• Nenhum resultado encontrado

O processo de fiscalização realizado pelo Tribunal de Contas da União nas concessões de serviços públicos, que decorre de uma assunção de competência determinada pelo próprio TCU, atualmente está normatizado em três Instruções Normativas: IN 27/98, IN 46/2004 e IN 52/2007.

É interessante perceber como o processo de interpretação da Constituição Federal realizada pelo TCU criou um procedimento de controle nos processos de desestatização iniciados na década de 90. Fato é que, atualmente, a participação do TCU na aprovação das modelagens e dos editais das concessões é mandatória.

Cronologicamente a participação do TCU nos processos de desestatização ocorre desde o início da implementação do Programa Nacional de Desestatização -PND, instituído pela Lei 8.031/90. Nessa época, o referido programa tinha como responsáveis o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, Ministérios Setoriais e outros órgãos de governo.

O PND refletia a decisão de reposicionamento do estado brasileiro, que promoveu o afastamento estatal das atividades econômicas e da prestação direta dos serviços públicos. O resultado desse movimento foi a criação de entidades independentes e imparciais com o objetivo de promover a regulação dos setores agora operados pela iniciativa privada.

A decisão de retirada do Estado do controle de empresa e das sociedades de economia mista por meio de desestatização e outorga de novas concessões requereu a criação de entidades com função de regular e fiscalizar os serviços e atividades reguladas.

Esses entes são as agências reguladoras, que tem como missão ser um terceiro neutro entre o governo, usuário e concessionário. Entre as atribuições dessas autarquias especiais, está a competência de estruturar as concessões de serviços públicos. Ocorre que o processo de estruturação de concessões sempre foi acompanhado pelo TCU, que se autodefiniu como responsável pela aprovação do processo de outorga e acompanhamento da execução contratual, tendo ainda editado normas internas que disciplinam seu processo de fiscalização.

Assim, junto com a criação das agências reguladoras, surge a discussão sobre a necessidade de preservar sua autonomia decisória e, por consequência, a proposição de limites ao controle dos seus atos administrativos por outros entes públicos.

A proposição desses limites não é pacificada no campo doutrinário, inexistindo consenso sobre a possibilidade de controle das atividades-fim das agências pelo TCU. Tendo em vista a ausência de um delimitador claro para a questão, analisou-se a jurisprudência do TCU sobre possíveis limites para sua atuação. A conclusão foi que o discurso adotado pela Corte de Contas é sempre no sentido de preservar o espaço decisório dessas autarquias especiais.

Adotou-se neste trabalho, como pressuposto de análise, que a discricionariedade das agências deve ser preservada, devendo haver controle pelo TCU apenas no caso de ilegalidade ou omissão por parte do ente regulador.

Ocorre que, na prática, essa preservação do espaço decisório da agência, apesar de conceitualmente reconhecido, inclusive pelo TCU, pode não ser efetivamente respeitado nos processos de concessão de serviços públicos.

O ponto seguinte foi analisar como vem ocorrendo a fiscalização do TCU nos processos de concessão de serviços públicos. Para tanto, foram analisados quarenta acórdãos do TCU, referentes a todos os processos de concessão que tiveram contratos assinados nos seguintes modais logísticos: rodovias, portos e aeroportos. A intenção foi avaliar a atuação do TCU de forma sistemática e verificar, na prática, como vem sendo realizada a sua fiscalização nos processos de concessão, especialmente em matérias regulatórias.

Ainda com base na análise nos acórdãos, percebe-se que o TCU verifica minuciosamente detalhes dos projetos, no intuito de garantir a economicidade, transparência e garantia da concorrência nos certames. Outra observação importante é que as interpretações da legislação feitas pelo TCU são, em geral, bem restritas, o que limita inovações por parte das agências reguladoras. Foi definida, ainda, uma classificação por tipo de decisão para que fosse possível estabelecer quais matérias seriam fiscalizadas pelo TCU.

A classificação proposta foi dividida em quatro tipos: a) determinações corretivas e

legais – aquelas em que são apontados erros e inconsistências nos estudos, requerem a revisão

de custos, identificam ausência de algum elemento essencial ou realizam o controle de legalidade; b) determinações educativas – objetivam melhorar a qualidade dos estudos nos

próximos projetos ou têm como objeto o desenvolvimento de determinada metodologia para melhoria regulatória pela agência, c) determinações contratuais e editalícias – estão relacionadas a questões de melhor definição ou inclusão de cláusula nos contratos de concessão e no edital, d) determinações regulatórias – estão relacionadas aos aspectos regulatórios das concessões que afetam a estrutura contratual e impõem à agência uma obrigação de fazer, inclusive como deve ser feito.

Tendo em vista que o objeto deste trabalho é a análise de intervenção regulatória, apenas o último tipo de intervenção foi detidamente explorado. No entanto, a proposta de classificação serve como ponto de partida para futuros análises acadêmicas que pretendam avaliar a forma de atuação do TCU.

Sinteticamente, em relação aos outros tipos de determinação, foi possível identificar que o maior número corresponde a aspectos corretivos, seguidos dos aspectos contratuais e educativos. Apesar de, numericamente serem a de menor quantidade, as intervenções regulatórias não podem ser tidas como irrelevantes. É exatamente sobre elas que reside o questionamento sobre os limites de atuação do TCU. Em relação aos outros tipos de intervenção, o entendimento construído nesse trabalho, é que faz parte do controle usual do TCU não havendo dúvidas sobre a sua competência.

O resultado obtido, nessa análise, foi que, em todos os modais analisados, houve interferência do TCU em matérias consideradas regulatórias. O TCU, nesses casos, impôs à agência reguladora a forma como deveria ser resolvida a questão, ou seja, determinou a solução a ser adotada. Assim, foi identificado que algumas decisões do campo discricionário das agências na estruturação de projetos, atualmente, são definidas pelo próprio TCU.

Verifica-se que a Corte de Contas possui papel duplo: o de o julgador e ao mesmo tempo o de responsável por definir os limites de sua atuação. Em outras palavras, quem define o que é assunto de caráter decisório das agências é o próprio TCU.

Tendo em vista que a jurisdição do TCU é definida por ele mesmo, em caso de descontentamento com a decisão tomada, cabem às agências reguladoras dois caminhos: o recurso para o próprio TCU ou interposição de ação do Supremo Tribunal Federal – STF. Não foi identificada a utilização de recurso à Corte Constitucional.

Em relação à utilização de recursos para o próprio TCU, foram identificados pedidos de reexame para dois casos no setor rodoviário e um caso no setor portuário.

O pedido de reexame do setor portuário é o mais emblemático, pois tinha como discussão a necessidade de estipulação de tarifa-teto para todos os terminais portuários que seriam licitados. Na avaliação do TCU, a estipulação era essencial para evitar, por parte do concessionário, a estipulação de preço abusivos. Por sua vez a ANTAQ argumentava a desnecessidade de tal previsão, tendo em vista a existência de concorrência e a verticalização da cadeia produtiva. Para a agência, a regulação e tarifa-teto seria dispendiosa e traria custos regulatórios desnecessários.

Nesse processo, após intenso debate na Corte de Contas, deliberou-se no sentido de que a decisão sobre a necessidade de imposição e tarifa-teto nos terminais arrendados seria do poder concedente.

Esse caso demonstra que ocorrem intervenções em matérias regulatórias e que, em algumas vezes, o recurso é exitoso. Tendo em vista a ausência de critérios externos, como decisões judiciais, para a definição de quais seriam os limites de atuação do TCU, a palavra final acaba sendo do TCU.

Assim, mesmo que existam limites doutrinários sobre a impossibilidade de o TCU intervir em questões regulatórias, e ser essa a posição adotada no discurso pelo TCU, se não houver o reconhecimento no caso concreto, pela Corte de Contas, de que determinada matéria é regulatória, a decisão final será sempre sua.

Como proposta de solução para esse problema, aponta-se como possível a utilização do argumento da capacidade institucional, que teria o condão de definir, com base nas habilidades e deficiências das instituições, aquela que teria maior capacidade de dar a resposta mais adequada ao problema.

Essa teoria tem como premissa a utilização de dados reais das instituições, para que, nos casos em que ocorrem sobreposição de atribuições, seja dada uma resposta baseada em dados empíricos. Utilizando-se o argumento da capacidade institucional, a definição deixa de ser conceitual e baseada em suposições, ou mesmo em critérios não passíveis de comprovação na realidade. Trata-se de uma ferramenta válida para avaliar as instituições dentro do cenário institucional em que estão inseridas.

Esse trabalho teve como objetivo contribuir no debate da interação entre o TCU e as agências reguladoras, por meio de uma avaliação empírica de como vem ocorrendo a fiscalização da Corte de Contas nos processos de desestatização.

A ideia principal foi avaliar se ocorre intervenção do TCU em matérias regulatórias. Existem nesse campo dúvidas se teria esse Tribunal a competência para definir essas questões ou se estariam elas blindadas do seu controle.

Fato é que o TCU vem intervindo em matérias regulatórias, cabendo-lhe inclusive decidir o que seria do campo decisório das agências reguladoras. Espera-se que esse trabalho sirva de base para novas pesquisas sobre o tema. Fica disponível para tanto a sistematização dos dados de todas as concessões nos modais rodoviário, portuário e aeroportuário, cujos processos tiveram contrato assinado.