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Concepções de justiça

No documento Trabalho docente e desempenho estudantil (páginas 44-47)

CAPÍTULO 2 CONCEPÇÕES DE JUSTIÇA E A CENTRALIDADE DAS POLÍTICAS

2.1 Concepções de justiça

O processo de globalização e aumento de contatos transnacionais levou a uma pluralização de horizontes valorativos e à politização de identidades e da diferença. Neste novo cenário, o paradigma da redistribuição, apresentado por autores liberais modernos como John Rawls, se mostra insuficiente para a sua compreensão, na qual há uma complexificação do contexto e, consequentemente, dos conflitos (gênero, raça, religião). Tal situação foi teorizada

pelo trabalho de Rawls (1997), que chama a atenção para a variedade de referências presentes na sociedade e se propõe a definir a democracia como um modo de governo que respeita essa pluralidade.

Tomadas em conjunto como um único esquema, as instituições sociais mais importantes definem os direitos e deveres dos homens e influenciam seus projetos de vida, o que eles podem esperar vir a ser e o bem-estar econômico que podem almejar. A estrutura básica é o objeto primário da justiça porque seus efeitos são profundos e estão presentes desde o começo. Nossa noção intuitiva é que essa estrutura contém várias posições sociais e que homens nascidos em condições diferentes têm expectativas de vida diferentes, determinadas, em parte, pelo sistema político bem como pelas circunstâncias econômicas e sociais. Assim as instituições da sociedade favorecem certos pontos de partida mais que outros. Essas são desigualdades especialmente profundas. Não apenas são difusas, mas afetam desde o início as possibilidades de vida dos seres humanos; contudo, não podem ser justificadas mediante um apelo às noções de mérito ou valor. É a essas desigualdades, supostamente inevitáveis na estrutura básica de qualquer sociedade, que os princípios da justiça social devem ser aplicados em primeiro lugar. Esses princípios, então, regulam a escolha de uma constituição política e os elementos principais do sistema econômico e social. A justiça de um esquema social depende essencialmente de como se atribuem direitos e deveres fundamentais e das oportunidades econômicas e condições sociais que existem nos vários setores (RAWLS, 1997, p. 8).

Nesse sentido, a discussão acerca do reconhecimento passa a ganhar mais visibilidade. Entretanto, o agravamento das desigualdades econômicas, que se deu com a implementação de reformas de cunho neoliberal, bem como o crescimento de corporações globalizadas e a transnacionalização do capital, colocam novos desafios e mostram que a discussão acerca da redistribuição não pode ser ignorada.

A discussão acerca da justiça social, tanto em relação ao seu aspecto de igualdades e diferenças entre indivíduos ou grupos, quanto a sua natureza redistributiva ou de reconhecimento, deve ser feita tratando os elementos da discussão como conceitos interdependentes e não como opostos. Os aspectos emancipatórios das duas concepções seriam, assim, interligados em uma única estrutura compreensiva. A forma de interação entre as concepções é dada em um aspecto bidimensional de justiça, levando-se em consideração a igualdade social e o reconhecimento da diferença (FRASER e HONNETH, 2003).

A utilização do termo redistribuição na tradição liberal acompanharia autores modernos como John Rawls. Nesta corrente de pensamento, a ênfase é dada à liberdade individual, sendo a base do igualitarismo característico dos regimes social-democratas. Para este autor, é

necessário propor novas concepções de justiça que justifiquem a redistribuição socioeconômica. Já o termo reconhecimento, vem da filosofia hegeliana. Os adeptos dessa linha teórica acreditam que a subjetividade individual só ocorre em virtude do reconhecimento por outras subjetividades. Sendo assim, o reconhecimento das diferenças e a forma como estas são trabalhadas se mostram centrais para o entendimento das questões referentes à presença de um grau maior ou menor de justiça em um determinado arranjo social. Fraser apresenta estas duas categorias como fundamentais, sendo dimensões mutuamente irredutíveis de justiça, e que, como dimensões da justiça social, redistribuição e reconhecimento deveriam combinar seus aspectos emancipatórios sob um mesmo construto teórico, uma percepção bidimensional da justiça social.

Ao formular esse projeto, assumo o fato de a justiça requerer hoje tanto reconhecimento como redistribuição. Proponho-me a examinar a relação entre ambos. Em parte, isso significa descobrir como conceitualizar reconhecimento cultural e igualdade social de forma que ambos se sustentem e não enfraqueçam um ao outro. Também significa teorizar sobre os modos pelos quais desvantagem econômica e desrespeito cultural estão entrelaçados e apoiando um ao outro. Também requer a clarificação dos dilemas políticos que surgem quando tentamos combater ambas as injustiças simultaneamente. Meu objetivo mais amplo é conectar duas problemáticas políticas que são costumeiramente dissociadas, pois só por meio da reintegração do reconhecimento e da redistribuição pode-se chegar a um quadro adequado às demandas de nosso tempo. Porém, isso é demasiadamente exagerado para ser enfrentado aqui (FRASER, 2001, p. 247).

A autora afirma que redistribuição e reconhecimento são paradigmas dos movimentos populares, que encontram neles sua arena de manifestação para as diversas formas de injustiça social. Na perspectiva da redistribuição, a injustiça aparece enraizada na estrutura socioeconômica da sociedade. Já na perspectiva do reconhecimento, a injustiça estaria ligada à dimensão cultural e simbólica. Enquanto o reconhecimento está ligado às reivindicações feitas a partir de experiências coletivas de integridade ferida, a redistribuição está ligada às injustiças no âmbito socioeconômico: luta por redistribuição de recursos e marginalização econômica. Mas é importante destacar que a distinção entre injustiça econômica e injustiça cultural é feita pela autora somente para fins de análise, estando estreitamente interligadas na prática.

Até mesmo as instituições econômicas mais materiais têm uma dimensão cultural constitutiva, irredutível; estão atravessadas por significados e normas. Similarmente, até mesmo as práticas culturais mais discursivas têm uma dimensão político-econômica constitutiva, irredutível; são suportadas por apoios materiais. Portanto, longe de ocuparem esferas separadas,

injustiça econômica e injustiça cultural normalmente estão imbricadas, dialeticamente, reforçando-se mutuamente. Normas culturais enviesadas de forma injusta contra alguns são institucionalizadas no Estado e na economia, enquanto as desvantagens econômicas impedem participação igual na fabricação da cultura em esferas públicas e no cotidiano. O resultado é frequentemente um ciclo vicioso de subordinação cultural e econômica (FRASER, 2001, p. 251).

O tratamento distinto às duas concepções se dá pelo fato de que a política de reconhecimento e a política de redistribuição frequentemente aparentam ter fins contraditórios. A primeira tende a promover diferenciação, a segunda tende a acabar com a diferenciação, o que faz com que os dois tipos de reivindicação estejam sempre em tensão. O ponto em comum destacado pela autora é que, pessoas que estão sujeitas a ambas, injustiça cultural e injustiça econômica, precisam tanto de reconhecimento como de redistribuição. “Precisam reivindicar e negar suas especificidades”.

Um caminho apresentado para se amenizar este dilema entre reconhecimento e distribuição seria, segundo a autora, a inserção de uma terceira dimensão de justiça: a participação política. Claro que distribuição e reconhecimento são, elas mesmas, políticas, estando diretamente ligadas à contestação e apresentação de demandas junto ao Estado. Mas a autora entende que a dimensão política é mais específica, estando relacionada ao escopo do Estado, a sua jurisdição e suas regras de decisão. A dimensão política determina o estágio no qual a distribuição e o reconhecimento se inserem ou não. Estabelece, ainda, os critérios de determinação de quem é contado como um membro, bem como das outras dimensões de justiça, definindo quem é incluído e quem é excluído do que é definido como distribuição justa e reconhecimento recíproco. Estabelecendo regras de decisão, a dimensão política tem influências sobre a dimensão econômica e cultural. Ela define quem pode fazer reivindicações por redistribuição e reconhecimento, mas também como tais reivindicações podem ser debatidas e julgadas (FRASER, 2008, p. 17).

No documento Trabalho docente e desempenho estudantil (páginas 44-47)