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Capítulo 2 – A integração do campo político: a democracia liberal parlamentar

2.2 Das duas concepções de democracia: normativa e realista

2.2.3 Concepções normativas sobre a democracia

No que tange às concepções normativas de democracia abordaremos, inicialmente, a abordagem de Crawford Brough Macpherson. De acordo com Macpherson, a questão central na discussão acerca de uma democracia participativa não se trata de como ela iria funcionar – já que esta questão seria resolvida na prática, a partir do momento em que esse modelo fosse implementado – mas a questão a cerca de como alcançá-la. E para que se possa alcançar um modelo participativo ideal de democracia, Macpherson vê dois pré-requisitos fundamentais: 1°– a mudança da consciência do povo, ou seja, o povo deve desenvolver a capacidade de se ver e agir “como executor e desfrutador da execução e desenvolvimento de sua capacidade”224, ao invés de agir, simplesmente, como consumidores; 2°– deve haver uma grande redução das desigualdades sociais e econômicas, já que o modelo partidário – não-participativo – é mais facilmente aceito por indivíduos de todas as classes quando as desigualdades econômicas e sociais são mais acentuadas.

Não obstante, segundo Macpherson, para que esses requisitos apontados sejam obtidos é necessária uma maior participação política, o que levaria a um círculo vicioso. Segundo o mesmo autor, Marx apostava no primeiro requisito, o progressivo desenvolvimento da consciência da classe trabalhadora, enquanto Stuart Mill apostava no segundo requisito, acreditando que o desenvolvimento das franquias e das cooperativas de trabalhadores reduziriam as desigualdades econômicas e sociais. No entanto, nem a previsão de Marx nem a de Mill se concretizaram, pois, o enorme poder integrador do capitalismo faz com que a maioria das pessoas apoie ou não faça “muito

222 Idem, ibidem, p. 154. (Tradução livre). 223 Idem. (Tradução livre).

224 MACPHERSON, Crawford. Democracia liberal: origens e evolução. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p.

para mudar, um sistema que produza prosperidade”225, o que produz, por conseguinte, apatia política. Assim, Macpherson aponta para três aberturas que podem mostrar mudanças na perspectiva da participação política nos níveis da desigualdade social ou na consciência do consumidor, e que podem romper esse círculo vicioso. São essas aberturas que trataremos a seguir.

O primeiro fator considerado por Macpherson supõe que cada vez um número maior de pessoas tem desenvolvido a capacidade de calcular a relação entre custos e benefícios. Macpherson sugere que os consumidores estão desenvolvendo a consciência de que o crescimento econômico tem causado danosos efeitos em longo prazo, como os custos da poluição do ar, da água e da terra, que em geral dizem respeito a custos que se referem à qualidade de vida. E esse fato tende a enfraquecer a aceitação comum que relaciona o crescimento econômico, mensurado a partir do aumento da produtividade (produto interno bruto do país), ao aumento do bem estar social. Consequentemente, esses custos – “sobretudo o esgotamento extravagante dos recursos naturais e da probabilidade de dano irreversível ao meio ambiente”226 – têm ganhado um papel mais relevante na consideração dos consumidores. O desenvolvimento dessa consciência levaria as pessoas a superarem o seu interesse como consumidores e adquirir uma consciência dos interesses públicos, que estão além do interesse privado imediato dos consumidores. O que o autor pressupõe é uma espécie de alargamento de uma consciência planetária sobre os interesses imediatos dos consumidores.

O segundo fator considerado pelo cientista político canadense é a consciência, cada vez mais crescente, do preço pago pela apatia política. Esse fator tem levado a um aumento gradativo do número de associações, movimentos comunitários e coletivos para exercer pressão contra as operações dos “complexos políticos-comerciais”227. Esses grupos de pressão visam conscientizar contra a expansão da propriedade, a destruição do meio ambiente, a falta de representatividade política, etc. E mesmo que não alcancem efeitos significativos contra os grandes complexos político-industriais, esses grupos ampliam a participação política das pessoas, atraindo aqueles que nunca haviam participado de um movimento político. Essa conscientização tem levado, também, à ampliação da pressão por maior participação dos trabalhadores no processo produtivo.

225 Idem, ibidem, p. 105. 226 Idem.

Essa exigência por um maior controle do processo produtivo não tem sido restrita somente a “condições de trabalho e planejamento do modo de trabalho em nível de oficina”, mas se estendem “à participação em decisões políticas em nível de gerência empresarial”228. E como a participação do trabalhador no processo produtivo tem um efeito imediato sobre a vida do trabalhador, esta não fica sujeita à descrença geral sobre a qual incide o processo político formal do Estado. Considerando sobre esse aspecto, essa experiência de participação gerada no processo de trabalho pode “transferir-se do local de trabalho para áreas políticas mais amplas”229 à medida que o trabalhador vai se habituando ao processo de tomada de decisões, o que colocaria em questão o modelo tradicional da atividade industrial. Assim, os indivíduos tornam-se mais aptos a “perceber a importância das decisões a distâncias maiores de seus interesses mais imediatos”230.

O terceiro fator na consideração do autor canadense é o crescente questionamento a cerca da capacidade do capitalismo satisfazer as expectativas dos consumidores diante do alto grau de desigualdade existente. Para continuar operando o capitalismo tem que reproduzir as desigualdades e a consciência consumista. Contudo, à medida que aumenta sua capacidade para produzir bens, aumenta também a exigência de que esses bens produzidos alcancem um número maior de pessoas. Ou seja, a capacidade de ampliar o padrão de consumo – no nível existente nos países desenvolvidos – para os países subdesenvolvidos e reduzir as desigualdades em termos globais é o que definirá o futuro do sistema capitalista. Considerando que seria insustentável para o planeta expandir o padrão de consumo de países desenvolvidos em termos globais – sendo que o capitalismo precisa manter as desigualdades existentes entre as áreas desenvolvidas e subdesenvolvidas para existir – sua falha nessa tarefa de reduzir as desigualdades levaria a uma mudança da consciência dos indivíduos no que diz respeito aos custos e lucros desse modelo. Alguns sintomas já demonstram o fracasso do sistema segundo Macpherson: “altos índices de inflação e desemprego [...] desvalorização dos salários juntamente com a insegurança dos empregos”, em consequência dessas contradições, “é de se esperar que aumente a participação da classe

228 Idem.

229 Idem, ibidem, p. 107. 230 Idem.

trabalhadora na ação política e industrial e que a consciência de classe recrudesça”231. Dessa maneira, esses fatores combinados levariam a “um declínio da consciência de consumidor, a uma diminuição da desigualdade de classes, e ao aumento na participação política”232.

2.2.4 O normativismo deliberativo de Jürgen Habermas e sua crítica à