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4 FACES DA VIOLÊNCIA: DESVENDANDO UMA REALIDADE DE

5.4 Concepções sobre o significado das “violências”

No terceiro eixo abordamos aspectos da violência propriamente dita, ao interpelarmos os entrevistados quanto ao significado que concernem a violência contra a pessoa idosa, também, uma estratégia de aproximação almejando dar inicio a incursão em um terreno tão proibido e pessoal quanto às experiências de violência vivenciadas pelos depoentes. Em sua opinião em que consiste a violência contra a pessoa idosa?

Acredito que a violência contra o idoso tem dois aspectos: primeiro o “preconceito” e segundo o “cultural”. O preconceito acontece por que os mais jovens não aceitam os mais velhos, a velhice deveria ser tratada como algo natural, uma etapa que todos nós chegaremos, mas o povo não trata assim [...]. E tem um lado cultural porque nossos jovens não foram educados numa sociedade que respeita a velhice. No Brasil a velhice é olhada com desprezo e deboche [...]. Já cheguei a pensar: “Eu sou um alienígena nesse mundo?”Sei que fomos educados para o agora, para o passageiro, só gostamos do que é bonito, do que é fresquinho, do que está novinho, saindo da loja. A velhice é o oposto de tudo isso, acho que por isso o velho é tão deixado de lado. Vejo na televisão todo dia! A televisão ensina isso as crianças! Somos como um sapato velho, que não serve mais, um dia foi útil, agora não é mais e o que não serve mais, vai pro lixo [...] (Geraldo, 75 anos).

A violência é muito cruel, já que são pessoas indefesas, necessitando ser amadas, sem apoio, sem ninguém [...]. É verdade! Eu falo como se eu não fosse uma velha [...] [risos]. Não sei por que faço isso. Eu sou mesmo uma dessas pessoas? Não me sinto velha [...]. Se meu Deus fez isso comigo, me fez passar violência, foi por algum motivo, acredito que nada acontece por acaso na vida, eu devo ter feito algo pra merecer essa provação. A violência é a coisa mais triste do mundo, seja contra

quem for, dói demais, mas não me sinto violentada, me sinto ferida [...] [lágrimas]. É uma dor que não acaba nunca, mas a dor da saudade é sempre maior do que qualquer outra dor [...] (Maria, 81 anos).

A violência contra a pessoa idosa não é diferente de nenhuma outra violência, ela faz sofrer. Acho que a única diferença é que quase ninguém se importa quando a vítima é um velho, porque as consequências são menores [...]. Estou tão perto da morte que não faz mais tanta diferença, né? A violência machuca, mas é ruim ainda mais quando vem de alguém que a gente ama e espera alguma coisa [...]. Ninguém deve esperar nada de filho, mas eu esperava amor, eu esperava que me ela ajudasse e mesmo que não cuidasse de mim, pelo menos eu esperava que me ela me respeitasse [...] [lágrimas] (Fátima, 77 anos).

Violência contra a pessoa idosa pra mim é todo ato covarde em que uma pessoa mais nova nos impõe, porque não podemos revidar a altura. Por mais que nos digam que o idoso agora tem seus direitos, eu sinceramente não vejo isso acontecer [...]. Na prática isso não acontece, nós sofremos violência todos os dias. Na televisão só passam os casos mais horríveis. É o que dá ibope, chama mais atenção [...] Outro dia esbarrei sem querer num rapaz jovem, ele olhou para mim com um olhar de desprezo e disse: “olha por onde anda sua velha idiota, se não está enxergando bem porque não fica em casa?” Eu olhei pra ele e pedi desculpas [...] [silêncio]. A vontade que tive foi de meter a mão na cara dele, mas acho que se tivesse feito isto, com certeza tava apanhando até agora. (Francisca, 72 anos).

Minha filha, eu acho que a violência é quando a vida nos mostra que já não somos necessários [...]. Meu filho sempre diz que “velho é uma criança feia”, antes eu ficava triste, mas agora eu acho que ele tem razão [...]. É verdade, nossos passos são lentos, a queda é comum, meu esposo caiu 16 vezes, ele faleceu de uma queda [...]. Eu quero comer o que não posso ou não devo, porque meu colesterol está alto, idosos são teimosos, na maioria das vezes temos dificuldade em entender as coisas, aí é que começa a violência [...]. Quando criança nós temos limites, não podemos sair de casa por causa dos carros, dos ladrões, não devemos falar com estranhos e por aí vai. O idoso também não pode um monte de coisa, é como uma criança, é como voltar a ser criança [...] Hoje o mundo não tem paciência nem com suas crianças, nem com seus velhos [...] (Luciana, 66 anos).

Conforme a perspectiva empregada nos relatos, meios de comunicação como a televisão, constituem-se em poderosas fontes de influência “[...] na televisão só passam os

casos mais horríveis. É o que dá ibope, chama mais atenção [...]” e como mediadores do

violência ao refletir o processo de estigmatização em que os indivíduos idosos são submetidos na sociedade, uma reprodutora de vítimas potenciais, rotulando e tipificando sujeitos com o auxílio da mídia, “[...] só gostamos do que é bonito, do que é fresquinho, do que está novinho, saindo da loja. A velhice é o oposto de tudo isso, acho que por isso o velho é tão deixado de lado. Vejo na televisão todo dia! A televisão ensina isso as crianças [...].” Os

discursos midiáticos possuem o papel de difusores da dominação, encobrindo a realidade, ocultando-a no silêncio da invisibilidade e expondo o que lhes garante o espetáculo. A violência é exercida, também, por meio dos discursos de exaltação da juventude, de uma beleza padronizada, da necessidade da força física e da produtividade, impondo ao indivíduo velho um modelo de desvalorização que o reduz a uma condição de inutilidade, declínio e decadência, levando-o a ausência de reconhecimento simbólico e social.

Estamos vivendo em um horizonte de representações sociais da violência para cuja disseminação em muito contribuem os meios de comunicação de massa, produzindo a dramatização da violência e difundindo sua espetacularização, enquanto um efeito da violência exercida pelo “campo jornalístico”. No caso da televisão, procura-se o sensacional, o espetacular, mediante a dramatização de fatos de maneira a produzir o extraordinário do mundo ordinário [...] (SANTOS, 2003, p. 22)

Em termos de significados, outro aspecto relevante faz referência à infantilização da velhice, identificada através de comparações depreciativas do indivíduo idoso a uma criança ou formas de tratamento e uso de expressões no diminutivo, como “vovozinha” ou “tiazinha” para designar os mais velhos. A citação do filho de uma depoente “o idoso é

criança feia”, denota uma visão estereotipada incorporada pela sociedade e dimensiona a

percepção equivocada adotada, às vezes inconscientemente, por familiares, cuidadores e inclusive no meio profissional, num processo de “naturalização do preconceito” (LEVI, 2001), perpetuando um “modelo genérico de velhice” (LOPES, 2007) e sequestrando a imagem e auto-estima do idoso.

O velho carrega como parte inerente á sua condição, estereótipos e classificações pouco reveladoras da sua real condição; temos a tendência de encará-lo como uma estrutura rígida de personalidade, frente á qual nos paralisamos e codificá-los como “rabugento”, “difícil”, “intransigente”, “pouco receptivo”, “igual a uma criança” frente ao que só nos resta exercer nossa tolerância ou impaciência. Mas cada um de nós pode dar exemplos de velhos afáveis, intelectualmente brilhantes, seguros e produtivo [...] (FRAIMAN, 1991, p.35)

Observa-se a materialização da violência nas narrativas dos entrevistados, a forte presença do preconceito, menosprezo, ofensas, humilhações e estereótipos em relação à velhice. A discriminação social pelo critério etário, resultante de tabus e falsas crenças sobre o envelhecimento fundamentalmente ligadas a razões econômicas e a ideia de improdutividade do idoso, afetando diretamente seu “status social” e revelando uma prática de estratificação por idade, a qual influencia na formação de identidades sociais e individuais, levando os indivíduos mais velhos a terem o valor reduzido nos processos de troca social e subestimando sua capacidade autônoma de gerir a própria vida (RILEY, 1971).

Como no relato “[...] quando criança nós temos limites, não podemos sair de casa por causa dos carros, dos ladrões, não devemos falar com estranhos e por aí vai. O idoso também não pode um monte de coisa, é como uma criança, como voltar a ser criança [...]”, Emile Durkeim (2007) na obra “As regras do método sociológico”, ao distinguir o

saudável do patológico, elabora uma polêmica comparação da infância com a velhice, expondo tais fases como semelhantes, tratando a velhice como uma retomada da infância e afirmando que tanto as crianças quantos os velhos estão expostos as mesmas condições de vulnerabilidade:

A velhice e a infância têm os mesmos efeitos; pois o velho e a criança são mais acessíveis às causas de destruição. Serão então doentes e deveremos admitir que só o adulto representa o tipo são? O domínio da saúde e da fisiologia ficaria singularmente reduzido! Aliás, se a velhice é já por si uma doença, como distinguir o velho são do velho doente? (DURKHEIM, 2007, p. 71)