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Parte II – Análise da Obra de Rega do Vale do Sorraia

6. Conclusões

Esta dissertação propôs-se a confrontar a Lei da Água aplicada ao setor agrícola, mais precisamente o Regime Económico e Financeiro, com o Aproveitamento Hidroagrícola do Vale do

Sorraia, partindo de uma análise da situação atual do recurso água a nível mundial e nacional, da legislação em vigor e do próprio Aproveitamento.

Através da revisão bibliográfica foi possível constatar o seguinte:

• Como consequência, principalmente, das alterações climáticas e das utilizações que o homem faz dos recursos hídricos, cada vez mais intensivas devido ao aumento populacional que se tem vindo a verificar, tem aumentado a variabilidade espacial e temporal das disponibilidades de água. No entanto, este recurso não é um bem escasso, já que existe em quantidades suficientes no globo, embora existam regiões onde a sua falta seja mais sentida.

• A escassez verificada em algumas regiões pode não ser apenas quantitativa, mas também, ou alternativamente, qualitativa, nomeadamente quando a água é imprópria para os usos pretendidos ou o custo para a poder tornar utilizável ser incomportável para os utilizadores.

• Portugal não foge à regra e mantém o padrão de, globalmente, ter água suficiente, mas, em algumas regiões, se poderem verificar períodos de escassez.

• Crê-se que qualquer uma destas limitações apresenta soluções, fortemente dependentes de opções políticas e de investimentos, com custos associados, de forma a resolver não só problemas de quantidade, através da construção de estruturas de armazenamento de água por exemplo, mas também de qualidade, construindo estações de tratamento ou de dessalinização. De qualquer forma, face às menores disponibilidades que se verificam em algumas regiões e ao aumento das necessidades dos recursos hídricos, importa garantir a sua gestão adequada, com o objetivo de redução do desperdício e aumento da eficiência do seu uso.

• Sendo a agricultura a principal utilizadora de água, não só a nível nacional, mas também a nível mundial, é principalmente neste sector que a falta deste recurso é mais sentida, e, por esse motivo, que incide grande parte das orientações políticas ao nível da sua gestão. Sabendo que a agricultura de regadio é a única possível em grande parte de Portugal, importa que a sua utilização seja cada vez mais eficiente e procure restituir a água que não utiliza livre de contaminação e poluição.

• A Lei da Água procura que esses objetivos sejam garantidos, partindo essencialmente de três princípios básicos: princípio do valor social, princípio do valor ambiental e princípio do valor económico da água. Este último tem tradução no Regime Económico Financeiro (REF) dos recursos hídricos, que pretende promover a sua utilização sustentável através da implementação dos princípios do poluidor-pagador e do utilizador-pagador.

Numa segunda parte da dissertação, e partindo da importância que o preço da água pode ter para a gestão dos recursos hídricos, foi realizada uma análise à Obra de Rega do Vale do Sorraia, de forma a verificar a aplicação da Lei da Água, e particularmente do Regime Económico Financeiro, neste aproveitamento hidroagrícola.

O preço da água praticado na Obra resulta de uma decisão anual da Direção da Associação de Regantes, entidade responsável pela gestão da Obra de Rega desde 1959, aprovado em Assembleia Geral e ratificado pelo organismo público responsável pela gestão sustentável do regadio. O preço da água tem por objetivo garantir o regular funcionamento da Obra ao mesmo tempo que procura não inviabilizar as opções culturais dos regantes.

Contudo, estabelecidos quais os custos a incorporar no preço da água, e com foco nas três principais culturas da Obra de Rega do Vale do Sorraia, arroz, milho e tomate, que ocupam, em conjunto, cerca de 66% do total de áreas cultivadas nesta região, conclui-se que, na maioria das situações, a Obra de Rega não cumpre o determinado pelo REF.

A cultura do arroz e a do milho cultivado na zona a montante da confluência da Ribeira do Divor com o Rio Sorraia não cumpre o REF para nenhuma das três hipóteses estabelecidas, enquanto que o tomate e o milho cultivado na zona a jusante dessa confluência apenas o cumprem numa situação em que a totalidade dos subsídios atribuídos aos projetos de investimentos provém de Orçamento Comunitário. Nas outras situações consideradas, o cumprimento do REF exigiria um aumento do preço da água.

Esse aumento trará consequências não só aos próprios regantes e beneficiários como também ao funcionamento da própria Obra de Rega e gestão por parte da ARBVS, principalmente relativamente ao arroz.

A cultura do arroz é particularmente importante para garantir o regular funcionamento da Obra e uma boa eficiência no uso da água, medida pela razão entre o volume da água distribuída às parcelas agrícolas sobre o volume de água saído das barragens. Dado tratar-se de uma Obra cuja regulação da água é feita por montante, com mais de 400km de canais e regadeiras que necessitam de estar em carga permanente para se poder usar a água, esperar-se-ia uma baixa eficiência. Tal não acontece uma vez que a cultura do arroz possibilita uma regularização dos caudais por utilizar elevados volumes de água e não ser suscetível a pequenas variações da lâmina de água, permitindo que o canal mantenha uma carga relativamente estável, já que quando existem solicitações pontuais para determinadas culturas é possível fornecer um pouco menos ao arroz, invertendo-se a situação quando as solicitações das outras culturas terminam. Em 2016 usou cerca de 50% dos volumes fornecidos e contribuiu com cerca de 41% das receitas provenientes da Taxa de Exploração e Conservação.

O aumento do preço da água nesta cultura, necessário para cumprimento do REF, diminuirá as rendibilidades obtidas pelos agricultores, o que se espera que leve à conversão destas áreas para outras atividades que permitam obter as rendibilidades desejadas ou, na sua ausência, ao abandono.

Pela importância que esta cultura apresenta para a Obra de Rega, quer em termos de receitas quer em termos de eficiência do uso da água, essa situação seria de evitar. É essencialmente por esse

motivo que é justificado um preço da água para esta cultura inferior aquele que é estabelecido por Lei.

Já relativamente ao milho e ao tomate, um aumento no preço da água não implicaria uma diminuição significativa na rendibilidade destas culturas, não sendo de esperar uma redução na sua área, principalmente nas zonas de maiores produtividades. É de notar, contudo que, a situações de rendibilidades mais altas, está associado um risco também mais elevado.

O preço de água praticado nesta Obra de Rega, genericamente inferior ao exigido pelo REF, só é possível devido:

• À presença da cultura do arroz, que permite eficiências elevadas e leva a que a água retirada das barragens seja, na sua maioria, utilizada. Se esta cultura não estivesse presente, uma grande parte da água saída das barragens, necessária para manter os canais e regadeiras em carga, não seria utilizada, o que obrigaria a um aumento do seu preço para continuar a garantir o funcionamento da Obra de Rega. Por sua vez, isto implicaria maiores custos para as culturas existentes e uma menor eficiência no uso da água.

• Ao facto da Associação financiar a atividade de fornecimento de água para rega através das outras atividades que desenvolve (principalmente a produção de energia hidroelétrica).

Assim, a Associação não cumpre o REF uma vez que consegue financiar as despesas de distribuição e fornecimento da água com outras atividades, e porque o seu cumprimento levaria à eliminação, em áreas significativas, da cultura do arroz, que, por sua vez, conduziria a um aumento do preço da água para as outras culturas, muito superior aquele que seria necessário para cumprir o REF, originando ainda uma muito menor eficiência do uso da água.