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4. SOBRE A LEI Nº 13.260/2016 E AS OPERAÇÕES HASHTAG E ÉREBO

4.1 Operação hashtag

Mas o que foi a operação hashtag, qualquer resposta a essa pergunta deve levar em consideração as duas principais narrativas que se deram em seu entorno. Primeiramente, segundo as forças de segurança pública envolvidas e veículos de imprensa ―chapa branca‖8

, foi um sucesso, um esforço conjunto que resultou na condenação inédita na América Latina de terroristas islâmicos, e trouxe plena segurança aos jogos olímpicos daquele ano. Em contrapartida, para quem acompanhou seus desdobramentos, a operação hashtag foi uma clara demonstração de poder, uma propaganda ideológica com graves consequências.

Conforme a primeira corrente, muito antes da efetiva prisão dos suspeitos, já havia uma equipe monitorando a atividade de potenciais agressores terroristas na internet, assim, o risco de que houvesse alguma ação efetiva era remoto, mas mesmo assim a ocasião dos jogos olímpicos requeria um forte esquema de segurança e a manutenção das ações de inteligência e monitoramento, então nas palavras de Chuy (2018, p. 52) ―Às vésperas dos Jogos Olímpicos de 2016 e já sob a égide da novel lei [...], a Divisão Antiterrorismo da Polícia Federal deflagrou operação de polícia judiciária para desarticular uma organização terrorista.‖ a operação teve ampla cobertura midiática e representou possivelmente um dos maiores desafios atuais à repressão do terrorismo global, em se tratando de Direito Penal, por ser disseminado através das redes sociais e da internet, com a propagação de ideologias extremistas e da radicalização de doutrinas que pregam a violência sendo pulverizado de maneira tão fácil (CHUY, 2018, p. 65), a segurança

dos jogos foi mantida graças aos esforços coordenados das autoridades em colaboração com agências internacionais de inteligência, dentre os suspeitos, inclusive, havia um que tentara adquirir um fuzil AK-47 pela internet. A operação resultou na Ação Penal nº 5046863-67.2016.4.04.7000/PR, e no dia 16 de setembro de 2016, o Ministério Público Federal apresentou denúncia contra os réus Alisson Luan de Oliveira, Hortencio Yoshitake, Israel Pedra Mesquita, Levi Ribeiro Fernandes de Jesus, Luis Gustavo de Oliveira e Oziris Moris Lundi dos Santos Azevedo, imputando a estes as práticas dos crimes previstos no art. 3º da Lei nº 13.260/16 (pela promoção de organização terrorista), no art. 288 do Código Penal (por associação criminosa) e no art. 244-B, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.069/90 (por corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la). O réu Fernando Pinheiro Cabral foi denunciado pela prática dos delitos previstos no art. 3º da Lei nº 13.260/16 e no art. 288 do Código Penal. Em relação a Leonid El Kadre de Melo, imputaram-se as práticas dos crimes previstos no art. 288 do Código Penal e no art. 244-B, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.069/90, combinados com o art. 3º da Lei nº 13.260/16 e com o art. 5º, § 1º, I, c/c § 2º, da Lei nº 13.260/16, sendo este último pela prática do crime de recrutamento para organização terrorista. A correspondente sentença foi proferida pelo Juiz Federal Marcos Josegrei da Silva em 04 de maio de 2017 e conta com cerca de cem páginas onde são expostos os fundamentos que levaram às condenações (BRASIL, 2017).

Doravante, é imperioso trazer a ao leitor a interpretação que é dada pela corrente oposta, que enxerga a operação hashtag com fundada desconfiança.

Segundo informações colhidas em excelente artigo da autora Rita Cristina de Oliveira (OLIVEIRA, 2018), tudo começa com um memorando do FBI (Federal

Bureau of Investigation) enviado para a Polícia Federal em 06/05/2016. Já em 21 de

julho daquele mesmo ano, portanto quinze dias antes da abertura dos jogos, o então Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, hoje Ministro do STF, foi à imprensa vangloriar-se do fato de o governo ter prevenido a população de possíveis ataques de uma suposta ―célula terrorista amadora‖ composta por brasileiros que, conforme as apurações supunham, planejavam realizar atentados durante os jogos olímpicos. Na ocasião, o Ministro da Justiça em exercício destacou trechos de conversas interceptadas em que se demonstravam, em tese, as evidências de adesão a práticas terroristas e planejamento de atentados. De início, a operação foi marcada

por graves abusos de autoridade e violação de garantias penais, com interrogatórios realizados sob incomunicabilidade, negaram o acesso a um defensor quando das efetivas prisões, a imediata inclusão dos suspeitos em prisão federal, sem audiência de custódia, em verdade, mal sabiam porque estavam sendo presos. Já com o fim das olimpíadas, constatou-se que não havia nenhum risco real de prática de atentado, nenhum plano de atentado, sequer um esboço, e não se poderia dizer que existia uma célula terrorista – nem mesmo uma célula terrorista amadora.

Ainda, conforme a autora, o que se produziu foi uma retórica para justificar a ação do Estado, tendo em vista que os alvos da operação eram jovens pobres cuja mídia sensacionalista havia tratado de transformar em terroristas, com um investigado, irmão de um dos condenados, tendo sido linchado em uma cadeia pública por ―ser terrorista‖. Enquanto era a presidente em exercício, Dilma Rousseff vetou alguns pontos da lei antiterrorismo que se não tivessem ocorrido, teriam agravado ainda mais a situação dos indiciados. Pela frustração de não terem como condenar os acusados de forma mais direta, tratou-se cobrir o rasgo jurídico com uma emenda hermenêutica fundada na interpretação extensiva do termo ―promoção‖, com uso de recursos linguísticos, a ―promoção da ideologia terrorista‖ se tornou a pedra de toque utilizada para fundamentar a condenação.

Já em sua fase posterior, aponta a autora, a hashtag também tratou de uma questão sensível em toda essa história, com o indiciamento de um jornalista que, em tese, teria agido como agente infiltrado nas redes sociais e internet incitando pessoas a aderirem às práticas terroristas com o intuito de gerar furos de reportagem, visivelmente favorecido pelo MPF e autoridades por não ter recebido o mesmo tratamento dado aos demais indiciados ―terroristas‖ – sua defesa vem sendo custeada pela Rede Globo. A sentença inaugural do processo condenou oito indiciados, foi interposto recurso de apelação ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que, por sua vez, manteve a condenação por maioria, entretanto, a esperança da defesa reside na reversão do julgado em embargos de divergência amparados no voto da Desembargadora Claudia Cristofani no sentido de reconhecer a atipicidade das condutas.

Não se pode olvidar de que toda ação dos órgãos de segurança pública foram conduzidos com a finalidade inicial de garantir a imagem do país diante das olimpíadas, nesse sentido a operação foi um sucesso, pois, além de não ocorrerem atos que atentassem contra as delegações estrangeiras, gerou-se um clima de

confiança institucional que de certa forma ofuscava os distúrbios ocorridos anos antes, nas jornadas de 2013 — que se estenderam até a Copa do Mundo de 2014.

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