• Nenhum resultado encontrado

Saberes necessários à docência em ciências no Ensino Fundamental I,

Capítulo IV – A aprendizagem consubstancia-se na elaboração

4.2 Saberes necessários à docência em ciências no Ensino Fundamental I,

Quais são os saberes que o professor necessita elaborar para ensinar ciências para crianças em uma perspectiva orientada por meio de investigações?

A intenção não é buscar respostas definitivas para esta questão. Como já foi dito por Tardif (2005), o saber é transitório e sua elaboração se dá no contexto de uma socialização profissional, na articulação com o fazer, onde o professor aprende a ensinar fazendo o seu trabalho.

Seria contraditório a estas concepções se prescrevêssemos receitas, contendo saberes necessários a determinada docência. Apenas discutiremos, com base na literatura, acerca de

algumas orientações e necessidades gerais, sobretudo, aquelas que se referem às ações metodológicas no âmbito da docência em fundamentação.

De antemão, sabemos da responsabilidade assumida pelos professores do ensino fundamental I, principalmente na escola pública. São professores polivalentes que, além de responderem pela educação conceitual em todas as áreas e pela articulação dessa educação com a alfabetização na língua materna, devem cuidar da formação moral e ética de seus alunos. Ou seja, os alunos, ao final desse ciclo de ensino, devem estar capacitados à leitura e à escrita, alfabetizados em ciências, e preparados para aos novos desafios que enfrentarão no ensino fundamental II.

De início, três desafios se apresentam: o reconhecimento, por parte do professor, da importância do ensino de ciências no desenvolvimento cognitivo das crianças; a necessidade de construir uma postura metodológica por meio da qual o como ensinar ciências corresponda ao aprender ciências, de modo que esta correspondência justifique a importância desse ensino; e, em terceiro lugar, está a difícil associação entre as áreas do conhecimento e a alfabetização na língua materna.

São responsabilidades e desafios difíceis, pois, como já mencionamos anteriormente, a formação inicial desses profissionais não dá conta de prepará-los em tal complexidade. O exercício da docência e as contínuas formações é que podem indicar caminhos para a busca de respostas. Neste sentido, ressaltamos a essencialidade do trabalho coletivo como um dos possíveis caminhos.

A discussão acerca da elaboração de saberes necessários à docência em ciências, perpassa pela constante busca de caminhos que levem à solução dos problemas comuns ao coletivo de professores. Referimo-nos à realização das atividades investigativas de ensino e à condução das atividades investigativas de aprendizagem, como um processo em que o “saber” e o “saber fazer” do professor de ciências se articulem desde o planejamento à condução e reflexão das atividades. Gil-Pérez & Carvalho (2001, p. 19) contribuíram para estas reflexões, ao problematizarem o “saber” e “saber fazer”, pressupondo para o ensino de ciências a “[...] idéia de aprendizagem como construção de conhecimentos” em uma orientação investigativa, tal qual acreditamos desenvolver ao longo deste trabalho.

Embora os saberes sejam estudados em categorias, sabemos que na prática, eles são indissociáveis. Nem sequer se organizam atendendo a uma lógica disciplinar e tampouco são resultados de uma mera acumulação de experiências. Ao contrário, buscam interagir e integrar vários saberes (Porlán et al, 1997). Entendemos que em uma única ação educativa, por exemplo, o professor pode fazer uso de vários saberes. Como diz Gauthier (1998, p. 20):

Quem ensina sabe que deve também planejar, organizar, avaliar, que também não pode esquecer os problemas de disciplina, e que deve estar atentos aos alunos mais agitados, muito tranqüilos, mais avançados, muitos lentos, etc.

Muitos outros saberes são mobilizados pelos professores que ensinam ciências para crianças. Precisam, por exemplo, ter conhecimento sobre o conteúdo que pretendem ensinar, sobretudo, devem estar “preparados para adquirir novos conhecimentos” (Gil Pérez & Carvalho 2001, p.25). “Quando o professor não possui conhecimentos adequados da estrutura da disciplina que está ensinando, seu ensino pode representar erroneamente o conteúdo aos alunos” (GARCIA, 1995, p. 255).

A pré-disposição para pesquisar e buscar soluções quando diante de dificuldades é um elemento importante na auto-organização do professor. A falta de domínio sobre determinado conteúdo ou a ausência do hábito de pesquisar e estudar pode, além de representar o que foi afirmado acima por Garcia, levar o professor a não ensinar ciências, ou de ensiná-la por meio de um ensino mecânico, cujas estratégias se limitem a cópias de textos e a questionários.

Entre os diversos saberes disciplinares na área das Ciências, podemos destacar: a concepção de Ciência como uma construção humana, inserida em um processo histórico e social (Jordão, 2005); a história das Ciências; os métodos que orientam a construção dos conhecimentos; as interações Ciência/Tecnologia/Sociedade; a atualização sobre os avanços científicos mais recentes; saber selecionar os conteúdos adequados para serem ensinados (GIL PÉREZ & CARVALHO, 2001).

Destacamos, também, como saberes disciplinares, os conceitos estruturais, entre eles, a noção de temporalidade, a noção de espaço, matéria viva e não viva, escala, processos de transformações, ciclos, regularidades e invariâncias, energia, regulações e equilíbrios. São elementos considerados importantes no ensino de ciências, por serem essenciais na localização espacial e temporal da criança, bem como no desenvolvimento da concepção de que na natureza tudo está em constante transformação. Estas noções, elaboradas na fase inicial da escolarização, podem contribuir com a estruturação do processo de aprendizagem e com a construção dos conceitos científicos (SME, Visão de Área – Doc. 5, 1992).

Além disso, estes conceitos facilitam a apreensão de conhecimentos mais amplos, formulados de forma mais dinâmica. Ajudam a estabelecer relações mais complexas, a romper com o pragmatismo, com o imediatismo das concepções cotidianas. Podemos dizer que os conceitos estruturais estão intimamente ligados à “ [...] construção da percepção da

realidade como exterior ao aluno e que com ele estabelece relações de complexidade crescente” (SME, Visão de área – Doc 5, 1992 p.18).

O planejamento ou “preparação” das atividades requer domínio sobre todos esses conhecimentos, sobretudo quando se tratam de atividades investigativas. Estas atividades, tal qual as justificamos, são orientadas por uma situação-problema, cuja formulação demanda um grande conhecimento por parte do professor acerca do que se pretende construir junto aos alunos.

A seleção dos conteúdos e o planejamento do programa a ser desenvolvido, exigem que o professor tenha conhecimentos sobre o contexto social e cultural, em que a escola e sua comunidade estejam inseridas. Nas palavras de Garcia (1995), esses saberes são reconhecidos como “conhecimentos do contexto”.

Para conduzir a atividade investigativa de aprendizagem, o professor necessita de uma gama variada de saberes que articulam às ações metodológicas adotadas para ensinar o conteúdo com as ações metodológicas que levem o professor a gerir a sua sala. São eles: conceber as atividades investigativas enquanto situações de interação e comunicação, de forma que as crianças sintam que trabalhar em grupo é melhor do que individualmente; saber transformar as curiosidades das crianças em questões investigativas; levar o aluno a compreender a situação problema, de modo que provoque a emergência das hipóteses ou ações; transformar as idéias dos alunos em hipóteses ou planos de trabalho ou, em outras palavras, conduzir as hipóteses para as experimentações concebidas como estratégias de investigações; levar os alunos a observarem os resultados e compará-los com suas hipóteses; socializar todas as hipóteses e conclusões entre todos os alunos; levar as crianças à rememoração oral coletiva das ações e aprendizagens realizadas ao longo do processo investigativo; valorizar a escrita espontânea das crianças e a oralidade das crianças nos diversos momentos; realizar sínteses, textos coletivos, mapas conceituais que valorizem as contribuições e as novas aprendizagens dos alunos (Novak & Gowin, 19889 apud Gil Pérez & Carvalho, 2001); promover a interação dos conhecimentos das crianças com os conhecimentos científicos; promover interação dos conhecimentos científicos com as outras áreas do conhecimento por meio dos diversos gêneros de textos; articular a construção de conhecimentos com o processo de escrita e de leitura; ter uma forma própria de registro ou sistematização das atividades investigativas no caderno das crianças; gerir a classe por meio da “comunicação dialógica” estabelecendo relações de confiança e afetividade no grupo-

classe; controlar a disciplina por meio desta relação de confiança e afetividade. Falamos de uma gama de saberes que são relacionados à experiência do professor, associados à sua opção metodológica.

A “comunicação dialógica”, pressuposto importante na obra de Paulo Freire, elege o diálogo como elemento imprescindível no processo de comunicação dos professores entre si e destes na interação com seus alunos. Dialogar pressupõe “saber tolerar”, “saber escutar”, “saber falar com o outro” em uma relação horizontal nutrida pelo “amor”, pela “esperança”, “com fé no outro” (FREIRE, 1971).

Segundo Freire (2001, p. 131), “ [...] no processo da fala e da escuta a disciplina do silêncio a ser assumido com rigor e a seu tempo pelos sujeitos que falam e escutam é um ‘sine qua’ da comunicação dialógica”.

Além deste corpo de elementos, três outros são indicados por Gil Pérez & Carvalho (2001), como relevantes: a aquisição de conhecimentos teóricos sobre a aprendizagem das ciências, analisar criticamente o ensino tradicional e saber avaliar.

Estes autores destacam a fundamentação teórica na formação de professores, como elemento importante para que haja a teorização da prática docente e a ruptura com as concepções que sustentam o ensino tradicional ancorado na transmissão de conhecimentos. Saber que as crianças “aprendem significativamente construindo conhecimentos”, conduz o professor a elaboração de atividades pertinentes e coerentes com esta concepção.

Saber avaliar consiste em “[...] conceber e utilizar como instrumento de aprendizagem que permita fornecer um feedback adequado para promover o avanço dos alunos [...]”, na perspectiva de romper com as provas de cunho repetitivo e memorístico, comumente aplicadas no ensino tradicional (GIL PÉREZ & CARVALHO 2001, p. 59).

Para finalizar, lembramos o caráter coletivo e cooperativo exigido na realização das atividades investigativas de ensino. Para tanto, saber trabalhar coletivamente junto a seus pares, torna-se um saber valioso tanto na formação do professor, como na realização da atividade docente. Como já discutimos anteriormente, a prática educativa é realizada para e com pessoas, em múltiplas interações (Tardif, 2005). Portanto, interagir, comunicar, compartilhar, cooperar, são atitudes necessárias e imprescindíveis à construção de uma prática verdadeiramente comprometida com a aprendizagem e com a concepção da escola como uma comunidade de aprendizagem.

Capítulo V - Contexto desencadeador: um lugar e uma