo que aqueles que trabalham e estudam vivem a situação de inquietude permanente quanto ao futuro.

Os significados atribuídos à categoria juventude, e que são resultado do confronto entre as versões homogeneizantes e as que consideram as diversidades existentes, partem de diferentes visões que existem a respeito. A conceituação de juventude como integração ao mundo do adulto, apresentada por alguns estudiosos como amadurecimento, representa, na realidade, a inserção dos jovens no mundo da produção, o que resulta de uma perda de consistência dessa abordagem (Duarte, 2000).

As diferentes contribuições teóricas possibilitam refletir com maior clareza sobre a juventude, para que as análises possam superar um entendimento fragmentado do objeto estudado e apreendam a dinâmica das relações da existência concreta do jovem no mundo, na sua totalidade. É preciso destacar que essas relações se dão de forma contraditória, pois o jovem, na condição de estudante e trabalhador, socialmente constituído nas suas várias dimensões, não é reconhecido pela própria sociedade que o produz, com base nessa complexa

constituição. Desse modo, os espaços sociais pelos quais transita esse jovem tentam, continuamente, configurá-lo no modelo dominante, sedimentado na idéia de preparação para a vida adulta, na fruição e no consumo.

A visibilidade da juventude no Brasil ganha maiores proporções na década de 60, pelo “engajamento de jovens de classe média, do ensino secundário e universitário, na luta contra o regime autoritário (...); mas também pelos movimentos culturais que questionavam padrões de comportamento – sexuais, morais, na relação com a propriedade e o consumo” (Abramo, 1997: 31).

O interesse dos estudiosos das décadas de 60 e 70 sobre o comportamento político e confrontador dos jovens universitários tem como maior representante Foracchi (1972: 11), que buscou articular o tema em uma unidade teórica que pudesse fundamentar os estudos sociológicos, com base no pressuposto de que:

a juventude representa a categoria social sobre a qual inflige, de modo particular, a crise do sistema. (...) A visão da sociedade, desenvolvida pelo jovem, retém e elabora esse processo de tensão que o atinge, na medida em que permeia o sistema como um todo. Ultrapassada a etapa do conflito de gerações, que marca a primeira crise da adolescência e encaminha a busca da identidade, o jovem define, em termos também críticos, a crise da sociedade.

Fundamentando suas análises no conflito subjacente à crise social que denuncia a tensão presente no comportamento de ruptura, discute o tema da contestação como forma de uma recusa em aceitar o modo de vida do adulto estabelecido institucionalmente. O movimento de juventude pretendeu, então, negar sua vinculação ao sistema, por uma prática diferenciada procurando implementar um estilo de vida próprio. Como estudante, o jovem buscava, por meio dos movimentos estudantis, expressar a rejeição à condição determinada pela sociedade e procurava provocar a transformação que poderia dar resposta às contradições sociais que vivenciava.

Nos anos 80, a imagem de uma geração idealista criada pelos jovens dos anos 60, transformou-se, emergindo, então, uma juventude “oposta à da geração dos anos 60: individualista, consumista, conservadora e indiferente aos assuntos públicos, apática” (Abramo, 1997: 31), enfim, descompromissada com os processos políticos. A problemática dessa juventude relaciona-se às dificuldades

de opor-se ou oferecer alternativas à realidade social, caracterizando-se pelo pragmatismo e a aceitação do conservadorismo moral que impregna as relações sociais. Nos anos 90, alguma mudança aconteceu em relação à juventude. Abramo (1997: 32) salienta que:

já não são mais a apatia e desmobilização que chamam a atenção; pelo contrário, é a presença de inúmeras figuras juvenis nas ruas, envolvidas em diversos tipos de ações individuais e coletivas. No entanto, a maior parte dessas ações continua sendo relacionada aos traços do individualismo, da fragmentação e agora mais do que nunca, à violência, ao desregramento e desvio (meninos de rua, os arrastões, o surf ferroviário, as gangues, as galeras, os atos de puro vandalismo).

A problemática de desvio social do jovem, considerada anteriormente à década de 60, parece ter sido retomada e se intensificam as discussões acerca da violência, da criminalidade e do envolvimento com drogas. Nesse contexto, os jovens são vistos como impossibilitados de implementarem mudanças sociais e, como salienta Abramo (1997: 32),

nessa formulação, como encarnação de impossibilidades, eles nunca podem ser vistos, e ouvidos e entendidos, como sujeitos que apresentam suas próprias questões, para além dos medos e esperanças dos outros. Permanecem, assim, na verdade, semi- invisíveis, apesar da sempre crescente visibilidade que a juventude tem alcançado na nossa sociedade, principalmente no interior dos meios de comunicação.

Apesar da tematização dos estudos sobre a juventude não se desprender do contexto histórico-social, como se pode observar, a concepção naturalizante da juventude é contemplada em grande parte da produção acadêmica no campo da educação (Sposito, 1997). A dispersão e a variação dos temas são a causa dos poucos resultados alcançados na área e a produção caracteriza-se pela descontinuidade no trato dos assuntos, existindo uma lacuna nas Ciências Sociais, no Brasil, sobre a educação e a juventude.

Trabalhos mais recentes têm apresentado perspectivas mais animadoras para a promoção de momentos mais férteis de interlocução. Essas pesquisas fundamentam-se em análises mais críticas da realidade e mostram maior consideração pela condição histórica de desigualdade da população, levando em consideração o agravamento da crise do capitalismo em nível mundial, que tem acentuado a polarização entre ricos e pobres. A juventude menos favorecida

economicamente, os filhos da classe trabalhadora, constitui a preocupação de grande parte dos estudos, especialmente aqueles que discutem a situação de exclusão, risco social e violência.

As questões educacionais e as condições de trabalho e de vida do jovem aluno do ensino superior noturno são discutidas por Sposito (1989: 76), que destaca as diferenças entre as juventudes:

Falar do perfil do jovem trabalhador-estudante é falar de um jovem sem crise de adolescência. O ingresso no mercado de trabalho, talvez em idade mais precoce que a de jovens de camadas sociais superiores, retirou desse aluno, ou ao menos reduziu, a denominada crise da adolescência. (...) Não há, ao que tudo indica, a fase de contestação intensa de valores familiares, quando o adolescente procura marcar suas fronteiras. (...) Na realidade, o trabalho constitui este jovem como adulto, no próprio mundo do adulto, ao transformá-lo em trabalhador.

A importância da escola, para esse jovem, é vinculada à possibilidade de melhores empregos, objetivo perseguido intensamente, na busca de conseguir uma qualidade de vida mais elevada. A inserção prematura no mercado de trabalho, determinada por razões econômicas (subsistência para si e para a família), ocorre, na maioria das vezes, sem qualquer preparo. Essa dinâmica em torno do trabalho, empreendida pelo jovem, na tentativa de manter-se sempre empregado, favorece a assimilação de papéis compatíveis aos definidos pelo mundo da produção, bem como a disponibilidade permanente para a troca e apreensão de novos papéis. Esse processo influencia diretamente as relações do grupo familiar, promovendo um enfraquecimento dessas relações em forma de certo individualismo, representado, na prática, pela necessidade de cada membro ter que se envolver no objetivo de sobrevivência e/ou melhoria do padrão de vida da família.

1.2 Socialização, família e construção da identidade do ser

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