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4.  CAPÍTULO III POLÍTICAS HABITACIONAIS NO BRASIL 84 

4.3 Governo Collor 105

Delineados os aspectos positivos e negativos da política habitacional do governo militar, e registrada a inexistência de modificações substanciais no panorama do governo Sarney, cabe anotar que o Governo Collor patrocinou medida política polêmica consistente no bloqueio dos valores constantes nas cadernetas de poupança pelo período de 18 meses, com graves repercussões no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação (BONATES, ibid.).

Inserido nos debates ideológicos e políticos de defesa do modelo neoliberal, deve-se destacar que o Governo Collor foi marcado pelo direcionamento da política habitacional para o incremento de financiamentos voltados para os agentes privados (BONATES, 2009). Corroborando essa assertiva, assevera Ângela Gordilo-Souza (2000) que a Caixa Econômica Federal, no período do Governo Collor, direcionou os seus empréstimos de forma preponderante em favor das empresas de construção, sem qualquer participação do poder público, especialmente na concessão da infraestrutura necessária à execução dos projetos imobiliários, circunstância que “elevou os custos dos projetos, estreitando o consumo para faixas de renda baixa”. Frente ao quadro descrito, arremata a autora que “os demais programas para faixas de renda menores foram pouco efetivos e voltados para um atendimento clientelista” (GORDILO-SOUZA, 2000, p. 58).

No cenário macroeconômico, considerando que o Governo Collor centrou força no controle do crescimento inflacionário, observa-se que os programas sociais relacionados à questão da moradia não receberam a devida importância deste governo, sendo postergados para um segundo momento, em nítida contradição às promessas feitas no período de campanha eleitoral (RIBEIRO; AZEVEDO, 1996).

Além de não propor medidas específicas para o suprimento do déficit habitacional da população de baixa renda, importa anotar que o Governo Collor foi marcado pela manutenção do clientelismo, pelo favorecimento da população de renda mais elevada e por patrocinar política habitacional divorciada das necessárias intervenções nas áreas de saneamento e desenvolvimento urbano. A esse respeito, adverte Sérgio de Azevedo e Luiz César de Queiroz Ribeiro (1996) que o governo Collor, sob a direção do Ministério da Ação Social, efetuou a alocação das unidades construídas mediante critérios aleatórios, não respeitando a distribuição estabelecida pelo Conselho Curador do FGTS.

Do ponto de vista institucional, as políticas habitacionais do governo Collor, financiadas exclusivamente por recursos do FGTS, estiveram sob a responsabilidade da Secretaria Nacional de Habitação, vinculada ao Ministério da Ação Social (BONATES, 2009). Data do governo Collor o lançamento do Plano de Ação Imediata para a Habitação – PAIH, com a finalidade de promover o financiamento de 245 mil habitações em 180 dias, mediante recursos exclusivos do FGTS, com juros de 3,5% e 5,5% ao ano para o mutuário final, tendo como beneficiárias famílias com renda média até 5 salários mínimos (RIBEIRO; AZEVEDO, 1996).

Malgrado o plano em questão apresentasse números ambiciosos em termos de construção de moradias de interesse social, a avaliação de seus resultados denuncia que o prazo inicialmente estimado foi prorrogado por até 18 meses. Ademais, em razão da chaga do clientelismo que caracterizou o governo Collor, o Plano ora focalizado não atingiu os percentuais de alocação de recursos definidos pelo Conselho Curador do FGTS, implicando na manutenção de exclusão da população mais necessitada de intervenções públicas na área habitacional e urbana, denotando, em última análise, a inexistência de discussão substancial acerca das necessidades de reestruturação do Sistema Financeiro de Habitação (RIBEIRO; AZEVEDO, ibid.).

Ainda sem enfrentar problemas que assolavam a política habitacional desde o governo militar, que compreendem inflação galopante, ineficácia social com exclusão da população mais necessitada, crise financeira do sistema, dificuldade de retorno dos recursos investidos e inadimplemento sistemático, em 1991 o governo Collor lança mão de medida consistente na possibilidade de quitação da unidade habitacional financiada mediante o pagamento de metade do saldo devedor ou por meio do adimplemento das mensalidades remanescentes sem juros e correção.

Constata-se, pois, que o governo federal conduzido por Fernando Collor de Melo promoveu, uma vez mais, a concessão de subsídios substanciais sem observar o necessário

caráter equânime que deve nortear as atividades estatais em geral, e as atividades de concessão de subsídio, em especial. Como resultado desta medida, e considerando que o número de mutuários era formado, em sua maioria, pela população de rendas média e alta, assiste-se a mais uma concessão de privilégio em favor da minoria. Essa a conclusão de Luiz Ribeiro e Sérgio de Azevedo, ao afirmar que “boa parte dos mutuários de classe média lograram liberar seus imóveis, por preços bastante acessíveis” (RIBEIRO; AZEVEDO, 1996, p. 85).

A tônica do clientelismo e do favorecimento que campeavam no período político em análise não passou despercebida por Mariana Fialho Bonates (2009, p. 50), para quem “[...] a maioria dos programas dessa gestão baseou-se na busca por uma maior eficácia no sistema financeiro e, portanto, automaticamente excluiu a parcela da população que não tinha capacidade de pagamento, ou seja, aquela de menor poder aquisitivo”.

Excluída da política habitacional formal, a população carente mantêm-se vivendo sob cortiços e favelas, auto empreendendo a construção de sua moradia no mercado informal (BONATES, 2009). Nabil Bonduki (2008) não diverge dessas observações, ratificando a ilegitimidade social das medidas adotadas pelo Governo Collor no campo habitacional tendo sublinhado, a esse propósito, a repercussão de tais medidas na principal fonte de custeio das políticas públicas habitacionais, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Segundo esse autor, os equívocos das políticas públicas patrocinadas por este governo, as quais são ainda impingidas por suspeitas de corrupção, implicou a suspensão de financiamentos habitacionais com lastro nos recursos do FGTS entre os anos de 1991 e 1995(BONDUKI, 2008).

Diante da paralisação dos financiamentos habitacionais com base na principal fonte de custeio do sistema, o FGTS, Municípios, Estados e a própria União passaram a patrocinar políticas de habitação, divorciadas de uma intervenção global no campo urbano, de forma pontual e desarticulada, lastreando-se em fontes alternativas, em especial os seus próprios recursos orçamentários (BONDUKI, ibid.).

À luz dos contornos históricos traçados nas linhas anteriores, observa-se que o Governo Collor representa a manutenção do inadimplemento do Estado brasileiro no que diz respeito à obrigação constitucional de realizar o planejamento sustentável e implementar as políticas públicas necessárias à concretização do direito à moradia, configurando a inobservância das normas constitucionais vinculantes que contemplam o projeto de desenvolvimento social e a melhoria da qualidade de vida da população carente, devendo esta crise de efetividade constitucional ser solucionada com a mudança de postura por parte do governo brasileiro.

Pode-se concluir que o Governo Collor, para além de não encaminhar respostas aos problemas sociais e econômicos que circundavam o déficit habitacional no Brasil, foi marcado por práticas de duvidoso caráter ético, com sistemáticas acusações de práticas de corrupção e clientelismo, não apresentando planejamento estratégico para o enfrentamento do tema em questão, bem assim omitindo-se no estabelecimento de política nacional de habitação, em cujo âmbito o atendimento à população de baixa renda e intervenções urbanas multifacetadas devem constituir prioridade absoluta e pauta primordial da agenda do Estado brasileiro.