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Legislação simbólica: a lei antiterrorismo no Brasil e os rumos da política penal punitivista

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

O‘NAELL BENNOLY BATISTA LIMA

LEGISLAÇÃO SIMBÓLICA: A LEI ANTITERRORISMO NO BRASIL E OS RUMOS

DA POLÍTICA PENAL PUNITIVISTA.

Natal - RN 2019

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O’NAELL BENNOLY BATISTA LIMA

LEGISLAÇÃO SIMBÓLICA: A LEI ANTITERRORISMO NO BRASIL E OS RUMOS

DA POLÍTICA PENAL PUNITIVISTA.

Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado ao Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador(a): Profª. Drª. Keity Mara

Ferreira de Souza e Saboya

Natal - RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Lima, Onaell Bennoly Batista.

Legislação simbólica: a lei antiterrorismo no Brasil e os rumos da política penal punitivista / Onaell Bennoly Batista Lima. - 2019.

48f.: il.

Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Direito. Natal, RN, 2019.

Orientador: Profª. Drª. Keity Mara Ferreira de Souza e Saboya.

1. Medo - Monografia. 2. Terrorismo - Monografia. 3. Punitivismo - Monografia. 4. Interesse internacional - Monografia. 5. Discursos de emergência - Monografia. 6.

Perseguição política - Monografia. I. Saboya, Keity Mara Ferreira de Souza e. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 343.41

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Dedico este trabalho a todos aqueles que ousam questionar o poder do Estado e do Capital.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais por terem me apoiado emocionalmente e garantido

os meios materiais necessários para que eu mantivesse os meus estudos.

Agradeço aos meus colegas de turma do curso de Direito, com os quais muito aprendi ao longo desses anos de faculdade.

Agradeço à minha orientadora, Prof.ª Drª. Keity Mara Ferreira de Souza e Saboya, com quem tive a honra de ter aulas de Direito Penal durante os primeiros períodos da Graduação, pela atenção e compreensão despendidas ao longo da elaboração desta Monografia.

Agradeço a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e todos os seus funcionários, sejam eles empregados terceirizados ou catedráticos de renome pertencentes ao corpo docente.

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"Impunidade: recompensa que é dada ao terrorismo, quando é terrorismo de Estado." (Eduardo Galeano)

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RESUMO

Este trabalho almeja trazer à comunidade acadêmica uma série de reflexões acerca da Lei 13.260/2016, a controversa Lei de Enfrentamento ao Terrorismo, observando alguns pontos de relevância tais como o medo na sociedade contemporânea, o terrorismo mundial, as medidas de Estado que reduzem as liberdades individuais e encontram apoio na tradição punitivista da sociedade brasileira, apresentar a referida lei e as principais operações deflagradas em sua vigência e os horizontes da polarização política no tocante ao potencial instrumental desse diploma legal para perseguir adversários políticos e criminalizar grupos sociais tidos como indesejáveis. De um modo geral, visa-se apresentar a lei antiterrorismo brasileira como uma lei simbólica, onde o problema central proposto é denunciar que o Estado brasileiro desenvolve políticas de repressão e edita normas punitivas em excesso, eximindo-se da responsabilidade precípua de investigar as causas e prevenir os fatores de risco social que fomentam a criminalidade.

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ABSTRACT

This work aims to bring to the academic community a series of reflections on Law 13.260 / 2016, the controversial Law Against Terrorism, noting some points of relevance such as fear in contemporary society, world terrorism, state measures which reduce individual freedoms and find support in the punitivist tradition of Brazilian society, to present the referred law and the main operations launched in force and the horizons of political polarization regarding the instrumental potential of this legal diploma to persecute political opponents and criminalize social groups. as undesirable. In general, the aim is to present the Brazilian anti-terrorism law as a symbolic law, where the proposed central problem is to denounce that the Brazilian State develops policies of repression and edits excessive punitive norms, exempting itself from the primary responsibility of investigating the causes. and preventing the social risk factors that foster crime.

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RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo llevar a la comunidad académica una serie de reflexiones sobre la Ley 13.260/2016, la controvertida Ley contra el terrorismo, señalando algunos puntos de relevancia como el miedo en la sociedad contemporánea, el terrorismo mundial, las medidas estatales que reducen las libertades individuales y encuentran apoyo en la tradición punitivista de la sociedad brasileña, para presentar la ley referida y las principales operaciones iniciadas en vigor y los horizontes de polarización política con respecto al potencial instrumental de este diploma legal para perseguir a opositores políticos y criminalizar a los grupos sociales. como indeseable En general, el objetivo es presentar la ley antiterrorista brasileña como una ley simbólica, donde el problema central propuesto es denunciar que el Estado brasileño desarrolla políticas de represión y edita normas punitivas excesivas, eximiéndose de la responsabilidad principal de investigar las causas. y la prevención de los factores de riesgo social que fomentan la delincuencia.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 12

2. MEDO, TERRORISMO E PUNITIVISMO ... 15

2.1 O medo como fio condutor das políticas repressivas mundiais, uma reflexão .... 15

2.2 Breves considerações acerca das possíveis consequências diretas do terrorismo global para o Brasil ... 18

2.3 Apontamentos sobre o punitivismo na sociedade brasileira ... 27

3. A LEI ANTITERRORISMO COMO LEI PENAL SIMBÓLICA ... 31

4. SOBRE A LEI Nº 13.260/2016 E AS OPERAÇÕES HASHTAG E ÉREBO ... 37

4.1 Operação hashtag ... 39

4.2 Operação érebo ... 42

5. CONCLUSÃO ... 44

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1. INTRODUÇÃO

O Direito é uma ferramenta de controle social, que serve de argamassa sustentando todos os blocos da superestrutura do poder constituído, ele integraliza a sociedade ao estabelecer uma espécie de identidade ética universal que dialoga com os símbolos presentes no imaginário coletivo da população em cada Estado assim instituído. Sem se confundir com a moralidade entretanto, o Direito requer um conjunto mais sofisticado de saberes e métodos, motivo pelo qual Hans Kelsen empreendeu grande esforço em busca de separar Direito e Moral, seu trabalho conferiu ao Direito o status de ciência ao estabelecer que o instrumento mais elementar do Direito na ―gerência‖ da vida humana é a norma (lei escrita, positivada) que representaria, de modo geral, os anseios do povo nas democracias modernas.

Entretanto, podem existir (e isso se dá com frequência em nosso país) normas que estão longe de conformar padrões de comportamento, costumes ou particularidades nacionais, mas sim para difundir uma corrente ideológica ou se adequar a interesses externos, de tal forma que temos ao longo da história brasileira muitos casos em que leis foram promulgadas com o intuito de responder a uma expectativa alheia aos anseios do povo, mas satisfatórias aos olhos da comunidade internacional, ou mesmo visando atender um apelo imediatista da população sem que houvesse a devida reflexão (lei penal simbólica), atacando os sintomas do problema sem de fato volver suas causas. Algumas leis penais brasileiras sobre as quais recai o manto do simbolismo legal ao longo da História: a Lei Feijó (1831), Lei Eusébio de Queirós (1850), Lei do Ventre-livre (1871), Lei dos Sexagenários (1885), o disposto nos artigos 399 ao 404 do Decreto nº 847 de 1890, o art. 59 da Lei de Contravenções Penais de 1941, a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990), a Lei Antidrogas (Lei 11.343/06), a Lei Seca (2008), a Lei Carolina Dieckmann (Lei 12.737/2012), Lei da Palmada (Lei 13.010/2014) e, finalmente, a Lei 13.260 de 2016 – lei antiterrorismo.

Como se pode notar, desde o Império estamos habituados com a criação de leis que não atendem ao que se destinam, servindo apenas como uma espécie de salvo-conduto para as elites dominantes e poderes constituídos manterem seus privilégios enquanto as reais causas dos problemas que afligem a sociedade são ignorados, ou são formas de álibi que a autoridade estatal lança mão para de modo imediatista satisfazer um apelo popular fundado em um discurso de emergência

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(uma suposta ameaça que galvaniza o povo em torno do medo e cria um inimigo a ser combatido).

Nessa toada, tem-se a Lei nº 13.260/2016 - a Lei de Enfrentamento ao Terrorismo (ou mais comumente referenciada lei antiterrorismo), que foi promulgada dias antes das olimpíadas do Rio em 2016, que teve seu primeiro caso emblemático batizado de ―Operação Hashtag‖ onde se apurou a suposta existência de um grupo terrorista islâmico que vinha se organizando através das redes sociais para, em tese, realizar ataques terroristas durantes os eventos olímpicos, fato amplamente coberto pela mídia e que resultou na condenação de oito pessoas na Ação Penal nº 504686367.2016.4.04.7000/PR, em uma atuação rápida e coordenada da Polícia Federal e ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), com colaboração do FBI (Federal Bureau of Investigation).

Portanto, o presente trabalho tratará do tema do terrorismo global e da lei promulgada no intuito de combatê-lo em nosso país, tendo por base o método científico acadêmico, pois, buscando se aprimorar, a Ciência está sempre revisando e corrigindo conhecimentos preexistentes, e a pesquisa é essencial para o desenvolvimento de um conhecimento científico sério, com a análise minuciosa dos dados e a comprovação da veracidade das fontes (principalmente nos dias de hoje, em tempos de pós-verdade e fake news). Com a estrutura de desenvolvimento de pesquisa atual, preponderantemente sobre os recursos teóricos disponíveis, será tomada como base uma investigação bibliográfica acadêmica com o objetivo de embasar a tese principal a que este trabalho se propõe que é a de enquadrar a lei antiterrorismo brasileira como norma penal simbólica, alcançando dedutivamente a conclusão de que o Estado brasileiro desenvolve políticas de repressão e edita normas punitivas em excesso, eximindo-se da responsabilidade precípua de identificar as causas e dirimir os riscos sociais que alimentam a criminalidade, bem como proceder a análise e exposição de casos concretos, como no caso da condenação inaugural da lei antiterrorismo brasileira, cujo teor e fundamentação jurídica trarão informações úteis ao interlocutor no sentido de denunciar uma realidade que aponta para um horizonte pouco animador diante da polarização política que se instaurou no mundo nesta segunda década do século XXI.

Para tanto, se faz mister a análise de três conceitos essenciais para a compreensão da necessidade da lei antiterrorismo brasileira, quais sejam: o medo, o terrorismo e o punitivismo. Sendo possível perceber que tais conceitos estão

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intimamente ligados e que, no cenário contemporâneo, são fatores que se retroalimentam e, de certo modo, servem de legitimadores de medidas repressivas de Estado contra seus cidadãos, corroborando para a diminuição gradual dos direitos civis e liberdades individuais em detrimento de uma suposta segurança pública preocupada com o bem-estar coletivo.

Desta feita, pretende-se estabelecer um diálogo entre as diferentes fontes teóricas (livros, artigos científicos, notícias em meios eletrônicos confiáveis e documentos legais) e chegar a um apontamento simples sobre a razão de ser desta lei que nada tem a ver com o nosso povo, costumes e cultura. Existem excelentes artigos contra e a favor dessa norma, mas por se tratar de algo recente, não há uma base robusta de dados relacionada, assim se fará uma exploração bibliográfica e teórica sobre um tema novo, controverso e instigante.

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2. MEDO, TERRORISMO E PUNITIVISMO

2.1 O medo como fio condutor das políticas repressivas mundiais, uma reflexão

O ser humano é muitas vezes guiado por instintos primitivos, irracionais, mesmo que de forma subconsciente o indivíduo pode ser levado a tomar decisões que estão eivadas das mais básicas reações humanas, dentre os quais o instinto de sobrevivência, de autopreservação se destaca como um dos mais comuns e viscerais, algo que nos ocorre como resposta imediata aos perigos da vida, junte-se a isso uma sociedade repleta de riscos e está criado o ambiente perfeito para a proliferação do medo. Segundo Bauman (2008, p. 08) o medo é a nossa incerteza, a ignorância sobre a ameaça e daquilo que se deve fazer para confrontá-la, quando cessá-la estiver fora de questão, sendo assim toda estrutura da vida contemporânea parece reforçar esse sentimento, tendo em vista que o medo se torna mais assustador quando é abstrato e despersonalizado, sem haver uma explicação tangível para nos atemorizar, podendo estar em toda parte e, ao mesmo tempo, em lugar nenhum (BAUMAN, 2008, p. 08), esse medo não só está presente no nosso cotidiano como também trabalha de formas mais abrangentes e complexas.

Haja vista a ampla gama de relações e processos novos nos quais o cidadão comum do século XXI está inserido, seja pelo avanço da tecnologia, seja pela natureza da vida em sociedade, mais do que nunca, o ser humano está exposto à novas e intrincadas formas de experimentar o medo. De uma forma mais elaborada, leva-se em consideração que há também uma espécie de ―medo derivado‖, o medo é uma experiência conhecida por todo ser vivente; humanos e animais compartilham desse sentimento, pesquisadores comportamentais descrevem muito detalhadamente o amplo repertório de reações dos animais diante riscos imediatos às suas vidas, sendo que todos, inclusive os seres humanos, alternam entre a fuga e a agressão; as pessoas, entretanto, experimentam algo a mais, uma forma de medo de ―segunda grandeza‖, um medo social e culturalmente ―reciclado‖, uma espécie de ―medo derivado‖ que indica seu comportamento, haja ou não um risco imediato presente; esse tipo de medo secundário é, de certa forma, um resquício de trauma ocasionado pelo enfrentamento da real e direta ameaça; uma sombra do medo que persiste ao evento ameaçador e que se torna importante na moldura da conduta humana mesmo que não haja mais uma ameaça direta nem à vida, nem à

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integridade; o ―medo derivado‖ funciona como uma estrutura mental perene, descrita como sendo o sentimento de suscetibilidade ao perigo, incorrendo em uma sensação de insegurança e vulnerabilidade, assim, uma pessoa que interiorizou a insegurança e a vulnerabilidade disseminada no mundo recorrerá constantemente, mesmo sem razões, às respostas comuns àquelas oriundas de um encontro imediato com o perigo, ou seja, o ―medo derivado‖ ganha a habilidade da autopropulsão (BAUMAN, 2008, p. 09), em consonância com tal apontamento, deve-se levar em consideração prospectivamente quais são os perigos que ativam, por influência do medo (e também das suas formas derivadas), os gatilhos da reação instintiva de autopreservação e, nesse sentido, nota-se que existem três tipos: aqueles que ameaçam o corpo e os bens (propriedade privada); outros que, por serem mais abrangentes, estão ligados à coesão da ordem social e sua credibilidade, ou seja, daquilo do qual depende a estabilidade do sustento (emprego e renda) e até das questões relacionadas à previdência; por último, existem os riscos que ameaçam a posição da pessoa na sociedade, seu status social e identidade (religiosa, de classe, de gênero, étnica), ou mesmo, de forma mais ampla, a integridade ante à degradação e à exclusão sociais (BAUMAN, 2008, p. 10). Transparece, portanto, a existência de sentimentos capazes de antecipar decisões humanas, de direcionar comportamentos e indicar um mecanismo de resposta coletivo, isso, por si só, torna o uso do medo uma ferramenta poderosa no controle das massas.

Além do que foi mencionado, existe uma tendência geral de que o medo seja incutido nas pessoas sem que haja uma correspondência factual, pois segundo numerosos estudos, existe nas consciências dos sofredores uma tendência de que o ―medo derivado‖ esteja ―desacoplado‖ dos perigos reais que os originam; sendo que as pessoas atingidas pelo sentimento de insegurança e vulnerabilidade podem interpretar o medo como oriundo de quaisquer dos três tipos de perigos, não importando as evidências de contribuição e responsabilidade de cada um deles; as reações ofensivas ou defensivas por consequência, com o intuito de reduzir o medo, podem, portanto, ser direcionadas para outros perigos que não àqueles que ativaram a sensação de insegurança (BAUMAN, 2008, p. 10), não é à toa que uma das principais formas de reunir pessoas em torno de um interesse comum é implantar uma sensação de medo coletivo, geralmente pela oposição a um perigo escolhido

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(dentre os três já mencionados), uma ameaça da qual todos querem se ver livres, seguros.

Por meio dessa ―cultura do medo‖ são construídas soluções que pouco, ou nada, têm a ver com as reais necessidades ou riscos que irrompem nas diferentes populações humanas mundo afora, em diferentes países, cada um com seus próprios dilemas e particularidades, os poderes constituídos pelas classes dominantes aprenderam a guiar o medo da população, o Estado, por exemplo, parece ter encontrado sua raison d’être (razão de ser) na pretensão à obediência civil pela promessa de proteger as pessoas das ameaças à existência, mas não sendo mais capaz de cumprir tal promessa – em especial a de defesa contra os perigos do segundo e terceiro tipos – nem tampouco, reafirmar-se responsável por ela, tendo em vista a globalização e a dinâmica dos mercados extraterritoriais, se obrigando a alternar a ênfase da ―defesa contra o medo‖ das ameaças à segurança social para a securitização pessoal; o Estado, portanto, ―rebaixa‖ o discurso ao focar-se na ―política de vida‖, orquestrada individualmente, ao mesmo tempo que amplia seu arsenal no mercado de consumo (BAUMAN, 2008, p. 10-11), o pavor ao terrorismo islâmico, por exemplo, é uma evidência dessa ―cultura do medo‖ em escala global, uma forma de difundir uma forma de medo das mais ameaçadoras que existem, criou-se um clima de medo irracional (HOBSBAWM, 2008, p.136). De tal forma, o medo se configura como um dos fatores determinantes para se consolidar a narrativa da ultra-segurança, da precaução exacerbada e do ataque preventivo aos inimigos ― sejam eles reais ou imaginários. Sobre tais medidas, temos, por exemplo, drones israelenses produzidos para subjugar verticalmente palestinos, sendo utilizados pela polícia na América do Norte, na Europa e na Ásia Oriental; empresas privadas responsáveis pelas prisões de segurança máxima nos EUA estando bastante engajados na administração do arquipélago mundial que organiza o encarceramento em massa e a tortura, com crescimento acelerado desde o início da ―Guerra ao Terror‖; organizações militares privadas colonizam de modo pungente contratos de reconstrução de lugares devastados como Iraque (pela guerra) e Nova Orleans (por catástrofes naturais); a perícia israelense de controle populacional é procurada por países e entidades interessadas em operações de segurança na cobertura de eventos internacionais no Ocidente; e políticas de ―atirar para matar‖ criadas para combater homens-bomba em zonas de conflito se tornaram práticas adotadas por forças policiais pelo mundo (GRAHAM, 2016, p. 31-32),

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qualquer comparação com o que tem acontecido recentemente no Brasil não é mera coincidência, que o digam as populações das favelas do Rio de Janeiro e a postura adotada pelo atual governador daquele estado1.

2.2 Breves considerações acerca das possíveis consequências diretas do terrorismo global para o Brasil

A palavra terrorismo exprime um conceito aberto, poroso, genérico, com múltiplos significados. Até hoje não há um consenso universal sobre a definição do termo terrorismo, assim, cada nação ou ente internacional assume uma acepção própria, sabemos que ele, na sua forma atual, surge nas revoluções que atingiram a europa no século XVIII, sendo a ação terrorista, o ato de provocar comoção e pânico generalizado por meio de atos de violência extrema, uma prática já existente no mundo antigo e obviamente tendo inspiração nas estratégias de guerra (e guerrilha) presentes no mundo inteiro, desde tempos imemoriais. Para o historiador Eric Hobsbawm (2008, p. 129-132), o terrorismo islâmico faz parte da terceira onda de violência (e contraviolência) política generalizada que vem se desdobrando ao redor do globo desde os anos 1960, e que tiveram sua primeira manifestação nos grupos ideológicos separatistas do oeste europeu, com engajamento político e protagonismo de grupos de elite armados, com baixa adesão popular, como ETA, o IRA (que se distingue dos demais por apresentar maior simpatia das classes mais baixas), as Brigadas Vermelhas e outras facções que tentavam promover uma espécie de guerrilha, com operações clandestinas e atentados à bomba, destaca-se também a existência de movimentos guerrilheiros de esquerda na América Latina, onde politicamente passavam por uma fase de governos ditatoriais. Ainda conforme o autor, a segunda onda, que ocorreu perto do final da década de 1980, tinha um caráter eminentemente étnico e religioso, se alastrando por países da África, Ásia e

1

JUSTIFICANDO, Editorial. Juízes classificam como “terrorismo de Estado” operações policiais comandadas por Wilson Witzel. 2019. Disponível em:

<http://www.justificando.com/2019/05/09/juizes-classificam-como-terrorismo-de-estado-operacoes-policiais-comandadas-wilson-witzel/>. Acesso em: 08 nov. 2019.; BETIM, Felipe. As cartas das

crianças da Maré: “Não gosto do helicóptero porque ele atira e as pessoas morrem”. 2019.

Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/14/politica/1565803890_702531.html>. Acesso em: 08 nov. 2019., BETIM, Felipe. Witzel usa operação contra sequestrador para

justificar ações indiscriminadas em favelas. 2019. Disponível em:

<https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/20/politica/1566323586_607069.html>. Acesso em: 08 nov. 2019.

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Europa, ficando a América Latina imune a seus efeitos deletérios, produziram massacres em uma escala que só se poderia comparar com as atrocidades da Segunda Guerra Mundial, nesse ponto temos grupos com grande adesão popular como Al Fatah, Hamas, Jihad Islâmica da Palestina, Hezbollah, Tigres Tâmeis, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, entre outros, ainda assim os atos de terror individual não chegavam a ser praticados de forma sistemática, à não ser quando estritamente necessário, dadas as diferenças de poder existentes ou guerras civis em cada contexto, mas também foi onde surgiu a figura do homem-bomba, derivado da revolução iraniana de 1979, com base na doutrina fundamentalista islâmica xiita (que idealiza o martírio), foi um ato decisivo inaugurado contra os norte-americanos, pelo Hezbollah, no Líbano (1983), cuja eficácia se provou tão evidente que logo se tornou uma ferramenta utilizada por diversos outros grupos, dentre eles a Al Qaeda. E ele prossegue afirmando que, nessa segunda fase de ampliação da violência no mundo, também ocorreram muitos assassinatos de líderes políticos (e tentativas), mas devido ao efeito colateral da universalização da mídia televisiva, rapidamente o foco dos ataques passou a ser aqueles que mais provocassem manchetes, o assassinato em massa de homens e mulheres em locais públicos passava a ter mais valor que os atos de terrorismo individual contra líderes de alto nível.

Portanto, algo incontestável acerca do terrorismo contemporâneo é sua passagem do campo ideológico político para o fundamentalismo religioso. O terrorismo islâmico se tornou uma entidade global, um inimigo público mundial, personificação da monstruosidade humana, tendo-se como marco inaugural desse novo paradigma global o ataque às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, pela Al Qaeda de Osama bin Laden, e isso ficou gravado de forma indelével na memória mundial, iniciava-se ali, de fato, o novo milênio, uma era de terríveis mudanças no tecido social.

Assim, o terrorismo islâmico global se espalhou, tanto pela ação dos terroristas quanto pela ação própria da mídia e da reação das forças de segurança pública endurecidos, pois se o objetivo almejado pelos terroristas é propagar o terror entre os inimigos, então as forças de segurança inimigas, com grande colaboração dos meios de comunicação, sem dúvida garantirão que esse objetivo seja alcançado em um grau mais elevado que àquele que os próprios terroristas conseguiriam garantir; e se a pretensão à longo prazo dos terroristas é acabar com as liberdades humanas existentes nas democracias liberais e ―voltar a fechar‖ as comunidades

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abertas, eles já podem contar uma vez mais com as grandiosas potencialidades a cargo dos governos dos ―países inimigos‖ (BAUMAN, 2008, p. 141), pode-se considerar que o onze de setembro repercutiu de muitas formas pelas diferentes nações do globo.

Nessa esteira, temos que dentre as principais consequências fica logo evidente que se opera uma marcha para a globalização do terrorismo, seja pelas intenções dos próprios terroristas, seja pelos efeitos provocados por seus atos, bem como pelas respostas dadas em geral, especialmente nas elites governantes e classes dominantes, mundialmente, os ataques do dia 11 de setembro de 2001 acena para mais um fator relevante na globalização das tensões sociais; as motivações terroristas podem ter sido reacionárias ou revolucionárias, anárquicas ou niilistas, contudo, estão presentes conflitos sociais relevantes ou circunstanciais, em todo caso, no mundo inteiro; acionados pelo capitalismo, formam-se antagonismos dicotômicos como: ocidentalismo e orientalismo, islamismo e cristianismo (IANNI, 2004, p.226-227), ou seja, de plano, a questão terrorista passa a ser um fenômeno que não mais está amealhado aos seus antagonismos locais, supera-se a barreira geográfica e se extrapola o sensacionalismo midiático, ―Fiel ao seu nome, a arma suprema do terrorismo é semear o terror. E, dado o estado atual do planeta, asseguram-se boas colheitas a despeito da qualidade inferior da semente.‖ (BAUMAN, 2008, p. 140) o medo ocupa um lugar palpável na vida de pessoas que antes se sentiam plenamente seguras em seus lares.

Dessa conjuntura eclode a noção de oposição (nós contra eles) que guiaria a política de segurança nacional norte-americana pelos anos seguintes, o que se constituiu inicialmente como um ―ataque terrorista‖ se transformou em um ato político importantíssimo, revelando um processo político de amplo espectro, abarcando tanto a guerra quanto a coalizão de países antiterrorismo; se notabilizou a ação da máquina de guerra mais poderosa do mundo contra a mais débil nação do mundo; a desculpa de combater o terrorismo, mobilizou o terrorismo de Estado; o mundo estava envolvido na guerra pela ―justiça infinita‖, pela ―liberdade duradoura‖, contra as nações pertencentes ao ―eixo do mal‖, assim, evidenciam-se as bases da diplomacia norte-americana; com o ataque terrorista, antes mesmo de se apurar os possíveis responsáveis, declara-se a guerra, a retaliação; o terrorismo (de Estado) opera de forma reversa, da mais poderosa potência mundial contra a mais frágil das nações, com a capitulação do papel negocial da Organização das Nações Unidas

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(ONU), urgem as fúrias do capital, com seus braços armados mais ou menos aparentes; em face da agressão terrorista oriunda de algum lugar pertencente ao ―eixo do mal‖, deflagrou-se uma ―guerra assimétrica‖ e extremista desde o que se autodenomina ―eixo do bem‖, paralelamente, as elites governantes e classes dominantes dos EUA se instalam no Afeganistão ocupando uma posição estratégica no Oriente Médio (IANNI, 2004, p. 227-228), isso satisfaz uma ampla gama de interesses indizíveis, à medida que o governo dos EUA empreende sua ―caça às bruxas‖.

Por consequência, o consórcio civil-militar ganha força, quanto a isso, o professor Stephen Graham (2016, p. 30), dispõe que o novo urbanismo militar se baseia nas experiências adquiridas em operações em zonas de guerra coloniais, como Gaza ou Bagdá, utilizando-se de tecnologia e estilos militares, ou em grandes operações de segurança como as de cúpulas políticas internacionais e eventos esportivos; essas operações servem de laboratório para a tecnologia e as técnicas vendidas pelos mercados de segurança nacional no mundo inteiro; a vigilância e o endurecimento das forças de segurança tomam conta dos centros urbanos e aeroportos, se opera um fenômeno apontado por Michel Foucault, chamado ―efeito bumerangue‖, segundo Foucault (2003, p.103, apud GRAHAM, 2016, p. 31) da mesma forma como ocorreu no século XIX, os impérios coloniais europeus importaram a datiloscopia, os boulevards haussmannianos e as prisões panópticas com vias a utilizar nas zonas rebeldes de suas cidades após experimentarem seu sucesso nas fronteiras colonizadas, os mecanismos coloniais de hoje funcionam por meio desse ―efeito bumerangue‖, pois enquanto a colonização, com suas ferramentas políticas e jurídicas, sem dúvida transferiu modelos europeus para outros continentes, ele certamente exerceu um notável efeito bumerangue nas técnicas de poder do Ocidente e seus artifícios, tanto nas instituições quanto nas formas de poder; toda uma gama de instrumentos coloniais volveu-se ao Ocidente, resultando em um colonialismo interno, em si mesmo.

Além disso, começam a se acirrar as disputas por controle de narrativas, e as fragilidades do sistema são expostas, o atentado ao World Trade Center pode ser visto, ao mesmo tempo, como um ―ataque terrorista‖, um ―ato político‖ e como ―ação revolucionária‖; em si mesmo, pelos objetivos simbólicos que atinge, e pelo vasto processo político resultante; pela primeira vez na história a vulnerabilidade dos EUA é exposta; atacada por inimigo indistinto; em um dia ensolarado, aviões civis se

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transformam em mísseis, construindo inéditas relações transnacionais e denunciando outras, antes acobertadas por sombras, expondo a ideia de que a globalização traça um paralelo com integração, fragmentação e revolução (IANNI, 2004, p. 228) o protagonismo norte-americano evoca os ideais da civilização contra a barbárie, da liberdade e da justiça contra o fundamentalismo religioso extremista e obscuro, o bem contra o mal, numa lógica maniqueísta que emula uma realidade mais palatável, mas que de fato só reforça os estereótipos estigmatizantes e encobre os estratagemas do capitalismo em seu novo ciclo de globalização (IANNI, 2004, p.228-229).

Desta feita, entra em curso um grande e perverso processo de controle de pessoas e grupos, começando pelos indivíduos e coletividades norte-americanas, mas não somente, o processo se estende às sociedades europeias, asiáticas, africanas e latino-americanas; entrando em curso um gradativo processo de direitização, com claro viés fascistóide; consequentemente se reduzem ou se eliminam direitos democraticamente conquistados por meio de árduas lutas sociais e se evidenciam os controles jurídico-políticos, militares e policiais sobre as populações, organizações da sociedade civil e movimentos sociais; mormente no tocante a intolerâncias étnicas, religiosas dentre outras, e esse clima favorece o florescimento das atividades, das organizações, dos movimentos e das correntes nazifascistas (IANNI, 2004, p. 229), não é à toa que se vive um fenômeno de polarização política global nos anos subsequentes ao início da ―Guerra ao Terror‖, com a consequente extremização dos diferentes espectros políticos, o debate em torno da temática da segurança pública e dos interesses estratégicos no mercado financeiro mundial reverberam numa corrente mais linha dura do neoliberalismo, porém, não se trata, entretanto de se conceber a ideia de que o ataque terrorista provoca necessariamente a direitização da opinião pública, essa aparenta ser apenas uma impressão superficial; o que acontece é o desnudar de situações e potencialidades já constituídas previamente, algo subcutâneo, prestes a eclodir; mas essa direitização se origina na matriz da sociedade, nacional e global, por suas discrepâncias e tensões com as quais germinam macarthismos, fascismos e nazismos desde o século XX. (IANNI, 2004, p. 229-230).

Frente a isso, existem várias razões para se enxergar a lei antiterrorismo brasileira com desconfiança, principalmente o fato de que o Brasil nunca foi um alvo em potencial de grupos terroristas islâmicos, entretanto, segundo o levantamento

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feito por Souza e Moraes (2014, p. 25-26), deviam ser levados em consideração pelo menos seis fatores que tornavam possível a ação de terroristas no Brasil, são eles: a) a natureza descentralizada dos diversos grupos terroristas cujos elos, não possuindo uma interpretação convergente, vejam o Brasil como inimigo; b) a ação dos ―lobos solitários‖2

; c) a adoção do método terrorista por diversos grupos não jihadistas; d) os alvos poderem ser representações de outros países em atividade (permanente ou temporária) no Brasil; e) a realização de ataques terroristas demanda um suporte logístico fornecido por redes de apoio cujos elos não se localizam, necessariamente, em países ou regiões que sejam alvos frequentes de ataques; e f) o aumento da visibilidade do Brasil devido a sediação de eventos esportivos internacionais, tendo em vista a cobertura midiática. Sendo este último, depois de 2016, um elemento já superado, mas de singular importância para o tema aqui abordado.

Avançando nesse estudo, é preciso compreender um pouco sobre a necessidade da tipificação penal do terrorismo no Brasil. O termo terrorismo já era empregado em vários instrumentos jurídicos e documentos oficiais antes de sua tipificação, em 2016, como é o caso do texto constitucional, conforme os arts. 4º, VIII, e 5º, XLIII, da CF/1988:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

[...]

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; [...]

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Além disso, o termo aparece no inciso V do art. 83 do Código Penal:

Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

2 O ―lobo solitário‖ é alguém que se prepara e comete atentados sozinho, desvinculado de qualquer

grupo, mas que pode ser influenciado ou motivado pela ideologia ou pelas crenças de um grupo externo, e também pode agir em apoio a um grupo.

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[...]

V - cumpridos mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tráfico de pessoas e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza. (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016)

Ainda, na Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90), há menção ao termo em seu art. 2º:

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I - anistia, graça e indulto; II - fiança.

Em sua atuação no cenário internacional, o Brasil sempre deixou clara sua posição ao repudiar a prática do terrorismo, sendo signatário de vários tratados e acordos para combatê-lo, com dezenas de convenções e protocolos assinados no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), na Organização dos Estados Americanos (OEA) ― sendo o principal instrumento nas Américas, a Convenção Interamericana contra o Terrorismo (2002) ―, além de fazer parte (ou financiar) grupos dedicados a investigar e identificar operações financeiras e lavagem de dinheiro capazes de fomentar a atividade terrorista, tanto internacionalmente como na América Latina.

Ainda, conforme os autores, o interesse do Brasil em efetivar internamente o combate ao terrorismo se dá pela iniciativa de se criar uma norma capaz de definir o terrorismo como crime, como se pode notar, já em 2002 houve a elaboração do Projeto de Lei (PL) nº 6.764/2002, que não foi para frente. Em 2007, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República preparou um anteprojeto de lei para a tipificação do terrorismo no Código Penal, mas não foi aprovado. Com a chegada de 2011, surgiram novos Projetos de Lei no Senado (PLS nº 762 e nº 707) para tratar do tema da tipificação penal do terrorismo, além desses, o PLS nº 499 que tramitou posteriormente, em 2013. Fora os casos de lei própria tratando do tema, houve a busca de alguns políticos pela implementação de um anteprojeto do Código Penal, onde em seus artigos estava presente a tipificação da conduta considerada terrorista, mas existe uma questão de fundo sempre presente nessa discussão, algo que permanece de forma residual nos dias de hoje, pois bem se sabe que a tipificação jurídico-penal do terrorismo é uma ameaça constante aos

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movimentos sociais, sindicatos, grupos ideológicos de esquerda e entidades de classe progressistas (SOUZA; MORAES, 2014, p. 31-35), isso se deve ao fato de que no Brasil, durante a ditadura militar (que durou de 1964 a 1985) houve dura perseguição a opositores políticos ditos terroristas, rótulo que era atribuído a esquerda como um todo, considerada subversiva e radical, enquanto que grupos de extrema direita não recebiam o mesmo tratamento pelas autoridades, mesmo empregando o método terrorista em suas atividades (Comando de Caça aos Comunistas e o Grupo Secreto, por exemplo) (MACIEL; NASCIMENTO, 2012, apud SOUZA; MORAES, 2014, p. 28-29).

Isto posto, deve-se considerar que durante toda primeira década do século XXI foi engendrada essa ―indústria do medo‖ fundamentada no enfrentamento ao terrorismo, esse construto, porém, traria consequências futuras, dentre as quais desponta uma guinada da sociedade civil à direita na medida em que o perfil autoritário das novas democracias mundiais, pós onze de setembro, se veem diante das crises humanitárias e correntes migratórias geradas pela devastação causada ironicamente no contexto do combate ao terrorismo. Sobre essa ameaça da ascensão de uma nova direita radical global temos, nas palavras do professor, cientista político e historiador, Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira (BANDEIRA, 2017, p.37-38), o nazifascismo não foi um fenômeno exclusivo da Itália e da Alemanha, quando ameaçou e se estendeu, em variadas formas, a outros países da Europa, incluindo Portugal e Espanha, nos anos 1920 e pela deflagração da Segunda Guerra mundial (1939-1945); o que se deu nesses países foi uma espécie do que Niccolò Machiavelli (1469-1527) referiu-se como mutazione dello stato (mutatio rerum, commutatio rei publicae), processo pelo qual a res publica, ou seja, o Estado, em nome da liberdade, transmuta-se em Estado tirânico, com ou sem violência; o fenômeno político denominado nazifascismo do século XX não está longe da nossa realidade hoje em dia, podendo vir a ocorrer onde e quando as oligarquias e o capital especulativo financeiro não mais conseguirem manter o equilíbrio da sociedade pelos meios tradicionais de repressão, imbuídos da conhecida legalidade democrática, assumindo uma nova face, dadas as devidas condições de espaço e tempo; entretanto, sua essência permanece como um tipo particular de regime, que se lança sobre a sociedade, calcado em um sistema de atos de força e consequente atrofia das liberdades civis, além da institucionalização da contrarrevolução, seja domesticamente ou no plano internacional, por meio de um

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estado de guerra constante, com vias a implantação/manutenção de uma ordem mundial vassala dos seus interesses.

Some-se a isso o alerta firmado por Giorgio Agamben (2007, p. 12-13) quando tratava do Estado de Exceção, considerando-se o caso do nazismo, assim que o poder lhe foi entregue, Hitler promulgou, o ―Decreto para a proteção do povo e do Estado alemão‖, suspendendo artigos da Constituição de Weimar no tocante às liberdades individuais, tal decreto nunca tendo sido revogado, de tal maneira que o Terceiro Reich como um todo pode ser considerado, juridicamente, como um estado de exceção que vigorou por doze anos; assim, o totalitarismo moderno pode ser definido como a instauração, por meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal que chancela a eliminação física não só dos opositores políticos, mas também de coletividades inteiras de cidadãos que, seja qual for a razão, aparentem não ser integráveis ao sistema político; de lá para cá, a criação voluntária de um estado de emergência perene – mesmo não declarado no sentido técnico –, tornou-se uma das práticas elementares dos Estados atuais, mesmo dos que se denominam democráticos.

Entretanto, com a passagem da primeira para a segunda década do século XXI ocorrem dois fatos relevantes para a compreensão do tema, em primeiro lugar a ocorrência da nova Primavera Árabe, com revoltas eclodindo em diversos países islâmicos a partir de dezembro de 2010, ondas populares que buscavam se insurgir contra regimes autoritários locais; em seguida, a morte do maior representante do terrorismo global, o líder da Al Qaeda, Osama Bin Laden, em 02 de maio de 2011, quase uma década depois de ter infringido a maior derrota recente aos EUA, tais eventos levaram a um arrefecimento da propaganda militar antiterrorista, um intervalo no qual a opinião pública teve a esperança de que o inimigo (o terrorismo islâmico) havia sido derrotado. Então veio o autoproclamado Estado Islâmico e a crise dos refugiados do Oriente Médio, expressões das novas ondas de violência subsequentes. A verdade é que nesse cenário de guerra assimétrica, não haveria como se deixar de lado tamanhas injustiças, dada a natureza das modernas armas à disposição dos militares, os esforços empreendidos na retribuição a esses terroristas têm uma tendência obtusa, deflagrando-se sobre áreas muito maiores do que as afetadas pelos atentados terroristas, por consequência causando cada vez mais ―baixas colaterais‖, e assim mais terror, ruptura e desestabilização do que os terroristas provavelmente produziriam por si mesmos; causando um incremento no

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acumulo de ressentimento, ódio e fúria reprimida, ampliando-se mais ainda as fileiras de voluntários para a causa terrorista; é possível presumir que tais circunstâncias integrem o plano terrorista, além de ser a principal fonte de sua força, em que pese seu reduzido poder, seu contingente e suas armas (BAUMAN, 2008, p. 140-141).

Talvez essa tenha sido a origem da escalada do ódio presente no mundo atualmente, visível nas redes sociais e em manifestações de supremacistas brancos, movimentos proto-fascistas, no conservadorismo neopentecostal e na polarização política. Devido ao terrorismo islâmico global, o mundo inteiro tem enfrentado uma onda de violência que se dá em dois sentidos: a) reforça as políticas de isolamento, na medida em que reafirma antagonismos entre as diferentes formas de expressão ideológica; e b) instaura uma ordem interna cada vez mais repressora e vigilante, mitigando os direitos e garantias individuais.

2.3 Apontamentos sobre o punitivismo na sociedade brasileira

Nos tópicos anteriores tratou-se de dois temas essenciais para a compreensão da lei antiterrorismo, quais sejam: o medo e o terrorismo, e como o primeiro age na psique humana gerando comoção nas massas, muitas vezes por meio de temores descolados da realidade, e como o segundo serviu como propaganda política e militar para a consolidação de uma estrutura de repressão global; por seu turno, tratar-se-á da questão do punitivismo e como este terceiro elemento se acopla no entorno da ―razão de ser‖ da Lei 13.260/16.

Assim, trata-se de um conhecimento elementar do Direito Penal a ideia de punição, compreendida como retribuição ao injusto penal praticado, a punição é exercida como razão instrumental do Estado no exercício do monopólio legítimo da violência (WEBER, 2006, p. 56). O Estado punitivo, portanto, é aquele que pune, que castiga, que disciplina seus cidadãos em grande número e maior severidade. A noção de punitivismo parte dessa ideia básica, tratando-se de uma espécie de anomalia jurídica que se relaciona intimamente com a Política criminal3. Entende-se por punitivismo o conjunto de medidas jurídico-penais voltadas ao endurecimento

3 Política criminal, nas palavras de Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 122), ―[...] é a ciência ou a arte de

selecionar os bens (ou direitos), que devem ser tutelados jurídica e penalmente, e escolher os caminhos para efetivar tal tutela [...]‖.

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das penas, ao recrudescimento das garantias processuais penais e para a ampliação do rol de condutas tipificadas como crime. Tanto uma quanto outra, ou mesmo qualquer combinação das três revelam uma tendência de fortalecimento do Estado punitivo.

Nessa esteira, Andrinny Almeida (2018), em artigo hospedado no site

www.canalcienciascriminais.com.br, resume muito bem essa questão do punitivismo

no Brasil em tempos recentes, para a articulista o resultado das urnas em 2018 no Brasil foi um sinal de que continua existindo um forte apelo popular por mais medidas punitivas, mais repressão policial e combate aos criminosos. Haja vista o perfil dos candidatos com votação mais expressiva (nas eleições de 2018). Longe de estar perto daquilo que de fato impulsiona a criminalidade, a sanha punitivista do povo brasileiro segue triunfante apesar de toda desigualdade social e abandono material das prisões, exsurge em meio às pessoas a ideia de que bandidos são menos que seres humanos, que a justiça está de alguma forma vinculada à vingança e longe do humanitarismo ― um padrão de comportamento reforçado diariamente pela mídia.

Ainda, segundo a autora, somos detentores da terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 700 mil presos, apesar de o último relatório do Infopen (dados de 2017) apontar para uma leve redução da taxa de crescimento do número de pessoas presas4, a realidade brasileira aponta para um Estado que encarcera (e pune) um número significativo de pessoas ― em sua maioria pretos e pobres. No início do século XXI, eram cerca de 135 presos para cada 100 mil habitantes, pulando para 306 na década seguinte, algo que se alinha às posições mais conservadoras, ideia personificada na figura do ―cidadão de bem‖ que almeja ter segurança pública a qualquer custo. Entretanto, conforme apontam os índices de violência, percebe-se claramente que não houve melhoria, mesmo com o aumento considerável do número de pessoas encarceradas no Brasil. Em 2016, por exemplo, de forma inédita, os homicídios superaram a casa de 60 mil por ano. Cabe mencionar que os números trazidos pelo Atlas da Violência de 2018 – produzido pelo IPEA e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) – apontam para 62.517 assassinatos cometidos no país em 2016, colocando o Brasil em um patamar

4

Levantamento de informações penitenciárias, atualização junho de 2017. Documento em PDF. disponível em: <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf> acesso em: 01/11/2019.

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30 vezes maior do que o europeu; apenas na última década, 553 mil brasileiros perderam a vida por morte violenta, ou seja, um total de aproximadamente 153 mortes por dia. Assim, chega-se à conclusão lógica de que a política de prender e punir não tem gerado, já há algum tempo, os resultados esperados para a diminuição da violência. A manutenção desse paradigma tem servido apenas para defesa do caráter retributivo da pena, longe de trazer respostas eficazes (ALMEIDA, 2018).

Destarte, impende salientar que os discursos de emergência e a opinião pública tendem a abafar as visões mais sensatas sobre temas sensíveis ―Os discursos de ódio e clamores punitivistas conquistam adeptos e audiência, disseminando opiniões prontas e infensas a qualquer reflexão crítica.‖ (COSTA, 2016). O que se tem notado é que o Estado brasileiro tem cedido seu espaço na medida em que se deixa influenciar por pressões externas, quando as instituições do Estado de Direito passam a aderir às correntes majoritárias, ao se confundir com a vítima, o Estado de Direito deixa de ser o garantidor, o farol ético e civilizatório de um povo e passa a naturalizar abusos – ao se converter em Estado de polícia (COSTA, 2016). Some-se ao perfil punitivista do povo uma mídia igualmente sedenta por sangue e temos o ambiente perfeito para a propagação de uma mentalidade rasa e pouco interessada com o respeito aos direitos e garantias fundamentais e mais afeita a uma suposta diminuição da impunidade, como bem aponta o Defensor Público Eduardo Januário Newton (2016) em seu artigo ―[...] há o papel da mídia, que faz com que o papel contramajoritário do Poder Judiciário seja deixado de lado em nome de uma suposta pacificação social.‖, ou seja, há fortes indícios de que a atuação dos meios de comunicação tendem a distorcer os fins a que se destinam as instituições no Brasil.

Temos ainda um possível agravante, haja vista que ―A sanha punitivista existente na sociedade brasileira é refletida em decisões judiciais e, como consequência, todo aquele quadro normativo permeado por garantias é transformado em ilusão.‖ (NEWTON, 2016), talvez não seja à toa que já há bastante tempo Michel Foucault (2013, p. 267) tenha observado como, de fato, existe uma certa tendência da justiça penal em atender demandas cotidianas, jogando a polícia contra a delinquência numa espécie de espetáculo, enquanto se mantém parcialmente nas sombras. Com isso, fica evidente que existe uma tendência do Estado brasileiro em promover cada vez mais políticas de repressão e ao

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―banditismo‖ calcado na sanha punitivista do povo, fortemente inspirado pela mídia sensacionalista.

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3. A LEI ANTITERRORISMO COMO LEI PENAL SIMBÓLICA

Com tudo o que foi exposto até aqui já se pode vislumbrar como a lei antiterrorismo brasileira possui um perfil eminentemente simbólico, que sua vigência encerra questões sensíveis que vão muito além do simples enquadramento jurídico-penal para uma conduta considerada ilegal. Precisa-se, portanto, de um aprofundamento da temática, levando-se em consideração as normas e o Estado no contexto da sociedade contemporânea. A lei é um instrumento de poder do Estado. Os Homens cunharam as leis para, além de administrar os conflitos, garantir a sua posição de domínio, o controle de uns (mais poderosos) sobre os outros (menos poderosos). Preleciona Zaffaroni e Pierangeli (2011, p.62) ―O certo é que toda sociedade apresenta uma estrutura de poder, com grupos que dominam e grupos que são dominados‖. As leis garantem a existência do Estado e, conforme lição de Paulo Bonavides (2014, p.68) que nos traz algumas concepções sociológicas de Estado, em sentido amplo, como toda sociedade humana onde há diferença entre governantes e governados, e em sentido restrito como grupo humano fixado em determinado território, onde os mais fortes impõem aos mais fracos sua vontade. Ainda, por uma perspectiva marxista, o Estado é compreendido como fenômeno histórico passageiro, oriundo da aparição da luta de classes, desde que, da propriedade coletiva se passou à apropriação individual dos meios de produção (BONAVIDES, 2014, p. 69). Nas palavras de Michel Foucault (2013, p. 262) ―A lei e a justiça não hesitam em proclamar sua necessária dissimetria de classe.‖. A consequência histórica de toda forma de controle estatal é que a lei expressa o domínio de uma classe dominante sobre as subalternas. Nessa dinâmica, é comum o surgimento de diplomas legais simbólicos como aferiu Neves (2013, p. 32) ―são legislações simbólicas aquelas caracterizadas por uma hipertrofia da sua função simbólica em detrimento da concretização normativa‖, na mesma linha o autor aponta o modelo tipológico de Kindermann como sendo bastante frutífero em termos teóricos, no qual existem três tipos de legislações simbólicas: a) cujo conteúdo confirma valores sociais; b) cujo conteúdo serve para atestar a capacidade de ação do Estado; e c) cujo teor busca adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios (KINDERMANN, 1988, p. 234; 1989, p. 269, apud NEVES, 2013, p. 33), dar-se-á uma explicação mais aprofundada sobre cada um adiante, mas por ora, basta indicar ao leitor que os diplomas legais podem ter esse viés

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simbólico em contraposição ao seu quinhão concretizador de dinâmicas sociais. O Brasil tem demonstrado ser um país onde a lei é produto de um processo legislativo primoroso em conceber leis sem conformação com a realidade.

No tocante às leis simbólicas do primeiro tipo, é comum que o legislativo se depare com situações em que deve decidir sobre que valores deverá adotar na concepção de uma nova lei, nesses casos não é raro que ocorram embates entre grupos sociais que defendem esse ou aquele conjunto de valores, nesse contexto, a suposta ―vitória legislativa‖ de um dos grupos é tomada como se tal grupo fosse ―superior‖ ou predominante, deixando-se de lado a eficácia normativa da lei em questão. De tal modo, os grupos buscam influenciar o poder legislativo criando, assim, proibições formais ao que contraria o seu conjunto de valores, além de garantir a permissividade ou obrigatoriedade daquilo que se alinha a ele, tornando o ato legislativo a manifestação de seus interesses (NEVES, 2013, p. 33-36). Desta feita, toma-se, dentre outros, como melhor exemplo, aquele apontado por Marcelo Neves sobre a Lei Seca norte-americana (que vigorou entre 1920-1933), ao citar a obra de Gusfield (GUSFIELD, 1986 [1963], esp. pp. 166 ss.; 1967, pp. 176 ss., apud NEVES, 2013, p. 33-34) o autor mostra que havia uma verdadeira ―queda de braço‖ entre os dois principais grupos envolvidos, de um lado, os nativos/protestantes, que eram à favor da lei; do outro, os imigrantes/católicos contrários a ela, a disputa estava longe de pautar a eficácia instrumental da norma, mas serviria como um atestado de superioridade do grupo ―vencedor‖, garantindo-lhe maior respeito social, sendo assim um símbolo de status.

Por conseguinte, aborda-se aquele que talvez seja o grande responsável pela evidente reprovação da classe política no Brasil, afinal de contas boa parte das ações governamentais brasileiras passam por essa forma de emular a solução de um problema ou crise pela pretensa e folclórica criação ou reformulação de uma lei, garantindo ao público que algo foi feito, com isso, pretende-se fortalecer ―a confiança dos cidadãos no respectivo governo ou, de um modo geral, no Estado.‖ (KINDERMANN, 1988, p. 234; HEGENBARTH, 1981, p. 201, apud NEVES, 2013, p. 36), tem-se aqui, portanto, uma forma de legislação simbólica distinta da anterior, pois ―Nesse caso, não se trata de confirmar valores de determinados grupos, mas sim de produzir confiança nos sistemas político e jurídico.‖ (KINDERMANN, 1988, p. 234, apud NEVES, 2013, p. 36); deve-se ir além, para tanto, buscar entender o jogo de interesses e as pressões a que está sujeito o Estado-Legislador se torna

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fundamental. Partindo-se dessa mínima compreensão, tem-se que ―O legislador, muitas vezes sob pressão direta do público, elabora diplomas normativos para satisfazer as expectativas dos cidadãos, sem que com isso haja o mínimo de condições de efetivação das respectivas normas.‖ (NEVES, 2013, p. 36), isso implica dizer que através da legislação-álibi o governo procura eximir-se da pressão popular ou se demonstrar sensível às demandas dos cidadãos (NEVES, 2013, p. 36-37), obviamente cada situação apresentará, por conveniência, uma resposta em um ou noutro sentido, mas raramente se apresentará uma solução de fato.

Assim, por aprofundamento, deve-se notar a dinâmica político-eleitor de forma empírica, como na situação apresentada por Marcelo Neves (2013, p. 37) ao abordar o tema ―Nos períodos eleitorais, por exemplo, os políticos prestam conta do seu desempenho, muito comumente, com referências à iniciativa e à participação no processo de elaboração das leis que correspondem às expectativas do eleitorado.‖, tamanha é a verossimilhança com o cotidiano nacional que muitas leis levam, de fato, o nome de seus patrocinadores. Disso resulta que ―É secundário, então, se a lei surtiu os efeitos socialmente ‗desejados‘, principalmente porque o período da legislatura é muito curto para que se comprove o sucesso das leis então aprovadas.‖ (KINDERMANN, 1988, p. 234; 1989, p. 269, apud NEVES, 2013, p. 37), ou seja, qualquer compromisso material assumido pelo candidato acaba se tornando uma demanda meramente formal na prática, pois o ―Importante é que os membros do parlamento e do governo apresentem-se como atuantes e, portanto, que o Estado-Legislador mantenha-se merecedor da confiança do cidadão.‖ (NEVES, 2013, p. 37), diante disso, fica evidente a tese central do simbolismo legal amplamente presente no seio da legislatura pátria. Como chega a concluir Neves (2013, p. 40) ―[...] o emprego abusivo da legislação-álibi leva a ‗descrença‘ no próprio sistema jurídico, [...]‖, talvez essa seja a contrapartida política do chamado ―jeitinho brasileiro‖, o que traz a sensação de fracasso, na verdade, é constatar que essa realidade já se naturalizou, tornou-se parte inerente da nossa cultura dita republicana, em arremate, tornando-se evidente que a legislação não corrobora para a positivação de normas jurídicas, o direito como sistema de garantias e regulamentação fica desacreditado, daí que a opinião pública declina, com as pessoas se sentindo enganadas, por consequência os políticos se tornam cínicos (KINDERMANN, 1989, p. 270, apud NEVES, 2013, p. 41), resta saber se em nosso país a lógica não seria justamente a

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contrária, sendo os atores políticos figuras cínicas que distorcem o sistema, enquanto o Direito mantém a superestrutura funcionando apesar disso.

Some-se ao que já foi exposto uma segunda forma de legislação-álibi que, de forma mais rebuscada, se conecta com os discursos de emergência e estará, de certo modo, estruturado o ambiente legal propício para aquilo que se pretende provar neste trabalho com relação a lei antiterrorismo. Retomando-se o que foi apresentado até aqui, de modo geral, as leis simbólicas que se manifestam na forma de atestado da capacidade de ação do Estado, ou legislação-álibi, funcionam pela incidência de uma pressão pública por meio da qual se dará uma resposta legal (meramente formal) no intuito de ganhar a simpatia do povo, ou de simplesmente calá-lo, entretanto, essa forma genérica não é a única, evidencia-se a legislação-álibi, também, em face da insatisfação gerada na população por dados acontecimentos ou mesmo da emergência de questões sociais, pois, muito frequentemente se exige do governo uma solução imediata; em que pese nesses casos, geralmente, a impossibilidade de se chegar a uma resposta adequada por meios normativos, sendo assim, a edição da lei serve como álibi do legislador perante a população que exigia uma reação do Estado (NEVES, 2013, p. 37).

Tal fenômeno ocorre em qualquer ramo do direito, mas tem uma importância significativa para o Direito Penal, haja vista o que já foi exposto anteriormente sobre o punitivismo na sociedade brasileira, quanto a isso temos que ―No Direito Penal, as reformas legislativas surgem muitas vezes como reações simbólicas à pressão pública por uma atitude estatal mais drástica contra determinados crimes.‖ (SCHILD, 1986, p. 198, apud NEVES, 2013, p. 38), nesse ponto, chega-se ao cerne do que se pretende expor em relação a Lei Antiterrorismo no Brasil e a sua função simbólica, porém, faz-se necessário passar ao terceiro tipo de legislação simbólica para conclusão do raciocínio.

Em suma, o terceiro tipo são os casos em que existe um conflito entre grupos políticos acerca de um problema cuja resolução não provém da atividade legiferante, pelo contrário, é a confiança na ineficácia da referida lei que repousa o seu teor simbólico. A solução para o problema fica para depois, havendo um acordo tácito entre os grupos antagônicos pela ocasião; o diploma legal, portanto, serve como uma espécie de ―armistício‖ ou ―trégua‖ protelando a solução do problema social subjacente. (NEVES, 2013, p. 41). Nesse sentido, pode-se considerar que há um grande número de leis brasileiras que servem a esse propósito, deixando de tratar

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questões complexas ou polêmicas pela edição de normas que não possuem qualquer eficácia, adiando sempre a solução para um futuro incerto.

De tal modo, a questão do terrorismo no Brasil, como se viu, vinha sendo debatida desde a abertura democrática com a Constituição Federal de 1988 que já trazia em seu texto passagens que davam conta do assunto, não existia, porém, um interesse tão urgente na sua definição legal até o 11 de setembro de 2001, quando se modificou consideravelmente o cenário político mundial em torno do tema, assim, o Brasil deu início aos trabalhos necessários com propostas legislativas que datam de 2002, mas que nunca tinham chegado à concretização de um diploma legal válido, o tema encontrava guarida sob as leis de Segurança Nacional (Lei nº 7.170 de 1983) e de combate ao crime organizado (Lei nº 8.250 de 2013), pois desde a redemocratização o terrorismo não fazia parte do vocabulário nacional, mas, de repente, passava-se a uma óbvia necessidade de tipificá-lo, com grande pressão externa para que se fixasse o tratamento legal que seria dado ao terrorismo de qualquer forma; em contrapartida, as jornadas de junho de 2013, pouco antes da Copa do Mundo de 2014, demonstraram o quanto de indignação pública estava represada na população brasileira, com protestos nunca antes vistos, bancos privados e prédios públicos foram atacados, grandes veículos de imprensa foram hostilizados, e mesmo assim não se conseguiu criar o clima necessário para a aprovação de uma lei sobre o terrorismo, ―[...] o país recepcionou a Copa do Mundo de Futebol de 2014 sem uma legislação que tratasse claramente da temática terrorista. Dois anos depois, quase às vésperas dos Jogos Olímpicos, finalmente entrou em vigor a Lei 13.260 de 2016.‖ (CHUY, 2018, p. 25). Há aqui uma impressão, ou mesmo um mero indício de que a promulgação da lei foi adiada até o último instante, pois esta serviu, de fato, como resposta a uma imposição externa baseada na sediação de eventos esportivos internacionais, não se tratava de um interesse estratégico brasileiro, mas sim de uma forma do Estado brasileiro atestar sua capacidade de ação e se desviar das pressões externas que vinha sofrendo.

Para muitos, entretanto, esta não é a razão, mas sim um conjunto de pressupostos, pois ―O terrorismo segue desafiando a lógica da racionalidade e impondo o aperfeiçoamento das instituições encarregadas de combatê-lo. Integra a categoria restrita dos supercrimes.― (CHUY, 2018, p. 09), ou seja, infere-se que para se combater os ditos ―supercrimes‖ é necessário que haja a categorias das ―super-leis‖, dessas que podem relativizar garantias processuais penais como as da

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principiologia estabelecida por Luigi Ferrajoli (2014, p. 89-92) em função de uma noção ―superior‖ de segurança, como no caso da técnica de criminalização de atos preparatórios, por meio de tipos de perigo abstrato, que julgam ser absolutamente justificada (CHUY, 2018, p. 09-10), além de considerarem a necessidade de se aproximar o tipo penal do terrorismo aos princípios da taxatividade e da proibição de proteção deficiente (CHUY, 2018, p. 23), porém, há uma crítica subjacente ao esforço de justificar mais uma lei penal repressiva, segundo Almeida et al (2017, p.156, apud CHUY, 2018, p. 38) parte da doutrina se opõe ao caráter emergencial dado à referida legislação, fato que teria tolhido um debate maior e mais amplo sobre a matéria, de tal modo que a lei possui ―duvidosa aptidão para fazer frente ao terrorismo, mas hábil a intimidar (e, em alguns pontos, até mesmo facultar a criminalização de) manifestações políticas e movimentos sociais e congêneres‖.

Essa divergência de entendimento acerca da novel lei tem fundamento e é motivo de debates na academia, no escorço deste trabalho, tratou-se de frisar argumentos tanto à favor, quanto contrários, para que se chegasse à síntese necessária aqui exposta. Deixa-se aqui um apontamento feito por Zygmunt Bauman (2008, p. 141), sendo a guerra verdadeira (e possível de ser vencida) contra o terrorismo aquela que não se perfaz com as cidades e vilas já semidestruídas do Oriente Médio sendo obliteradas, mas sim aquela na qual as dívidas dos países pobres do mundo forem perdoadas, quando os mercados do Ocidente se abrirem a seus principais produtos e a educação for patrocinada para todas as crianças que hoje estão privadas de qualquer tipo de escola, além de outras medidas semelhantes forem tomadas e implementadas. Corroborando-se, assim, do conjunto de justificativas e críticas levantadas até aqui, mesmo sem o exaurimento do tema, a crença de que a Lei antiterrorismo no Brasil tem mais força em relação ao seu papel simbólico do que como resposta suficiente para sanar as questões de fundo que suscita, gerando desconforto no seio da sociedade brasileira, a lei tem se demonstrado mais como um pretexto jurídico para prisões arbitrárias que um veículo de concretização democrática, finalidade a que deveriam se fiar todas as leis no Estado Democrático de Direito.

Referências

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