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6 AS CONCEPÇÕES DE RACISMO PRESENTES NOS CURSOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORAS/ES DA UNILAB

Ao longo deste trabalho vimos abordando o racismo enquanto categoria teórica. Dentro da abordagem que adotamos como lentes epistêmicas pudemos compreender como o racismo se forja como uma doutrina que rege comportamentos e atitudes baseados na invenção pseudocientífica da “raça”. Além disso, vimos também como tal invenção se constituiu como um dos pilares de sustentação do colonialismo e, simultaneamente, da colonialidade, a qual persiste até os dias atuais. Assim, enfrentar o racismo tem sido uma luta cotidiana encampada há séculos de diversas formas e por vários sujeitos individuais e coletivos. Neste trabalho nos propomos a analisar uma dessas formas de enfrentamento que é por meio da educação das relações étnico-raciais, uma conquista dos Movimentos Sociais Negros do Brasil e de vários países latino-americanos, conforme apresentamos em capítulos anteriores.

Nesse sentido, com o intuito de compreender como o racismo é curricularizado e pedagogizado, ou seja, tratado como conteúdo de ensino e prática pedagógica, nos cursos de formação de professoras/es da UNILAB, recorremos ao esquema de Análise de Conteúdo de Jorge Vala (ver Figura 10) para proceder à análise dos dados coletados/produzidos em cada um dos cursos eleitos. De tal modo, traçamos o nosso percurso analítico da seguinte forma, como registrado na Figura 11:

Durante o processo de construção do objeto desta pesquisa fomos analisando os movimentos e as forças concorrentes na constituição da política curricular nacional para a educação das relações étnico-raciais. Em vários momentos deste trabalho nos debruçamos sobre as DCN analisando-as e apontando os alcances e os desafios que estas colocam para os sistemas de ensino brasileiro, destacando os desafios à formação docente e aos currículos escolares.

Neste capítulo, debruçamos sobre o campo empírico desta pesquisa que é a UNILAB, dentro do que adotamos por meio dos critérios especificados no capítulo anterior. Assim, vamos analisar as concepções de racismo institucionalizadas e anunciadas nos PPC dos cursos selecionados, assim como as concepções de racismo dos sujeitos curriculantes65, tanto discentes quanto as/os docentes que tiveram suas disciplinas apontadas como aquelas que abordam o racismo de forma satisfatória, por meio do questionário aplicado às/aos estudantes. No sétimo capítulo, analisamos as práticas de enfrentamento do racismo vivenciadas e apontadas pelos sujeitos curriculantes.

6.1 As concepções de racismo expressas a partir do entrelaçamento empírico- teórico dos PPC, da abordagem teórica e das falas dos sujeitos curriculantes

65 Como explicitamos no quarto capítulo desta tese, os sujeitos curriculantes são todos aqueles envolvidos com o que constitui o currículo que na acepção aqui adotada envolve teorias, políticas, práticas, enfim. Nesta pesquisa estamos trabalhando com docentes e discentes diretamente, mas não ignoramos o papel de outros sujeitos como gestoras/es, comunidade acadêmica, sociedade em geral, em seus variados níveis de participação e poder de decisão, neste tensionado campo que é o currículo.

Ao longo desta pesquisa fomos buscando conceituações, definições, explicações para entendermos o racismo. Esta busca nos orienta nesta parte da investigação que se preocupou em isolar e relacionar os fragmentos do corpus com a abordagem teórica adotada para buscarmos responder aos objetivos propostos. Decidimos tecer um entrelaçamento empírico-teórico com algumas falas dos sujeitos curriculantes para enfatizarmos os achados da pesquisa.

A título de organização, trouxemos em cada subseção a análise de um elemento que constitui o currículo, conforme discutimos no quarto capítulo. De tal modo, organizamos nossa análise em eixos. O primeiro eixo versa sobre as Perspectivas Teóricas. O segundo, sobre o Conhecimento. O terceiro eixo aborda a Política Curricular. O quarto eixo que trata da Praxis Curricular será abordado separadamente no sétimo capítulo, no qual trazemos as análises sobre as práticas de enfrentamento do racismo em relação com os eixos abordados aqui no sexto capítulo.

6.1.1 Perspectivas Teóricas presentes nas concepções de racismo expressas nos PPC

Ao estudarmos sobre as teorias curriculares, percebemos que elas estão relacionadas ao contexto econômico, político e social e elaboram suas teorizações, processos e procedimentos de ação visando subsidiar um dado projeto de sociedade. Nesse cenário, entram em cena forças concorrentes, que disputam espaço na seleção curricular.

Tais disputas vão ser percebidas na forma como o conhecimento, a cultura e a diferença são tratadas, que pode ser de uma maneira funcional (SARTORELLO, 2009), a qual reconhece a diferença mas trata a interculturalidade de forma a atender aos interesses do neoliberalismo. Ou de uma maneira crítica (WALSH, 2010) na qual aquelas questões (conhecimento, cultura, diferença) são tomadas como um problema estrutural para se iniciar o processo de construção da transformação de tais estruturas. Além disso, na perspectiva funcional as orientações sobre as práticas “vêm de cima”, ou seja, geralmente aparecem como imposição ou como forma de oficializar a diferença. Ao contrário da perspectiva crítica, na qual as práticas e ações surgem entre os damnés/oprimidos/subalternizados/colonizados, isto é, entre as pessoas que estão

marcadas pela ferida colonial e ao tomar esta consciência decidem enfrentá-la, contrapondo-se a ela e gestando projetos outros, onde suas diferenças são valorizadas, respeitadas.

A educação das relações étnico-raciais desafia os currículos a superarem o monoculturalismo eurocentrado e abrir espaço para outras epistemologias que foram negadas e silenciadas por muito tempo. No entanto, tal desafio não é atendido da mesma forma, como podemos ver em relação ao primeiro eixo de análise. Identificamos que há cursos, que em relação ao racismo como conteúdo de ensino, aproximam-se mais de uma abordagem burocrática e técnica do ensino, ou seja, funcional. E outros, de uma abordagem mais inter-epistêmica, ou seja, crítica.

Dessa forma, não encontramos expressa uma concepção de racismo nem no curso de Letras, nem no curso de Sociologia. Há um silenciamento sobre uma questão primordial dentro do contexto da UNILAB, o qual a sua própria constituição vem desafiar, que é o racismo.

A preocupação demonstrada pelo curso de Letras se dirige à “possibilidade de enfrentamento de problemas educacionais, considerando-se o panorama histórico relacionado à implantação de cursos de licenciatura em Letras” (PPC-LET, p. 09). O que é corroborado pela estudante EL5 quando perguntada por que escolheu a terminalidade na área de Letras, ela afirma que “no meu país [São Tomé e Príncipe] existe um déficit de profissões na área de ensino de Língua Portuguesa e suas literaturas” (EL5, p. 03).

O referido curso apresenta uma grande preocupação com o ensino da Língua Portuguesa seja como língua materna, seja como segunda língua. Traça o percurso histórico dos cursos de formação nesta área, cruza com indicadores educacionais do Brasil, da região nordeste e do estado do Ceará, mas não expressa uma concepção sobre racismo em suas argumentações. Em contraposição a este posicionamento, o curso de Pedagogia, por sua vez, analisando os mesmos dados educacionais chega à seguinte conclusão:

Diante deste cenário da escolarização no Maciço de Baturité, evidencia-se um duplo desafio, ou seja, tanto a problematização da pedagogia tradicional, de cunho religioso católico, racista e sexista, quanto da socialização de pedagogias descolonizadoras que possam romper com os paradigmas históricos meritocrático, competitivo e excludente numa perspectiva afrocentrada, inter-religiosa e antissexista (PPC-PED, p. 12).