• Nenhum resultado encontrado

A principal intenção deste trabalho é discutir a maneira pela qual um processo formativo contínuo em serviço, centrado no ensino de ciências das séries iniciais, viabilizado pela realização das atividades investigativas de ensino, metodologicamente organizado nos moldes de uma pesquisa-ação, pode contribuir com a elaboração de saberes profissionais pelos docentes nele envolvidos.

Os resultados obtidos a partir da análise dos dados revelaram que tal processo formativo contribuiu com a elaboração de saberes, criando variadas situações de aprendizagem a partir de necessidades geradas mediante à busca de soluções para os problemas de ensino eleitos e delimitados pelo coletivo de professoras. As situações de aprendizagem foram, sobretudo, marcadas pelas relações de interação e de comunicação estabelecidas ao longo da realização das diferentes ações e operações que movimentam as atividades investigativas de ensino. Destacamos, a seguir, as principais situações:

• Situações em que as professoras foram desafiadas a expor suas opiniões e seus motivos; a ouvir e a respeitar as diferentes opiniões de suas parceiras; a negociar; a compartilhar significados; a tomar decisões coletivas sobre seus objetivos e escolhas de conteúdos; a levantar suas hipóteses de trabalho; a formular as situações problemas a fim de estruturar as respectivas atividades investigativas de aprendizagem; a prever as possíveis estratégias de investigações que comporiam as atividades investigativas de aprendizagem;

• Situações em que o processo de aprendizagem de como ensinar ciências foi vivenciado de maneira similar ao modo pelo qual é desenvolvido junto ao aluno em sala de aula. As professoras, assim como os alunos, ao se sentirem motivadas diante da necessidade de resolver problemas, revelam seus conhecimentos prévios, planejam e realizam suas estratégias de investigação, manipulando e agindo sobre objetos; • Situações em que as professoras foram levadas a pesquisar sobre determinado

conteúdo a partir de necessidades geradas no contexto de trabalho, em função da metodologia investigativa adotada em sala de aula e em função das dúvidas que surgiram nas discussões coletivas;

• Situações de interações entre professora e alunos no desenvolvimento das atividades em sala de aula, em que a professora desenvolve e testa as hipóteses de trabalho elaboradas coletivamente, observa os resultados desse desenvolvimento e reflete sobre estes.

• Situações criadas para a realização de reflexões coletivas sobre ações/hipóteses de trabalho desenvolvidas em sala de aula pelas professoras.

Notamos que as situações citadas acima ocorrem de maneira similar as ações que caracterizam as espirais de ciclos auto-reflexivos da pesquisa-ação, compostas pelas ações de planejar, agir, observar, refletir, replanejar, agir e, assim, sucessivamente. Desse modo, tais situações, apoiadas nas práticas colaborativas, constituem-se em relações interativas proporcionadoras de aprendizagem docente, uma vez que são, potencialmente, incidentes sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal das professoras, sendo, por isso, consideradas como capazes de estimular e aguçar os elementos em propensos processos de formação e mudança (VYGOTSKY, 1998).

As situações que se pautaram em reflexões coletivas propiciaram, entre as professoras, a conscientização recíproca das diferenças e das oposições que existem entre as opiniões de cada uma e as ações realizadas individualmente. Situações desse tipo revelam o valor da ação reflexiva sobre a tomada de consciência do professor sobre suas ações, seus conhecimentos e dificuldades, ou seja, sobre a validação de seus saberes, uma vez que tais situações são regidas pelo diálogo e pela comunicação entre parceiros de trabalho. A reflexão é, nesse sentido, o elemento capaz de gerar essa conscientização entre os participantes, por ocasião de uma atividade comum e coletiva (RUBTSOV, 1996).

Entendemos, portanto, que o processo de aprendizagem é gerado pelas situações de interação, mas não limitadas a elas, pois, de acordo ao que propõe Vygotsky (1991), o verdadeiro curso do pensamento vai do social para o individual. Nesse sentido, acreditamos que as atividades investigativas de ensino cumprem o papel de gerar situações coletivas, nas quais as professoras se agrupam para resolver o que não foi possível fazer sozinhas, e de gerar situações individuais, em que as professoras estabelecem relações consigo mesmas em um processo de auto-reflexão. Este raciocínio leva-nos à legitimação das situações de interação como condição essencial para aprendizagem e entendidas como uma etapa necessária ao desenvolvimento da atividade individual (ibid).

Assim, reforçamos o valor da pesquisa-ação, praticada por meio das atividades investigativas de ensino, como uma opção metodológica adequada à formação contínua em serviço e capaz de contribuir com o processo de aprendizagem da docência e, por conseguinte, com o processo de elaboração de saberes docentes. Nesse entendimento, pesquisa-ação e atividade investigativa de ensino unem-se em um núcleo representativo da essencialidade do trabalho docente no ensino de ciências. Trabalho docente é, desse modo, concebido como “atividade” e, nesta dimensão, desencadeador de necessidades, motivos e, enfim, de outras atividades. Outras atividades que contemplam em si os motivos que proporcionam a criação, a dúvida, a insatisfação, a recriação e, enfim, a aprendizagem.

A análise realizada no corpo da pesquisa, bem como as situações de aprendizagem apresentadas como contribuições ao processo de aprendizagem da docência, reafirmam os pressupostos que valorizam o trabalho docente como atividade, uma vez que tais situações e os próprios saberes foram identificados “em ação”, ou melhor, em processo de elaboração e validação. Valorizamos, assim, os pressupostos de Tardif (2005, p. 257) pautados na concepção de que “[...] o trabalho não é primeiro um objeto que se olha, mas uma atividade que se faz, e é realizando-a que os saberes são mobilizados e construídos” (grifo nosso).

Nesse sentido, a elaboração de saberes docentes decorre do processo de aprendizagem da docência, que acontece na própria realização da docência, concebida como “atividade” e mediada por um processo de formação continua, cujo pressuposto básico é levar os professores a se organizarem em coletivos e a problematizarem as suas experiências e a verem nesta organização e problematização os principais motivos de sua formação e profissionalização (NÓVOA, 2003).

Atribuímos, portanto, ao processo de elaboração de saberes o sentido da aprendizagem, ou seja, da construção de significados novos que, paulatinamente, na medida da necessidade, tornam-se elementos conscientes, podendo ser incorporados à prática, como elementos de mudanças.

Em suma, as conclusões obtidas sobre os resultados, nos levam a entender que a pesquisa-ação na formação das professoras é uma opção metodológica em construção, avaliada como bastante adequada à realização de uma formação contínua em serviço que preza pela construção da autonomia docente. A própria dinâmica da pesquisa-ação, regida por um processo vivo, repleto de relações e interações e inserido no cotidiano escolar, exige que os docentes adotem uma postura de aprendizes diante de sua docência, na busca

permanente por mudanças em sua prática. Mudanças que signifiquem, acima de tudo, uma melhoria da qualidade do ensino em uma relação de correspondência com a qualidade de aprendizagem dos alunos.

Para finalizar, faremos algumas considerações sobre a realização da pesquisa e o seu alcance, diante de seus propósitos iniciais.

A pesquisa, em primeiro plano, iluminou e problematizou a experiência de formação contínua em serviço em ensino de ciências, iniciada com a construção do laboratório de ciências na EMEF Cândido Portinari, contribuindo, não apenas com a sua teorização, mas também com a introdução de elementos críticos e reflexivos sobre sua estrutura e processo. Desse modo, revelou e registrou o processo de construção do laboratório, como um marco inserido na história da escola e de seus sujeitos e como uma grande contribuição à renovação do ensino de ciências no Ensino Fundamental I (Ciclo I) e à formação dos docentes envolvidos.

Como tudo que acontece na escola, a condução deste projeto oscilou entre avanços e retrocessos, sempre condicionados pelo grau de envolvimento da equipe docente com seus propósitos. Não podemos negar que a existência de um profissional com especialização na área de ciências, cujas funções foram reorientadas para a coordenação do projeto na escola, favoreceu a sua persistência, garantindo, entre outros aspectos, a renovação das discussões e reflexões realizadas a partir de contatos com fóruns e instituições além da escola.

Esta pesquisa, por exemplo, é um desses elementos renovadores, pois alimentou teoricamente e metodologicamente, tanto a proposta de formação docente em desenvolvimento, como a prática realizada em sala de aula. Esta pesquisadora, no papel de formadora, introduziu elementos teóricos ao processo formativo que, combinados com os elementos históricos relembrados pelas professoras, ao rememorarem a construção do laboratório, revelaram que, desde os primeiros instantes do projeto, havia professores que se desafiavam a desenvolver em suas salas de aulas, estratégias de ensino pensadas e planejadas por eles próprios.

Neste sentido, podemos dizer que havia, desde os primórdios, embriões de um processo organizativo e formativo, cuja concepção já se aproximava de uma pesquisa-ação, desenvolvida na realização das atividades investigativas de ensino. Além do mais, não há dúvida de que a tomada de consciência por parte dos sujeitos sobre os pressupostos que teorizam esse processo formativo e sobre as suas contribuições ao processo de aprendizagem

docente, reveladas entre os resultados da pesquisa, o valoriza e o potencializa, criando novas condições de existência e persistência.

Desse modo, problematizar essa experiência, com a intenção de responder sobre as suas contribuições ao processo de aprendizagem da docência e à consubstanciação dessa aprendizagem em saberes docentes, foi uma necessidade nascida nesse contexto e, portanto, extremamente significativa na experiência de vida e profissional desta pesquisadora, que, no papel de formadora, vivenciou essa experiência em toda a sua trajetória.

A relação de coincidência estabelecida entre os motivos da formadora, no papel desta pesquisadora, e os objetivos da pesquisa, nos leva a compreender que a pesquisa foi desenvolvida, por ela, como uma “atividade”. Atividade no sentido atribuído por Leontiev (1988), orientada por motivos explícitos, realizada por meio de práticas colaborativas, desencadeadora de um processo de aprendizagem para todos os sujeitos nela envolvidos, sobretudo, para a formadora. Aliás, a formadora, além de se tornar uma aprendiz como pesquisadora, teve o seu papel revitalizado pelas reflexões teóricas proporcionadas pelos estudos necessários à condução da pesquisa.

A propósito, a pesquisa revela no conjunto da análise de seus dados, como esse papel é desempenhado, como as relações estabelecidas entre a formadora e as professoras foram estabelecidas ao longo de todas as situações que compunham as atividades investigativas de ensino no corpo da pesquisa-ação. Relações construídas em um corpo-a-corpo permanente, em um fazer com o outro, sempre mediadas pelo diálogo, pela afetividade e, sobretudo, pela confiança e sinceridade.

Supomos que a horizontalidade flagrada nestas relações, bem como a atuação desta pesquisadora como formadora e professora responsável, em certa proporção, pela orientação dos professores das séries iniciais no ensino de ciências, são resultados de uma gradual conquista. Como parceira de trabalho, predisposta a aprender e a colaborar, foi, paulatinamente, construindo um espaço de atuação, cujos pilares sempre foram a participação mútua, a valorização de cada professora no desempenho de sua atividade educativa e, sobretudo, as relações de trocas mediadas, de um lado, pelas necessidades criadas diante de sua intenção de coordenar o projeto de construção e condução do laboratório de ciências na escola e, por outro, pelas necessidades das professoras criadas na condução de suas aulas de ciências.

Assim, constatamos que o respeito e a confiança que há entre a formadora e as professoras, resultaram de um processo em que motivos e necessidades comuns, foram articulados em prol de um motivo/objetivo maior e também comum - o de ensinar ciências de uma maneira mais viva, capaz de atrair as crianças para o gosto de estudar e de aprender.

Nesse sentido, avaliamos que a formadora, em função das relações que estabelece com as professoras e em função dos elementos teóricos e práticos que são, constantemente, introduzidos por ela no processo formativo, influencia a aprendizagem e, por conseguinte, a elaboração de saberes docentes pelas professoras. Do mesmo modo, as diferentes concepções e posturas adotadas pelas professoras na condução de seus trabalhos, também, influenciam a elaboração de saberes pela formadora. Há, diga-se de passagem, uma troca de influências entre os sujeitos, o que é comum em qualquer trabalho, verdadeiramente, colaborativo.

Possivelmente, a maior mobilidade da formadora na escola e o seu livre acesso aos grupos de estudos e às salas de aulas das professoras, favoreceram que suas ações tivessem mais influência sobre a elaboração de saberes dos demais sujeitos. Como verificamos ao longo da análise dos dados, suas ações provocam discussões; mediam as negociações e decisões; incentivam a dúvida e a predisposição à pesquisa; socializam as decisões e sugestões; sugerem e colaboram com o estudo coletivo de textos que abrangem diferenciados temas, desde os específicos ao ensino de ciências aos mais amplos, relacionados à educação de maneira geral; sugerem as reflexões individuais e mediam as coletivas; incentivam a elaboração de portfólios com registros reflexivos sobre o trabalho desenvolvido; incentivam a participação em congressos com apresentação de trabalhos; incentivam a continuidade dos estudos para além da formação inicial.

Certamente, a existência de um laboratório de ciências na escola é outro fator que exerce influência sobre o processo de elaboração de saberes. Referimo-nos, sobretudo, ao fato de existir, desde o início, vinculada a sua estrutura, a proposta de construção de uma concepção de ensino de ciências. Ou seja, o laboratório não representa apenas um espaço físico bem equipado, mas, acima de tudo, um corpo de conhecimentos que lhe confere uma fisionomia própria, uma identidade tecida a várias mãos e a várias mentes. Portanto, os saberes das professoras, principalmente aqueles relacionados ao como ensinar ciências, revelados pela pesquisa, refletem, em certa medida, essa identidade e os conhecimentos que a compõe.