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9. Conclusão

9.1 Conclusões finais

O património imobiliário construído tem sido alvo de inúmeras acções ditas de reabilitação e conservação menos bem-sucedidas. Actualmente a importância dada à correcta reabilitação do edificado tem conquistado um maior interesse, não só devido a algumas exigências que têm sido transpostas para a legislação nacional, mas também por consequência de uma mudança de mentalidades. A compreensão de que a destruição de certos elementos arquitectónicos jamais poderia levar a que os mesmos pudessem vir a ser recolocados com a total componente social e profissional que lhes havia dado origem, é um exemplo dessa mudança. No entanto, a interpretação que é feita de intervenções de reabilitação está, em muitos casos, ainda longe do que o seu conceito deveria significar.

Na parte inicial da presente dissertação fez-se a contextualização histórica da arte do estuque, bem como da profissão de estucador, desde a introdução desta prática em Portugal, até aos dias de hoje. Neste ponto, foi apresentada, de forma sintética e cronológica, a evolução do estuque, com início no século XVIII, tendo sido também feita referência aos nomes dos mais exímios estucadores que deixaram a sua marca em diversos edifícios nacionais. No seguimento, foram também abordadas a componente social e o secretismo, tão característicos desta profissão.

Surge, com alguma urgência, a necessidade de apreender o conhecimento daqueles que ainda hoje colocam em prática a expressão desta arte, uma vez que, actualmente são em número diminuto os profissionais deste sector que ainda sabem trabalhar segundo métodos tradicionais. Quando, pela lei da vida, ocorrer a sua extinção, extinguir-se-á, por consequência, todo o seu saber, não sendo futuramente possível a restituição dessa perda.

A profissão de estucador, tal como as profissões de carpinteiro, ferreiro, caleiro, entre muitas outras ligadas ao ramo da construção civil, estão a desaparecer. Talvez se esteja mesmo na sua recta final, devido aos efeitos da revolução tecnológica no mercado onde se inserem. E este é um conhecimento que faz parte integrante do “saber fazer” português e da história da construção em Portugal.

Por outro lado, o conhecimento detalhado de como antigamente se trabalhava é, muitas vezes, a única forma de explicar os resultados e comportamentos observados em edifícios antigos e no campo experimental quando se caracterizam amostras desse tipo de elementos construtivos. De facto, a metodologia de execução adoptada pelos profissionais do estuque imprime certas transformações nos materiais envolvidos, ou seja, diferença de espessuras nas camadas, a constituição de barreiras ao vapor de água e, por vezes até, a maior ou menor porosidade e porometria do estuque, são influenciados pelo modo de trabalho. Assim, quando se pretende estudar e analisar amostras irregulares retiradas directamente dos locais originais, só é possível compreender verdadeiramente os resultados experimentais após se perceber a forma como estes revestimentos eram preparados e aplicados.

A abordagem do estuque segundo várias perspectivas, nomeadamente artística, social e técnica, realizada no presente trabalho, pretende colmatar parte da lacuna existente sobre esta temática. Constitui, ainda, um contributo importante para melhorar o conhecimento numa área votada ao esquecimento até muito recentemente e realçar a importância que o estuque, enquanto arte decorativa, deveria ter. O levantamento de pormenores de execução, dos materiais utilizados, das técnicas mais peculiares usadas na execução dos diferentes tipos de acabamentos, nomeadamente as superfícies lisas, os elementos moldados in situ e em bancada e os elementos pré-moldados, vão contribuir para abraçar soluções de conservação e reparação mais compatíveis com os revestimentos estucados existentes. Toda a informação recolhida junto dos estucadores permitiu confirmar que a arte de estucar foi sendo desenvolvida em determinados seios familiares, sempre envolta em grande secretismo, estando a sua continuidade intimamente relacionada com a sua transmissão de geração em geração. Deste modo, o objectivo proposto de aumentar o conhecimento sobre o estuque em

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geral foi atingido. Também a veracidade do relatado pelos estucadores foi confirmada, dado o resultado dos ensaios realizados e, especificamente, a análise química e mineralógica, que o demonstram.

Poder-se-á concluir também que, à excepção do gesso, obrigatoriamente comprado aos grandes produtores nacionais, todos os restantes materiais eram adquiridos na fonte mais próxima do local de trabalho. A adopção de certas práticas esteve sempre dependente dos recursos de que a mãe natureza dispunha, em redor. Importa frisar o facto de que, na construção, não existe exclusivamente uma ferramenta ou um material para um fim restrito, ou seja, os profissionais tinham astúcia suficiente para dar uso à sua imaginação com os recursos que tinham. Como exemplo da utilização de vários materiais para o mesmo fim, surge o uso de pó de pedra em substituição do gesso, ou ao contrário quanto tal necessidade se manifesta. Na verdade, a utilização de argila (“barro”), da massa do pão ou até da cera-de-abelha para a reprodução das peças pré-moldadas está dependente da disponibilidade desses recursos, na localização geográfica da zona de acção. Por exemplo, é notoriamente mais fácil adquirir argila em redor da cidade de Beja, do que em redor da cidade de Alcácer do Sal, onde os solos são maioritariamente arenosos.

Em suma, a ideia que se pretende transmitir é que todo o processo de executar o estuque, reportado ao longo do trabalho, representa uma importante e verdadeira fonte de informação referente aos métodos utilizados ao longo do século XX, sem prejuízo de terem sempre que se fazer, naturalmente, alguns pequenos ajustes consoante a localização geográfica das obras em território nacional e, até mesmo, a altura do ano em que o trabalho era realizado.

No que concerne ao edifício do caso de estudo, não se conseguiu identificar qual a melhor das duas tipologias de tectos estudadas. É de realçar, no entanto, que a maior parte do trabalho elaborado possuiu sempre como foco principal o acabamento dos estuques, podendo concluir-se que, independentemente do processo construtivo usado na execução dos tectos, os acabamentos finais de estuque não sofreram mudanças significativas.

O modo de execução das superfícies lisas, descrito no subcapítulo 5.1, contribui para que, nestes elementos, o estuque tenha menor porosidade e menor dimensão de poros (embora a composição, em termos de materiais constituintes, seja o factor determinante). Estas superfícies eram fortemente apertadas com as réguas e talochas, em movimentos rotacionais, sendo que por vezes eram brunidas com pó de talco ou pó de jaspe, o que iria desencadear o preenchimento dos poros ou até a redução significativa da sua dimensão, principalmente à superfície. Como consequência, a difusão do vapor de água e a libertação do dióxido de carbono, necessárias para a completa carbonatação da cal aérea, eram um pouco dificultadas.

De forma semelhante, os elementos moldados in situ têm maior porosidade, pois as sucessivas passagens de massas e a posição dos estucadores durante a sua execução, podem originar zonas ocas no seu interior. Também o facto destes elementos terem na sua constituição cal aérea (usada para dar mais trabalhabilidade às massas), e poderem ser elementos bastante espessos, a carbonatação total da cal aérea no seu interior demora muito tempo, tanto mais acentuado se existir a colocação de algum material que funcione como barreira às trocas com o ambiente exterior, como a colocação de um sistema de pintura.

Como primordial conclusão do presente trabalho realça-se a importância que o conhecimento do modo de execução dos diversos trabalhos de estuque teve na interpretação dos resultados provenientes da campanha de ensaios. Ou seja, muitas vezes, a explicação para a ciência reside no saber de como as coisas se fizeram (e fazem) verdadeiramente.

Este estudo também permitiu dar a conhecer a elevada relevância que tinha a profissão de estucador até meados do século XX. Pode-se concluir igualmente que a maioria da informação recolhida junto dos estucadores entrevistados coincide parcialmente com o que vem descrito na literatura consultada, com excepção da adição de agregados no estuque liso como referem alguns autores.

79 Os resultados experimentais contribuíram positivamente para comprovar a veracidade do relatado pelos profissionais, como supra referido e estão em concordância com os obtidos por investigadores que se têm dedicado à área (Freire, 2016).