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3. Apresentação do material didático “Time for English”

3.4 Concepções dos autores

A composição de um material é a base codificada da experiência de ensinar e aprender que os autores dos materiais desejam que ocorra. É a organização de ações previstas para a sala de aula. Para fazer com que o processo de ensino se suceda de maneira como os autores pensam, precisamos de uma codificação das ações, dos conteúdos e da reflexão sobre esse processo em um material que dê conta disso. O material é peça chave no processo de ensino-aprendizagem, mesmo não sendo suficiente. Este direciona o professor, como desencadeador de ações com o propósito de ajudar no aprendizado da língua-alvo, e os alunos rumo à construção de uma competência lingüística e cultural.

A filosofia de ensinar dos produtores de material parte de suas concepções, do conceito de língua/língua estrangeira, de aprender e ensinar uma outra língua, que se constrói e se manifesta nas suas particularidades, articulado a uma rede de conhecimentos, sejam eles formais (teórico) ou informais (quando se baseiam em crenças, memórias, intuições vividas).

Desses conhecimentos se desencadeiam atitudes que são tomadas frente aos fenômenos que se conhecem, que culminam na concretização do projeto do material de ensino. Discutir as concepções dos autores significa explicitar os conhecimentos, as atitudes, as motivações, os interesses, as preferências que permitiram as ações e tomadas de decisões no processo de elaboração do material didático.

Supomos que quanto mais identificadas as concepções de autores no processo de composição de suas obras, mais podem os professores servirem-se delas e, criticamente, buscar uma forma mais consciente de satisfazer expectativas que não foram contempladas no livro.

Por isso, achamos importante incluir as concepções dos autores (incluindo as minhas próprias)41. Tentamos responder como concebemos ‘língua’, ‘linguagem’ e ‘língua estrangeira’. Tentamos explicar o que entendíamos por ‘ensinar uma LE’, ‘ aprender uma LE’, como deveria ser o ambiente da aula de LE, a abordagem de ensino, o que consideramos importante em uma boa aula, se acreditávamos se deveria haver uma hierarquia entre o ensino de morfologia, semântica, sintaxe e comunicação em sala de aula e, finalmente, qual seria o papel do professor e do aluno também em sala de aula.

Para nós, os autores, em janeiro de 2007 concebemos ‘língua’ como uma realização do pensamento. É uma forma de comunicar idéias e interagir com outros seres humanos. A língua é uma entidade político-cultural, identidade de um povo, de uma nação ou de um país. A língua é o principal representante de uma sociedade humana.

Entendemos a linguagem como sendo a concretização da língua. Enquanto a língua encontra-se no plano abstrato, como no pensamento, na concatenação e no caos de idéias, a linguagem é o meio pelo qual a língua é manifestada. A linguagem incorpora a língua em vários repertórios culturais, sociais e situacionais.

Para nós, a língua estrangeira é uma língua que não é falada e nem é oficial no país, ou região onde ela pode ser ensinada ou utilizada via meios de comunicação e arte, tais como o cinema, teatro, rádio, música, etc. A língua estrangeira se faz estrangeira pela falta de comunicação, pela busca do entendimento do Outro. Ou seja, um ser humano, falante de uma determinada língua, tenta entender o Outro, falante de uma outra língua. Na medida em que

41 É importante ressaltar que tais concepções foram expostas em janeiro de 2007, quando eu estava fazendo a

disciplina “Análise de Abordagens” no curso de verão com o prof. José Carlos Paes de Almeida Filho na Universidade de Brasília e quando o material “Time for English” estava sendo elaborado antes mesmo do início desta pesquisa. Ou seja, quisemos focar nossas concepções na época da elaboração do material “Time for English” e não depois de elaborarmos nossas dissertações (a minha e a do Leandro Rodrigues, também autor do material e colega de mestrado da UNB). Na verdade, nossas respostas sobre nossas concepções sobre o que é ensinar língua estrangeira entre outras concepções aqui citadas foram elaboradas e plasmadas no trabalho final dessanasobre disciplina que cursei e achamos interessante incluí-las nesta pesquisa como tentativa de tornar mais claro como nós autores entendíamos o processo de ensino e aprendizagem de línguas e consequentemente o que pensávamos ser nossa abordagem de ensino que acreditamos estar espelhada no material que elaboramos.

há uma comunicação, ou seja, que os falantes consigam conversar e entender o que um quer dizer ao outro, por meio de uma língua estrangeira, para um deles ou para os dois – neste caso, a língua franca – se ‘desestrangeriza’ à medida que se torna comum. Neste sentido, ensinar uma língua estrangeira é entrar em um universo desconhecido, em uma esfera cultural de possibilidades de se utilizar a língua que não é oficial do seu próprio país. Ensinar uma LE significa entrar em contato com o desconhecido e fazer-se conhecido é aprender o novo e interagir com os alunos que, embora sejam, em sua maioria, conterrâneos, apresentam diversas percepções que adquirem em decorrência das relações com o mundo, a língua-alvo e as culturas em jogo no processo. Estas são: a do professor, a(s) dos alunos, a(s) da língua- alvo.

Como o ensino de uma LE é realizado em um ambiente formal, geralmente a disposição física não é a das melhores em uma escola de línguas ou em uma escola regular. Carteiras, quadro, horário para começar e para terminar são rotinas que desnaturalizam o processo de contato natural com a nova língua. Contudo, como este é o ambiente em que temos de trabalhar, não resta outra opção a não ser tentar transformá-lo em algo realmente agradável. Dispor as carteiras de modo que todos possam ver os outros e o professor e, principalmente, transformá-lo em uma rotina agradável, como um momento de descontração, prazeroso, um ambiente democrático em que o ser humano seja valorizado e um contribuinte do processo.

Abordagem é um conceito abstrato, uma filosofia ou concepção do que seja ensinar e aprender uma LE ou L2. Achamos que a abordagem se baseia nas crenças e nas percepções do profesor. Ele a consolida a partir de experiências em sala de aula, leituras diversas, contatos com outros professores e remodelagem de sua prática para que a melhore a cada dia. A abordagem somente é observável a partir do conjunto de técnicas e procedimentos que são feitos na aula, ou seja, não se pode observar uma abordagem pelo planejamento de aula ou pela avaliação, somente. Essa só pode ser observada com os ensaios de tentativa e erro de técnicas e procedimentos tais que guiem uma concepção de língua – seja comunicativa, seja gramatical ou estrutural – e propiciem o aprendizado e a realização dos objetivos propostos que consideramos ser a interação e o desenvolvimento de competências diversas e intercâmbio de experiências ideológicas e culturais.

Uma boa aula é aquela em que há interação entre alunos e professor. É uma aula que propicie a curiosidade, que motive os alunos e que haja comunicação – ou seja, que os alunos possam construir o conhecimento a partir de suas necessidades, junto ao professor, mediador e motivador do processo.

Gramática é o mecanismo de funcionamento de uma língua. É a lógica da composição das palavras na realização lingüística. Há uma tradição em conceber a gramática como a língua em si. A gramática é o funcionamento, no entanto, o seu ensino e aprendizagem não implicam, necessariamente, em ensinar e aprender uma língua, pois, não basta saber onde se colocam os elementos em uma frase, mas para quê esta frase é utilizada, em que situações, quais repertórios lingüísticos e culturais são os mais apropriados para estes elementos. A gramática, sem dúvida alguma, deve fazer parte deste conjunto, todavia ela não é o cerne do processo, mas o apoio para a compreensão da lógica lingüística, a qual também compõe o processo.

O ensino da gramática não deve ser abandonado, tampouco ser foco da aula. As palavras lexicais e gramaticais devem ser abordadas durante o processo de ensino/aprendizagem de línguas, pois o aluno também precisa saber quais elementos da língua constituem uma frase, um período, uma sentença, uma oração, um fraseologismo, um idiomatismo, etc. para desenvolver sua habilidade escrita e oral. Entretanto, pode-se fazer isso sem, necessariamente, utilizar a metalinguagem. Pode-se trabalhar morfologia, por exemplo, sem se falar em morfema ou sintaxe, sem utilizar a verborragia lingüística como o aspecto principal a ser ensinado na aula.

A ansiedade no momento da aprendizagem é um aspecto positivo na aprendizagem de uma língua estrangeira, pois é uma motivação. No entanto, é preciso trabalhá-la a fim de que se reduza o filtro afetivo (Krashen, 1982) e transforme a ansiedade em curiosidade para aprender e conhecer a nova língua e a nova cultura.

Pensamos que o papel do professor é, sobretudo, o de educador, que tem um compromisso com a formação de opiniões. Contudo, o ensino de línguas não é uma simples prática da língua pela língua, mas do mundo pela língua. Ensinar uma língua é permitir que se conheçam horizontes culturais e visões de mundo diversas. Conhecer o Outro é uma porta para uma auto-análise, pois se sabe que somos representações simbólicas concebidas pelo conhecimento de mundo do Outro. O aluno é o protagonista deste processo, pois as suas expectativas e visões de mundo devem contribuir para um ensino reflexivo com base na interação entre culturas diversas, na leitura e interpretações assim como o respeito e tolerância e nas nossas experiências de mundo.

Foram com essas concepções que elaboramos o material didático “Time for English” tendo a consciência de que não basta criar o material só com nossas idéias. Para o material que elaboramos alcançar a abordagem de ensino de língua estrangeira tal qual concebemos, é preciso que os professores que o utilizam, de fato, em sala de aula tenham

concepções parecidas e isso não podemos garantir que ocorra. De qualquer forma, não achamos que devemos controlar o uso do material pelo professor em sua sala de aula.

Assim, podemos chegar à conclusão de que é importante e interessante compreender as concepções dos autores, até mesmo porque pode servir como orientação ou como motivação para aqueles professores que ainda não têm consciência de sua prática ou da abordagem que permeia a sua prática, para aqueles que buscam aprimorá-la ou simplesmente testar a abordagem do nosso material para ver se funciona ou não em seu próprio contexto de sala de aula.

3.5 O processo de elaboração dos livros “Time for English”