• Nenhum resultado encontrado

3.  CAPÍTULO II CONTORNOS NORMATIVOS NACIONAIS E

3.3 Direito à moradia no plano normativo nacional 61

Delineada a moldura internacional do direito à moradia, passa-se à análise do quadro normativo do Estado brasileiro, observando-se que a moradia digna, dado o valor fundante do sistema jurídico nacional, constitui direito fundamental social explicitamente consagrado no art. 6º da Carta Política de 1988, segundo o qual o reconhecimento da fundamentalidade do direito à moradia impõe a obrigação subsequente de operacionalização prática das condições necessárias à sua fruição. A esse respeito, deve-se salientar as observações lançadas no capítulo anterior no que concerne à força vinculante das normas programáticas, cuja repetição no presente trabalho revela-se despicienda.

Em adição, e enfocando o aspecto político-administrativo do direito à moradia, destaque-se que, nos termos do art. 23, IX, da Constituição Federal, a obrigação de promover o direito à moradia constitui competência comum da União, Estados e Municípios, que deverão implementar programas habitacionais, de saneamento e de melhorias urbanas. Nesse sentido, como forma de efetivar o direito à moradia, ainda que em termos gerais, mercê da função própria do texto constitucional, o constituinte de 1988 preceitua, no art. 182, que a política de desenvolvimento urbano, a ser executada pelo Poder Público Municipal, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

Sobre o tema, expõe Alexandre Veronese (2009) que a implementação do direito à moradia tem assento constitucional na previsão dos instrumentos relacionados ao desenvolvimento da política urbana, contemplados nos artigos 182 e seguintes da Constituição de 1988, sem prejuízo das previsões constitucionais atinentes às políticas

agrícola, fundiária e da reforma agrária. Assim, a política de desenvolvimento urbano possui base constitucional e deve ser orientada à garantia do bem estar dos habitantes das cidades, por isso é preciso destacar a importância do Município como gestor e agente responsável pela implementação das políticas públicas correspondentes.

O presente trabalho, embora enfoque preponderantemente o papel dos Municípios no que tange às políticas públicas habitacionais, não descarta que os demais entes federativos possuam papel de somenos importância, especialmente no que tange à relevante função do governo federal, dado o desenho federativo brasileiro, no contexto do financiamento das atividades municipais nos campos da urbanização e da concretização do direito à moradia.

A ascensão do ente municipal no campo do desenvolvimento urbano fora registrada por Raquel Rolnik e Jeroen Klink (2011) ao destacarem que, diversamente do que se verificou nos anos de 1980, quando prevalecia o modelo centralizado de política de desenvolvimento urbano, ganhou espaço com a atual Constituição a pauta municipalista no cenário das políticas urbanas. Assim, partindo-se da importância dos Municípios no incremento do desenvolvimento urbano, dispõe o 182, § 1º, da Constituição Federal, que o Plano Diretor, instrumento criado por meio de Lei Municipal, constitui o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (art. 182, § 1º).

Com efeito, pode-se afirmar que o Plano Diretor ostenta o caráter de Constituição do desenvolvimento urbano, porquanto represente o vetor normativo responsável pela definição das bases estruturais do crescimento das cidades, bem como das metas urbanísticas a serem perseguidas por intermédio das políticas públicas municipais, além de influenciar a conduta dos particulares em face dos aspectos urbanos da cidade.

No dizer de Hely Lopes Meirelles (1996, p. 404), o Plano Diretor “estabelece as prioridades nas realizações do governo local, conduz e ordena o crescimento da cidade, disciplina e controla as atividades urbanas em benefício do bem-estar social”. De igual modo, segundo Regis Fernandes (2005), o Plano Diretor é responsável pela disciplina do crescimento da cidade, planejando o seu desenvolvimento habitacional, comercial e industrial e estabelecendo as medidas necessárias à garantia da mobilidade urbana, a fim de consolidar as condições necessárias para uma cidade sustentável. Neste norte, Elida Séguin (2002, p. 67) aduz que:

O Plano Diretor é o documento inicial básico, como uma primeira visão integrada das questões inerentes ao desenvolvimento, consubstanciada num conjunto de normas que devem estar em constante mutação para atingir a finalidade a que se propõe, variando no tempo, evoluindo para acompanhar o crescimento e as necessidades da cidade [...].

Nessa ordem de ideias, cabe frisar que, diante da dinâmica da realidade social inerente à cada municipalidade, torna-se necessário o acompanhamento desta por parte do Plano Diretor, que deverá ser revisto, pelo menos, a cada dez anos, nos termos do art. 40, § 3º, do Estatuto da Cidade. Ao lado do acompanhamento normativo decorrente da necessidade de reforma progressiva do texto legal, há que se destacar a importância da participação popular na elaboração do Plano Diretor e na fiscalização de sua implementação, mediante audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da sociedade, a teor do que dispõe o art. 40, § 4º, I, do Estatuto da Cidade.

Conclui-se, em síntese, que o Plano Diretor consubstancia o vetor normativo do crescimento sustentado dos Municípios, revelando-se de fundamental importância no projeto habitacional a ser articulado em cada cidade, sendo estas, pois, as premissas constitucionais e legais em que se assentam as funções políticas dos Municípios no que concerne ao adimplemento do dever-ser relacionado à concretização do direito à moradia: trata-se do ente federativo responsável pela política de desenvolvimento urbano, a ser operacionalizada por intermédio de instrumento jurídico no âmbito do qual estarão predispostas as normas políticas com base nas quais serão executadas as políticas públicas habitacionais.

Denotando a importância do Município no cenário das políticas públicas, pondera João Pedro Schimdt (2008) que, em razão do desenho federativo previsto na Constituição Federal de 1988 e da crise de financiamento do Estado Nacional, os governos locais estão incumbidos da execução das políticas públicas necessárias ao incremento da qualidade de vida da população.

O Estatuto da Cidade surgiu neste panorama normativo-constitucional como instrumento responsável pela regulamentação do art. 182 da Constituição Federal, sendo nele estabelecidas as diretrizes gerais da política urbana. A esse propósito, preleciona Maria Paula Dallari Bucci (2006) que o art. 182 da Constituição Federal fixa a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei.

À luz da conceituação de normas políticas apresentada no capítulo anterior, pode-se afirmar que o Estatuto da Cidade constitui norma política de grande importância para o projeto de desenvolvimento habitacional, especialmente em razão de contemplar os objetivos e instrumentos da política urbana. Sobre o tema, Letícia Osório (2013) expõe as seguintes inovações contempladas no referido diploma legal: a) a consolidação de um novo marco jurídico relativo à propriedade urbana; b) a instituição de instrumentos destinados a estabelecer uma ordem socialmente justa e inclusiva pelos municípios; c) a garantia da gestão

democrática das cidades e d) a previsão de instrumentos de regularização fundiária dos assentamentos informais.

Por sua vez, Helano Márcio Vieira Rangel (2009) afirma que as ações do Estado no campo urbanístico devem se legitimar a partir de uma perspectiva social, pelo que prevê o Estatuto da Cidade diversos instrumentos a fim de viabilizar a referida legitimação, a saber: a) Zona Especial de Interesse Social - ZEIS; b) a concessão de direito especial de uso para fins de moradia; c) usucapião especial urbana; d) usucapião coletiva; e) regularização fundiária; e f) gestão democrática participativa. Todos esses instrumentos são contemplados no art. 4º do Estatuto da Cidade.

Acerca da importância finalística desse instituto, é preciso dizer que, ao dispor sobre os processos de uso, desenvolvimento e ocupação do território urbano, ele impõe para a cidade e a propriedade novo significado e alcance, vez que, em atenção aos ditames constitucionais aplicáveis, deverão estas atender a funções sociais quanto ao acesso, utilização e distribuição de suas riquezas e possibilidades (OSÓRIO, 2013). Assim é que para os fins da presente dissertação importa trazer à colação os aspectos normativos do Estatuto da Cidade que têm aplicação preponderante no campo das políticas habitacionais, realizando-se o devido aprofundamento analítico em face deles.