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3.  CAPÍTULO II CONTORNOS NORMATIVOS NACIONAIS E

3.4 O Estatuto da Cidade e as políticas habitacionais 64

3.4.5 Concessão de uso especial para fins de moradia 73

Conquanto o direito de uso especial para fins de moradia tenha sido originariamente vetado no Estatuto da Cidade pelo Presidente da República, vale anotar que o instituto ora focalizado fora instituído mediante Medida Provisória - MP 2.220/2001-, possuindo função de destaque na regularização fundiária de terras públicas. Os requisitos para outorga do direito de uso especial para fins de moradia estão previstos no art. 1º da referida MP, que assim prevê:

Art. 1º - Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.

Da exegese do dispositivo reproduzido, vê-se que o uso especial para fins de moradia constitui direito daquele que possua como seu, para fins de moradia, por cinco anos ininterruptos e sem oposição, imóvel público urbano de até duzentos e cinquenta metros quadrados. Adicionalmente, prevê um requisito negativo, a saber, não pode o beneficiário do direito de uso especial para fins de moradia ser proprietário ou concessionário de outro imóvel urbano ou rural.

Não há dúvidas de que o direito de uso especial para fins de moradia constitui importante ferramenta no âmbito das políticas habitacionais, na medida em que possibilita a regularização fundiária daqueles que ocupam terras públicas clandestinamente e lá constroem irregularmente as suas habitações. Sucede que o então Presidente da República, ao editar a aludida Medida Provisória, instituiu uma discriminação ilegítima ao dispor que somente fazem jus ao direito de uso para fins de moradia aqueles que demonstrem a posse do imóvel, por cinco anos, até 30 de junho de 2001.

O Chefe do Executivo Federal limitou a concessão do direito de uso especial para fins de moradia apenas aqueles que possuíam como seus imóveis públicos urbanos desde, no mínimo, o dia 30 de junho de 1996. A discriminação não possui motivo justificante razoável e, por ilação consequente, revela-se ilegítima. Esse caráter ilegítimo do marco temporal final estabelecido na Medida Provisória não passou despercebido por Regis Fernandes de Oliveira (2005), segundo quem a fixação de data-base para a demonstração do prazo necessário à aquisição do direito de uso especial para fins de moradia representa um tratamento discriminatório indevido, tratando-se de forma diferente pessoas que se encontram em situações semelhantes.

Cônscio da situação envolvendo a ocupação de terrenos públicos irregulares que não estão aptos a garantir a segurança das edificações em si construídas, o Presidente da República, ao expedir a citada Medida Provisória, previu que, no caso de a ocupação acarretar risco à vida ou à saúde dos ocupantes, o Poder Público garantirá ao possuidor o exercício do direito de uso para fins de moradia em outro local (art. 4º). Aqui, importa ressaltar a importância do manejo conciliado do direito de uso especial para fins de moradia com ZEIS, para onde poderá ser transferida a população ocupante de terrenos públicos inaptos a garantir a segurança das edificações.

Assim, em extensão ao articulado nos parágrafos anteriores, impende destacar que o direito de uso para fins de moradia é concedido àquele que possua como seu não apenas bens públicos dominicais que estejam desafetados, mas também a ocupação de bens públicos de uso comum do povo e bens públicos de uso especial. A esse propósito, prevê o art. 5º da mesma Medida Provisória que o Poder Público poderá conceder o direito de uso para fins de moradia em local diverso daquele em que o beneficiário mantém posse, nos casos em que este bem: a) seja de uso comum do povo; b) se destine a projeto de urbanização; c) seja de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental e da proteção dos ecossistemas naturais; d) seja reservado à construção de represas e obras congêneres; e) se situe em via de comunicação (art. 5º, incisos I a V).

Nos termos dispostos no art. 7º dessa Medida Provisória, concedido o direito de uso especial para fins de moradia, o seu beneficiário poderá aliená-lo por ato entre vivos ou causa mortis. Trata-se, aqui, de importante garantia concedida ao beneficiário do direito de uso especial para fins de moradia, seja para a proteção da entidade familiar, assegurando a transmissão causa mortis deste direito, seja para o fomento da melhoria da qualidade de vida decorrente do fato de o beneficiário poder galgar melhores condições habitacionais por meio de alienação por ato entre vivos. Frise-se que o direito de uso especial para fins de moradia será extinto na eventualidade de o beneficiário outorgar ao imóvel fins diversos da sua moradia e de sua família, ou se o beneficiário adquirir outra propriedade imobiliária ou a concessão de uso de outro imóvel urbano ou rural (art. 8º).

No que diz respeito à natureza jurídica do instrumento ora focalizado, deve-se destacar que, a despeito de o instituto em questão possuir a mesma denominação de instituto congênere do direito administrativo (uso), deste diverge substancialmente, sobretudo em razão do caráter vinculado do ato por meio do qual o Poder Público concede o direito de uso especial para fins de moradia.

Com efeito, diversamente do que se observa no instituto regido pelo Direito Administrativo, o uso especial para fins de moradia, conquanto de natureza contratual, constitui direito do beneficiário que comprove o preenchimento dos requisitos previstos na Medida Provisória 2.220/2001, já referida. Neste sentido, esclarecedor o dizer de Regis Fernandes de Oliveira (2005, p. 81):

Na hipótese ora prevista, haverá um contrato na essência, mas de aderência obrigatória, isto é, a administração pública não pode recursar-se a firmá-lo. Reconhecidos os elementos fáticos já mencionados, será inevitável a expedição do contrato, que assemelhar-se-á ao contrato de adesão, uma vez que garantirá o uso do imóvel pelo concessionário, obrigará o concedente a respeitar a posse e fixará normas para eventual retomada.

Não obstante o caráter vinculante do uso especial para fins de moradia, avulta anotar que a concessão de uso para fins comerciais constitui uma faculdade do Poder Público, nos termos do art. 9º dessa Medida Provisória. Assim, no que tange ao suprimento do déficit habitacional, é importante sublinhar que os contratos de concessão de uso especial para fins de moradia, celebrados no âmbito de programas e projetos habitacionais de interesse social, desenvolvidos pelo Poder Público nessas áreas específicas, terão caráter de escritura pública e constituirão título de aceitação obrigatória em garantia de contratos de financiamento imobiliário, a teor do disposto no art. 48, caput e incisos I e II, do Estatuto da Cidade.

Trata-se de previsão normativa de grande importância para o enfrentamento do déficit habitacional brasileiro, na medida em que os beneficiários do direito de uso especial para fins de moradia ostentarão uma situação jurídica que lhes garantirá contrair financiamentos imobiliários para a edificação e/ou reforma das moradias instaladas nos imóveis públicos. Daí se concluir que o direito de uso especial para fins de moradia constitui, ao lado dos demais instrumentos contemplados no Estatuto da Cidade, importante ferramenta a ser manejada no âmbito do planejamento político com vistas à regularização fundiária e ao equacionamento do problema habitacional enfrentado na presente dissertação.