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A partir do que foi descrito nos capítulos anteriores, nota-se a ligação direta entre a zona portuária carioca e a evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro, além do estigma criado historicamente de espaço degradado, especialmente após a segunda metade do século XX, no qual as intervenções urbanas realizadas para a melhoria do fluxo viário transformaram a área portuária em um mero local de passagem e a isolou da dinâmica urbana da cidade, deixando de atrair investimentos públicos e privados e gerando assim uma espacialidade caracterizada pela degradação do ambiente construído, esvaziamento demográfico e população predominantemente de classe baixa. As tentativas de renovação da zona portuária se iniciaram nos anos 1980, com a proposta de conclusão de um centro de negócios pela Associação Comercial do Rio de Janeiro e nos anos 2000, com o projeto de uma filial do Museu Guggenheim para o início de uma "revitalização" na área proposto pelo então prefeito César Maia, mas a falta de recursos e a oposição de determinados atores sociais impediram o prosseguimento dos projetos. Com a Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha, porém, o discurso do empreendedorismo voltado ao planejamento urbano estava consolidado na cidade e o projeto de renovação fez crescer o interesse do mercado pela área portuária, por se tratar de uma oportunidade de dinamização de mercado, seja através da expansão imobiliária ou pela absorção da demanda de empreendimentos comerciais, e pelas vantagens de investimento, pois o estigma de degradação espacial daria legitimidade às ações dos empreendedores por meio do discurso de desenvolvimento econômico e social e a taxa de lucratividade seria maior, por se tratar de uma série de terrenos desvalorizados.

O projeto Porto Maravilha se desenvolve, portanto, pela articulação econômica e política que envolve as escalas local (representada pelo governo municipal e pelas parcerias formadas com a iniciativa privada), a nacional (representada pelos investimentos da União), até a global (atração de investimentos de grandes empresas transnacionais), em que a adoção da Parceria Público-Privada consolida as ações empresariais como protagonistas no processo de renovação urbana. Sob o discurso da Operação Urbana Consorciada, que defende uma "política urbana redistributiva" e a implementação de "projetos de interesse coletivo", o que se observa de fato é o fracionamento da cidade segundo as lógicas de mercado, em que a dinamização de mercado e a lógica especulativa são usadas como alavanca para o investimento público-privado e o planejamento urbano entende a cidade como um negócio e não como uma construção social.

As mudanças descritas nos capítulos anteriores demonstram a ascensão da orientação neoliberal no pensamento econômico, por meio da adoção de políticas e intervenções que buscassem uma gestão empreendedora, criativa e inovadora nos investimentos realizados pelo projeto e atraíssem assim o capital internacional através de um ambiente favorável aos negócios. No âmbito social, porém, o empreendedorismo aplicado ao Porto Maravilha resultou em um aumento das desigualdades sociais locais, além da expulsão direta ou indireta dos moradores da área portuária, pois estes não atendiam aos interesses dos atores econômicos que investiam no projeto. As ações promovidas pelo Porto Maravilha Cidadão mascaram a gestão não- democrática do projeto, que removeu moradores da favela da Providência, perseguiu trabalhadores camelôs que "poluíam" a paisagem renovada, substituiu pequenos estabelecimentos comerciais por empreendimentos sofisticados visando o público turista e realocou diversas famílias que moravam em cortiços e autoconstruções para outros bairros da cidade, no intuito de utilizar os terrenos para outros fins. A valorização do capital, portanto, não seguiu o discurso social de reforma urbana e criou um panorama de exclusões socioespaciais que afetaram especialmente a camada mais pobre da população, transformando a Operação Urbana Consorciada em mais um instrumento de permanência dos interesses das classes dominantes e priorizando o valor de troca ao valor de uso da cidade.

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