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Em retrospecto, viu-se que existe uma dinâmica envolvendo três aspectos essenciais para se discutir a necessidade da Lei nº 13.260 de 2016 no Brasil, que são: o medo, o terrorismo e o punitivismo.

Sobre o medo, foram apontadas as razões que integram uma das mais básicas e instintivas reações humanas ao contexto da vida em sociedade e dos modos como isso gera influência nas tomadas de decisão dos indivíduos e, por consequência, preveem o comportamento das massas; inclusive tratando da complexidade dos riscos e ameaças que o ativam, por vezes descolados da realidade, sem olvidar do fato de que os governos, destituídos da sua capacidade de ação afirmativa de direitos sociais, se utilizam da ―cultura do medo‖ para conduzir políticas públicas orientadas para a securitização pessoal.

Disso, passou-se a análise do terrorismo, em especial o terrorismo islâmico, e sua óbvia função catalisadora e difusora do medo coletivo, como a globalização da mídia ajudou na deflagração de uma das mais poderosas formas de difundir o caos; nesse ponto, cobriu-se a questão do terrorismo global, mas também foi dada ênfase às consequências geradas no Brasil. Em que pese o Brasil nunca ter encontrado razões para ter que lidar legalmente com a questão do terrorismo, havia a necessidade, por precedente constitucional, de que alguma medida fosse tomada, o país fica apático até o 11/9, quando cresce vertiginosamente a pressão externa para que a fixação de uma medida jurídica fosse urgentemente implementada, principalmente por parte dos EUA, o governo se esquiva como pode da questão, preferindo não volver um tema tão delicado, mas o Brasil se torna sede da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016, ficando insustentável a situação, quando finalmente, uma Lei é aprovada dias antes dos jogos olímpicos. Seria uma situação trivial, caso não fosse o passado histórico de nosso país.

Já sobre o terceiro aspecto, a sanha punitivista do povo brasileiro acaba por reforçar e legitimar os abusos de autoridade promovidos pelo Estado, incorrendo na degeneração das instituições sempre historicamente afeitas ao autoritarismo, nisso a lei em comento passa a ter uma força simbólica tremenda, capaz de ameaçar a estrutura da democracia pelo seu amplo potencial incriminador, despertando suspeitas legítimas de que o diploma legal servirá, em última análise, para perseguir

opositores políticos e criminalizar movimentos sociais e ideologias que ameaçam as classes dominantes e poderes constituídos.

Assim, demonstrou-se as contradições existentes no entorno da Lei Antiterrorismo, com narrativas legitimadoras e contestações loquazes. Por tudo o que foi exposto, se pretende firmar o entendimento de que a lei aqui tratada integra o rol das leis com maior força simbólica que de fato consubstanciar alguma realidade nacional passível de pacificação legal, na verdade ela gera mais atrito, ainda mais considerando o cenário de polarização política que vem vivenciando o mundo nos últimos anos, em parte pela redefinição de papéis dos atores políticos globais e do refugo das tensões geradas pelo clima de medo gerado no bojo da ―Guerra ao Terror‖, ou mesmo da ―Guerra ao Tráfico de Drogas‖.

Desse modo, exsurge de modo bastante intuitivo a noção de que a estratégia de enfrentamento não parece ser aquela que servirá para fustigar os efeitos nocivos da violência e do medo na sociedade, pelo contrário, o que se percebe é o escalonamento proporcional das medidas repressivas, do recrudescimento das expressões maiores da virtude humana, o embrutecimento das forças de segurança e o despertar funesto de uma extrema direita cada vez menos acanhada em demonstrar todo seu potencial totalitário. Portanto, este trabalho se justifica pela relevância social que apresenta, o qual permeia o direito fundamental à liberdade de expressão, de livre associação e do exercício dos direitos políticos, sem falar nas potencialidades lesivas ao pleno exercício da democracia, também esbarramos no autoritarismo, na perda de privacidade e a ostensiva busca por punir incrustada na mentalidade do povo brasileiro. Visualizando uma proposta de debate crítico com caráter de denúncia social voltada ao revisionismo da postura adotada pelo Estado para lidar com problemas sociais particulares, adotando, por óbvio, um novo paradigma diametralmente oposto às tradicionais respostas punitivas do Estado brasileiro.

Por seu turno, fica o alerta à comunidade acadêmica por força do prognóstico aqui desenvolvido, a intenção é deixar o leitor incomodado, isso sim, inquieta-lo e, sem o esgotamento do tema, instigá-lo a compreender que não existem respostas fáceis, que leis não devem servir de ―solução mágica‖ para tudo e que crises humanitárias devem passar necessariamente pelo debate fundamental sobre suas causas primeiras e ontológicas.

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