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4. ANÁLISE EMPÍRICA DA FISCALIZAÇÃO DO TCU NOS MODAIS LOGÍSTICOS

4.4 Setor Rodoviário

4.4.1 Contextualização do Setor Rodoviário

Antes de iniciar a análise das decisões, cabe fazer uma breve contextualização do setor rodoviário, trazendo alguns dados relevantes e explicando as funções dos seus principais atores. No Brasil, 61% das cargas transportadas são deslocadas por meio de rodovias, que somam 61 mil quilômetros de vias federais pavimentadas. Desde o início da escolha pelo escoamento de carga por esse modal, a matriz de transporte brasileira tem se mantido desequilibrada, com larga vantagem para esse modal, cujos custos, muitas vezes, superam aqueles apresentados por outros79.

As primeiras concessões de trechos rodoviários ocorreram na década de 1990, justificadas pela escassez de recursos públicos para investimentos no modal rodoviário, concomitante à deterioração da malha rodoviária nacional. Em 1993, foi criado o Programa de Concessões de Rodovias Federais (Procrofe). Esse programa estava em sintonia com o Programa Nacional de Desestatização (PND), tendo sido concedidos, inicialmente, os trechos da BR-116/RJ/SP (São Paulo – Rio de Janeiro), da BR-101/RJ (Ponte Rio-Niterói), da BR-040/ MG/RJ (Rio de Janeiro – Juiz de Fora, da BR-116/RJ (Rio de Janeiro – Teresópolis) e da BR- 290/RS (Porto Alegre – Osório). Com extensão total de 868,7 km, alguns desses trechos já haviam sido, inclusive, pedagiados pela União anteriormente80.

O setor de rodovias foi o precursor nas concessões de serviços públicos. Mesmo antes da existência da lei 8.987/95, que traria as diretrizes gerais para a concessão, o extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) já promovia licitações para conceder trechos rodoviários. Existem atualmente 20 concessões de rodovias com contratos em vigor81, totalizando 9.344,8 km, sendo cinco concessões contratadas pelo Ministério dos Transportes, entre 1994 e 1997, uma pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, em 1998, com posterior

79 Rodovias Brasileiras: gargalos, investimentos, concessões e preocupações com o futuro. IPEA. Livro 6.

Volume 1. 2010 Pg. 407

80 TCU. disponível em:

<http://portal.tcu.gov.br/data/files/C2/75/07/33/DFC1E4104E3AC1E41A2818A8/TRANSPORTE_Concess%C3 %B5es%20%20Rodovi%C3%A1rias%201%C2%AA%20Etapa_web.pdf>

81 A BR 153/MT, que era administrada pela Galvão Rodovia, teve sua caducidade declarada em pelo Decreto

Convênio de Delegação das Rodovias denunciado e o contrato sub-rogado à União em 2000 , oito concessões referentes à segunda etapa - fases I (2008) e II (2009), uma concessão referente à terceira etapa – fase II (2013) e, por fim, sete concessões pertencentes à fase III (2013-2015) da terceira etapa82.

Institucionalmente, o setor rodoviário é estruturado com os seguintes atores: Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil (MTPA), Agência Nacional de Transportes Terrestres, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), Empresa de Planejamento Logístico (EPL). O MTPA é o responsável pela definição das políticas públicas setoriais, bem como pela aprovação do Plano de Outorga para a concessão de determinado trecho rodoviário. Cabe ainda ao Ministério a formulação, coordenação e supervisão das políticas nacionais para o setor, a participação no planejamento estratégico, a elaboração de diretrizes para a sua implementação e a definição das prioridades dos programas de investimentos83. O DNIT é uma

autarquia federal vinculada ao Ministério dos Transportes, criada pela Lei 10.233, de 5 de junho de 2001, em substituição ao antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, com o objetivo de implementar a política de infraestrutura do Sistema Federal de Viação, compreendendo sua operação, manutenção, restauração ou reposição, adequação de capacidade e ampliação mediante construção de novas vias.84 Apesar de não ser um órgão diretamente

vinculado à concessão rodoviária, o DNIT tem o papel de manter e operar as vias federais. Em alguns contratos de concessão, cabe ao Departamento fazer investimentos em determinados trechos rodoviários, como duplicação, por exemplo.

A ANTT, criada pela Lei 10.233, de 5 de junho de 2001, é a agência reguladora responsável pela regulação e supervisão do setor rodoviário. Tem atribuições relevantes no que se refere às concessões, especialmente as seguintes: (i) propor ao Ministério dos Transportes, nos casos de concessão e permissão, os planos de outorgas; (ii) editar atos de outorga e de extinção de direito de exploração de infraestrutura e de prestação de serviços de transporte terrestre, celebrando e gerindo os respectivos contratos ; (iii) administrar os instrumentos de outorga para exploração de infraestrutura e prestação de serviços de transporte terrestre já celebrados antes da vigência desta Lei; (iv) realizar a revisão e o reajuste de tarifas dos serviços prestados; (v) fiscalizar a prestação dos serviços e a manutenção dos bens arrendados.

82 <http://www.antt.gov.br/rodovias/Concessoes_Rodoviarias.html>. Acessado em 11/09/2017 83 <http://transportes.gov.br/politica-de-transportes.html>

Outro ator no processo de concessão rodoviárias é a EPL. Criada inicialmente para ser a representante da União na gestão do Trem de Alta Velocidade entre o Rio de Janeiro e São Paulo, a empresa mudou sua forma de atuação, tendo atualmente papel relevante nos processos de concessão rodoviária. Cabe à EPL a avaliação dos estudos recebidos por meio de Procedimento de Manifestação de Interesse85. Esses estudos são entregues ao poder público para fundamentar o futuro certame. A EPL dá suporte às atividades de análise dos projetos apresentados pelos autorizados e o auxílio na identificação das alterações e ajustes necessários. Além disso, a EPL, nas concessões de rodovias e ferrovias, atua em apoio à ANTT e ao Ministério dos Transportes na produção dos documentos editalícios a serem empregados na eventual licitação subsequente a esse procedimento. A EPL é responsável pela obtenção das licenças ambientais prévias dos empreendimentos que serão concedidos.

Esse é o cenário institucional das concessões rodoviárias, no qual se percebe a necessidade de interação de várias instituições com distintas atribuições. Apesar de receber o auxílio da EPL, a ANTT continua a ser a responsável formal pelos estudos, bem como pela produção do edital de licitação e seus anexos.

A ANTT, quando da sua criação, recebeu apoio por parte do TCU que corroborou a prerrogativa legal para conduzir os certames licitatórios e realizar os estudos preparatórios dos processos de concessão rodoviária. Esse posicionamento está registrado no acórdão 2299/2005, que definiu a competência da ANTT, para conduzir os certames licitatórios para outorga e, portanto, ser representante do Poder Concedente. Esse foi o primeiro processo em que houve atuação da ANTT como condutora do processo licitatório e dos estudos de viabilidade.

O entendimento no Ministério de transportes era de que a condução do processo deveria ficar sob sua responsabilidade. É o que se depreende da leitura do relatório da equipe técnica nos seguintes itens:

24. A linha de raciocínio adotada pela Consultoria Jurídica é no sentido de que a União, por intermédio do Ministério dos Transportes, é que deveria atuar como poder concedente e que a faculdade de celebração de contratos de outorgas atribuída à ANTT, por meio da Lei nº 10.233/2001, constituir-se-ia em uma liberalidade do legislador.

25. Para fundamentar seu entendimento, a Consultoria Jurídica recorda que o art. 175 da Constituição Federal estabeleceu que ‘incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços público’, e que, em decorrência dessa reserva legal, o inciso I do art. 2º da Lei nº 8.987/1995 estabelece como Poder Concedente a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência se encontre o serviço.

Conclui, assim, que desse mandamento resulta o entendimento de que as autarquias não podem ser poder concedente.

Tal argumentação não prosperou e o TCU deliberou pela possibilidade de que a ANTT represente o Poder Concedente e conduza os certames licitatórios. Tal posicionamento foi fundamental para fortalecer a ANTT, que, naquele momento, havia sido recém-criada, e teve o reconhecimento de sua competência na estruturação dos processos de concessão garantido pelo TCU, in verbis:

33. Portanto, diante do extenso rol de atribuições conferidas pela Lei nº 10.233/2001 à ANTT, envolvendo a elaboração do plano de outorgas, do disciplinamento das licitações, da elaboração dos editais de licitação, publicação dos editais, julgamento da licitação, edição dos atos de outorga e assinatura dos contratos de concessão, não restam dúvidas quanto à competência legal da ANTT para, em nome da União, atuar como poder concedente. Nesse contexto, a ela cabe elaborar os estudos de viabilidade e conduzir os processos licitatórios em andamento e futuros.

34. Donde se concluir que a Lei nº 10.233/2001 não contém liberalidades para com a ANTT, como afirmado pela Conjur/MT. Ademais, não é válido o argumento trazido pela Conjur/MT de que competências atribuídas ao Departamento de Outorgas, por meio do Decreto nº 4.721/2003, revogam as estabelecidas para a ANTT pela Lei nº 10.233/2001.

35. A atuação do Ministério dos Transportes, entretanto, não perde relevância haja vista a atribuição precípua de aprovar os planos de outorgas elaborados pela ANTT e, no caso dos processos de desestatização que se analisa, atuar como Gestor, como

determinado pelo art. 3º do Decreto nº 2.444/1997 (fls. 251/252).

A conclusão da equipe técnica referendada pelo Ministro Relator Augusto Nardes é enfática ao garantir à ANTT a prerrogativa de conduzir o processo licitatório e a realização dos estudos preparatórios. Asseverando que: “a ANTT é legalmente competente para desenvolver os estudos de viabilidade, conduzir os procedimentos licitatórios para outorga de concessões de rodovias federais e firmar, em nome da União, os correspondentes contratos de concessão”.