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4 FACES DA VIOLÊNCIA: DESVENDANDO UMA REALIDADE DE

5.2 Percepções sobre velhice e envelhecimento

Iniciamos a análise através da categoria velhice, por crermos que as construções elaboradas a respeito da concepção dos idosos vítimas de violência doméstica sobre velhice e como os mesmos têm vivenciado o processo de envelhecimento após a violência sofrida, são questões fundamentais para o estudo, por refletirem o modo de viver dos depoentes e a visão do idoso sobre a velhice através de um ótica que expressa um contexto de violência. Assim, indagamos: O que significa a velhice para a sr(a)? Como tem lidado com o processo de envelhecimento?

Se a juventude serviu para eu viver o momento, pra mim a velhice serve pra pensar, pra reflexão, eu sempre me pego com meus os pensamentos, acho que é como um encontro comigo mesmo. Mas não considero ser velho um sacrifício [...]. A velhice é

como as ondas do mar, o mar é traiçoeiro, não sei aonde ele vai me levar, o que quero dizer é que sabemos que em algum momento será o fim de tudo[...]. É estranha a sensação de estar perto de ir embora, me sinto doente, se você pensar é muito angustiante [...] [silêncio]. Presto atenção no canto dos pássaros, nas árvores, nos bichos, penso em tudo que fiz e no que eu não fiz, eu quero levar tudo comigo, quero levar de tudo um pouco, quando eu for embora [...] (Geraldo, 75 anos).

Pra mim é muito difícil envelhecer. Tenho procurado preencher meu tempo e minha mente, eu participo de corais, gosto de música, faço trabalhos manuais, vou à igreja encontrar com meu Deus, não gosto de me sentir inútil, não quero ficar parada, vendo a vida que me resta passar, só fico parada, quando estou cansada [...]. Ser velha cansa a gente, mas não me sinto velha, tenho vontade de fazer tanta coisa ainda, se meu corpo deixasse gostaria de dançar, acho lindo ver as pessoas dançando, é um sonho que eu não realizei [...]. Mas eu não me entrego, tenho minhas amigas, participo de um grupo de idosos, é bom porque agora tenho companhia [...]. Não me sinto mais tão sozinha, sempre que posso passeio com minhas amigas do grupo, vou à praia, vou ao clube quando eu posso [...] (Maria, 81 anos).

Olho esses jovens com a vida toda pela frente e me bate uma inveja. Uma saudade da época em que eu sentava com tudo, eu usava uns vestidos de baile tão bonitos, todos me elogiavam e me achavam bonita, eu arrasava os corações [...] [risos]. Devia ter vivido tanta coisa mais, eu nunca bebi, nunca fumei e só tive um namorado, mas disso não me arrependo porque escolhi o homem certo, meu marido era lindo, um marido maravilhoso, quanta saudade [...]. Queria poder voltar o tempo e me preocupar menos com o que os outros falavam. Acho que eu perdi muito tempo, sabe? Agora que eu não tenho esse tempo todo, não sei o que posso fazer [...]. Pra mim a vida perdeu o sentido, a velhice pra mim é solidão, é doença [...] [lágrimas]. Tudo é tão lindo quando se é jovem, queria nunca envelhecer. Sempre tive medo da velhice, da morte e da solidão [...] [lágrimas]. Parece que o medo volta pra gente [...] (Fátima, 77 anos). A velhice significa viver mais, ter mais experiência de vida, saber dar conselhos aos mais novos e com exemplo e sabedoria colocar as crianças no bom caminho [...]. Só que não é isso que eu vejo, nós velhas ou idosas ou terceira idade, sei lá o que somos, somos tratadas pelas pessoas, principalmente por muitos adolescentes como posso dizer: como um atraso de vida, às vezes me sinto uma intrusa que já deveria ter morrido, somos chamados de “múmias” [...]. Vejo que a má vontade mesmo com leis nos protegendo é grande em todos os sentidos [...]. Muitas vezes me sinto discriminada, se nos alegramos dizem: “velha enxerida que não se enxerga” [...]. Já escutei pessoas levantando do assento do ônibus para me dar o lugar reclamando pra colega: “porque essa velha subiu no ônibus se sabia que estava cheio”. E olha que os

lugares da frente nos transportes coletivos são por direito nossos [...]. Se chegamos num banco ou numa farmácia para pagar uma conta, reclamam quando custamos a tirar o dinheiro [...] [silencio]. Podem até não falar nada, mas eu olho e vejo aquele olhar de desdém que machuca mais que uma bofetada [...] (Francisca, 72 anos). Sou vaidosa, me olho no espelho e com as rugas que vejo no meu rosto, já não me reconheço mais, sou eu essa pessoa que se encontra aqui na frente do espelho? Pra onde foi minha mocidade? Que rosto é esse que eu tenho agora? Eu acho estranho, eu tento esquecer que envelheci, mas as pessoas em volta não me deixam pensar de outra forma, é como se sentissem pena de mim [...]. Quando eu falo, eu sinto que já não me ouvem como antigamente. Os meus conselhos nem ligam [...]. Os mais novos são os maiorais, ainda mais na época em que vivemos da alta tecnologia e não tenho cabeça pra aprender os conhecimentos da modernidade, dos computadores. É muita coisa junto e com as nossas dificuldades ninguém se importa. Podem até dizer que existem leis que nos protegem, mas no Brasil o que vale é a lei do mais forte e não é o nosso caso, não somos os mais fortes, temos que nos virar [...] (Luciana, 66 anos).

Em síntese, é perceptível que os depoentes não estão vivenciando o processo de envelhecimento tranquilamente. Sem supergeneralizações, podemos afirmar que a velhice é sentida de maneira diferenciada, “as pessoas envelhecem nos contextos de suas histórias pessoais e da história da cidadania de sua sociedade” (FALEIROS, 2007), contudo, pontos em comum emergem nos casos apresentados, são eles: a dificuldade em lidar com o envelhecimento, o pessimismo, a ideia de proximidade com morte, a sensação de medo e mágoa, a frustação diante dos arrependimentos, o temor à solidão, a expressão de impotência diante da vida e um forte elo com o passado.

Conforme Bobbio (1997), a recordação constitui-se num bem precioso na velhice, devido à necessidade do indivíduo idoso em viver e reviver constantemente o passado, relembrando histórias, fatos, amizades, amores, retornando a infância e a época da juventude, remetendo-se a momentos que marcaram a sua vida. Os idosos parecem empregar como estratégia de enfrentamento da realidade que não corresponde ao que consideram favorável, lembranças e memórias de um passado feliz, alimentando-se da saudade daqueles que se foram e apesar de não estarem presentes em corpo sobrevivem em suas histórias de vida “só

tive um namorado, mas disso não me arrependo porque escolhi o homem certo, meu marido era lindo, um marido maravilhoso, quanta saudade”.

O mundo dos velhos, de todos os velhos, é de modo mais ou menos intenso, o mundo da memória. Dizemos: afinal, somos aquilo que pensamos, amamos, realizamos. E, eu acrescentaria somos aquilo que lembramos. Além dos afetos que alimentamos, a nossa riqueza são os pensamentos que pensamos, as ações que cumprimos, as lembranças que conservamos e não deixamos apagar e das quais somos o único guardião (BOBBIO, 1997, p 37).

A integração em atividades coletivas que preencham o tempo do idoso, como a participação em grupos religiosos, de convivência, cursos de dança, corais, artes cênicas ou manuais, são verbalizados como formas de inclusão social na velhice, formando uma espécie de rede informal de suporte social (SIQUEIRA, 2007) voltada para o lazer e entretenimento dos idosos “[...] tenho procurado preencher meu tempo e minha mente, eu participo de corais, gosto de música, faço trabalhos manuais, vou à igreja encontrar com meu Deus, não gosto de me sentir inútil, não quero ficar parada [...]”. Entretanto, em sua maioria os relatos

contemplam a inquietude, o receio em encarar o futuro e a associação da velhice a aspectos negativos como doenças e/ou debilidades físicas, “[...] é estranha a sensação de estar perto

de ir embora, me sinto doente, se você pensar é muito angustiante [...]” ou “[...] pra mim a vida perdeu o sentido, a velhice pra mim é solidão, é doença [...]”.

A forma distorcida como parte da sociedade encara a velhice, também é incorporada nas narrativas dos depoentes ao demonstrarem-se intimidados e/ou constrangidos em externalizar suas vontades, anseios e desejos íntimos, resignando-se as exigências socialmente estabelecidas de um comportamento contido, sutil, sensato, discreto, sóbrio, ou seja, “coerente” com sua idade. O receio da repreensão “velha enxerida que não se enxerga”, de ser tachado de maneira depreciativa, funciona como um modo dissimulado de coação ao idoso, constituindo-se em violência simbólica.

Se os velhos manifestam os mesmos desejos, os mesmos sentimentos, as mesmas reivindicações que os jovens, eles escandalizam, devem dar o exemplo de todas as virtudes. A imagem deles é a do sábio rico em experiência e venerável; se dela se afastam, caem no outro extremo: a imagem que se opõe a primeira é a do velho louco que caduca e delira (BEAUVOIR, 1990, p.10).

Em relatos como “[...] olho esses jovens com a vida toda pela frente e me bate uma inveja, uma saudade da época em que eu sentava com tudo [...]” e “[...] com as rugas que vejo no meu rosto, já não me reconheço mais, sou eu essa pessoa que se encontra aqui na frente do espelho? Pra onde foi minha mocidade? [...]”, reafirma-se a repercussão na vida

dos idosos da estetização da vida social, ou seja, do culto ao corpo numa sociedade que valoriza excessivamente a imagem e a estética. A inibição provocada por ter que conviver com um processo inevitável de mudanças físicas, corporais e os estereótipos de um corpo velho, revelam seu impacto na auto-aceitação do individuo e na socialização do idoso.