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4 FACES DA VIOLÊNCIA: DESVENDANDO UMA REALIDADE DE

4.2 Notas sobre os casos de maus-tratos

Num olhar panorâmico, podemos observar pontos em comum nas histórias de violência apresentadas, todas envolvem conflitos referentes a disputas de poder, força e autoridade, que se traduzem na linguagem da dominação versus submissão, presente nas

relações interpessoais e intergeracionais. O cenário circunscrito nos leva a reflexão de que numa sociedade capitalista, onde o status social é condicionado pelo rendimento do indivíduo, a exclusão do idoso do processo produtivo, restringe a imagem da velhice a de sinônimo de improdutividade, levando a perda ou restrição do papel social do idoso na família, função que consequentemente passa a ser delegada ou disputada por outros membros do núcleo familiar.

Pesquisadores como Arendt (1994) buscam explicar a complexidade do binômio poder-violência como termos que se opõem, considerando que na medida em que o poder se desintegra, é o temor em perdê-lo, o principal impulsionador da violência, de modo que a violência surge quando o poder está sendo ameaçado. Na visão da autora violência e agressão não se constituem como algo legítimo, como um comportamento natural do ser humano, mas enquanto uma representação de estratégias provenientes das disputas pelo poder.

Poder e violência são opostos: onde um domina absolutamente, o outro está ausente. A violência aparece onde o poder está em risco, mas deixada a seu próprio curso, ela conduz a desaparição do poder (...) A violência pode destruir o poder; ela é absolutamente incapaz de criá-lo(...) (ARENDT, 1994, p.44).

Outro ponto a ser considerado é que as alterações biofisiológicas decorrentes do envelhecimento, associadas às condições socioeconômicas perfazem dos idosos de menor poder aquisitivo as maiores vítimas de violência, crescentemente predominante no seio familiar, entretanto, idosos de todos os status socioeconômicos encontram-se vulneráveis a violência que se consubstancia de formas diversas. Segundo Minayo (2005), deve-se considerar que a violência contra os idosos, manifesta-se de três formas distintas, são elas:

Estrutural: aquela que ocorre pela desigualdade social e é naturalizada nas manifestações de pobreza, de miséria e de discriminação; Interpessoal nas formas de comunicação e de interação cotidiana e Institucional, na aplicação ou omissão na gestão das políticas sociais, pelo Estado e pelas instituições de assistência, maneira privilegiada de reprodução das relações assimétricas de poder, de domínio, de menosprezo e de discriminação (MINAYO, 2005, p.15).

Bourdieu (1989), quanto à relação do sujeito ou agente social com a sociedade coloca em pauta a existência de uma violencia a qual denomina como simbólica, uma forma de violência em parte exercida com o consentimento de quem a sofre, o exercício do poder simbólico, um mecanismo que faz o homem enxergar como algo natural a si, o que na realidade são representações sociais produzidas e difundidas socialmente pelos grupos

dominantes. Destacando o poder da esfera simbólica na constituição das estruturas sociais, adverte para o caráter legitimador das forças dominantes, que expressam por meio desta sua dominação, impondo sua cultura, difundindo seus gostos e estilos de vida e levando o indíviduo a seguir os padrões ditados pelo discurso dominante (BOURDIEU, 1989).

[...] violência suave, insensível, invisível as suas próprias vítimas, que se exerce, essencialmente, pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento ou, mas precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento, ou em última instância, do sentimento. Essa relação social extraordianariamente ordinária oferece, também, uma ocasião única de apreender a lógica da dominação, exercida em nome de um princípio simbólico conhecido e reconhecido tanto pelo dominante quanto pelo dominado [...] (BOURDIEU, 1989, p. 7-8).

Desvelando as expressões da violência contra a pessoa idosa e tomando os parâmetros de Bourdieu, encontramos nas histórias apresentadas exemplos do que podemos denominar de violência simbólica, ou seja, uma violência naturalizada por parte do dominado, que não reage ou se opõe ao agressor, optando por permanecer sob seu domínio, sem enxergar-se no papel de vítima (BOURDIEU, 1989). A violência simbólica talvez seja o principal obstáculo para a identificação e denúncia aos casos de violência, em decorrência da vergonha em reconhecer, em relatar o ocorrido, como também do silêncio e indiferença impostos pela sociedade, apesar de todas as evidências da violência.

Portanto, é importante reforçar que a violência encontra-se presente nos campos social, econômico, cultural, político, religioso, educacional, dentre outros, estando associada à exclusão social, a ausência de condições adequadas de vida, a impunidade, a corrupção, ao desemprego, a desigualdade social, a violação de direitos, etc. O campo de conflitualidades vai além da dicotomia entre Estado e sociedade, se funda na existência social e pode se expressar na dinâmica familiar, através da disputa por interesses, posições, domínios, vantagens, privilégios, valores e poder, consubstanciando-se em diversas configurações da violência. “As violências” que se revelam por meio das relações de poder e força implicam na submissão do outro através de estratégias que assegurem o lugar do mais forte, expondo um jogo de relações entre dominantes e dominados. Assim, a violência social se articula com a violência intrafamiliar e doméstica, sendo seu impacto reprodutor de desigualdades, dessimetrias e danos aos envolvidos, sejam estes vítimas ou agressores.

5 RETALHOS DA VIDA: NARRATIVAS SOBRE VELHICE E

VIOLÊNCIA

Entendemos o Tempo como algo a ser combatido. Num processo agitado da chamada “civilização” contemporânea, ele se torna efêmero em seu contexto mais abrangente como um vaso de plástico a ser jogado fora. Neste ritmo, descartamos o que nos é mais precioso: o velho. É na memória do que fomos que evoluímos para um caminho que onde podemos eleger o que temos de melhor. E na humanidade é o idoso quem tem em seu corpo, guardados as histórias e os aprendizados que nos conduziram até o presente.

(Danilo dos Santos Miranda, 2007)