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5. Tipos de acabamento

5.1 Superfícies lisas

No que concerne à elaboração da massa para estucar superfícies lisas, a dosagem era muito bem conhecida pelos profissionais, estando condicionada às condições de aplicação, nomeadamente climatéricas e área de trabalho a executar versus tempo disponível.

De um modo geral, colocavam-se sobre a “estância” (Figura 5.1 - (a)) 20 litros de cal aérea em pasta (previamente guardada em latas, coberta com uma pelicula de água (Figura 3.3 - (c))). Seguidamente era aberta uma clareira no centro da cal, com recurso à colher da massa (Figura 3.9 - nº 26), onde se procedia ao depósito de uma certa quantidade de água. O gesso nunca se quantificava, i.e., nunca se media, ou pesava. Era usado em pó, sendo polvilhado sobre a clareira até que a água aí contida estivesse totalmente saturada de gesso. Ou seja, o que quantificava o gesso era a quantidade de água colocada na clareira. A medida de água variava entre 3 a 4 “polícias” (Figura 5.1 - (b)) (termo utilizado na região de Beja para denominar o recipiente usado para medir, equivalente a 1 litro), para 20 litros de cal aérea em pasta. Antes de se proceder à homogeneização da massa, tinha que se deixar “molhar o gesso”, ou seja, aguardava-se algum tempo (poucos minutos) para que todas as partículas de gesso estivessem bem envolvidas pela água. Depois, “cortava-se”, i.e., mexia-se primeiramente o gesso, e somente depois se envolvia toda a mistura, de modo a obter uma massa homogénea.

Antes da aplicação do estuque, procedia-se ao perfeito humedecimento das superfícies das paredes ou tectos, com o intuito de melhorar a aderência e aumentar o tempo de presa, impedindo que o suporte absorvesse em excesso a água presente na massa, necessária para a hidratação do gesso.

Ininterruptamente, espalhava-se a massa com a talocha numa direcção e depois “dobrava-se” na outra, ou seja, era espalhada sempre em duas passagens cruzadas. Seguidamente era afagada com a colher de afagar (Figura 3.9 - nº 27), também em duas passagens, pela mesma ordem com que se tinha espalhado. Depois do estuque ser afagado, o processo seguinte consistia na passagem do pano de flanela, novamente nas duas direcções ortogonais, para desfazer qualquer irregularidade que existisse. Esta operação preenchia os poros

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e proporcionava maior dureza à superfície, aumentando a sua resistência à abrasão, sujidade, lavagem e outras acções decorrentes do uso (Freire, 2016). Por último, toda a superfície era passada cuidadosamente com uma trincha larga (Figura 3.9 - nº 15), também em duas passagens ortogonais. As etapas referidas anteriormente estão mencionadas no “Manual do Formador e Estucador” de Füller (n.d.)

(a)

(b)

Figura 5.1 - (a) "Estância" ou "Tablacho"; (b) "Polícia" para dosagem de água.

Uma competência importante que os estucadores desenvolviam consistia na percepção da incidência solar crítica no interior dos edifícios. Se o edifício possuía várias janelas, ou até mesmo clarabóias, os mestres percebiam qual a hora do dia e o sentido em que a luz incidia mais sobre as superfícies, para que pudessem determinar o sentido da última passagem nas várias etapas descritas, eliminando-se, assim, as hipóteses de se notar qualquer irregularidade que sobressaísse na camada final. Esta particularidade encontra-se descrita, em parte, no “Manual do Formador e Estucador” de Füller (n.d.).

Após estar tudo perfeitamente executado, embora ainda num estado um pouco humedecido, havia profissionais que optavam por colocar pó de talco, ou pó de jaspe, espalhado através de batimento de uma “boneca” (bola com talco feita com peúga ou trapo de pano) contra a superfície. Seguidamente brunia-se com um colherim (Figura 3.9 - nº 29). Este procedimento tinha como finalidade dar lustro, ou brilho, às superfícies e a operação podia-se repetir mesmo depois da massa secar, até que a superfície apresentasse o brilho da seda.

Importa referir que as superfícies lisas apenas eram executadas quando a maioria das peças decorativas, isto é, os elementos moldados in situ e em bancada estavam já elaboradas e colocadas, contrariamente ao que sucede na actualidade, que são colocadas depois dos revestimentos das esteiras (tectos) ou paredes estarem realizados. Em relação ao estuque como um todo, este era indiscutivelmente o último trabalho a ser realizado dentro das casas, ou seja, apenas se começava a estucar depois de estar colocado tudo o que são portas, aduelas, rodapés, revestimento de pavimento, ladrilhos de pedras ornamentais, etc., para que não existisse riscos agravados de manchar e danificar os trabalhos então realizados. Também a brancura das superfícies, aquando da entrega da obra ao cliente, era garantida.

Devido à rápida presa do gesso, que era acentuada em condições de Verão, os estucadores faziam uso de certos retardadores de presa, colocados na água da amassadura. Para este fim eram utilizados diversos materiais, uns mais adequados do que outros. Segundo a informação recolhida junto dos entrevistados e, também, segundo diversos autores, nomeadamente Leitão (1896) e Segurado (n.d.), o retardador mais utilizado era a cola forte animal, mais conhecida como grude, que era sobretudo utilizada pelos marceneiros para produzirem mobiliário. Este material era adquirido sob a forma de placas e era colocado em fragmentos numa lata metálica em banho-maria, para derreter. A dosagem deste material também era alvo de mudanças consoante as condições de trabalho, mas, de uma forma generalizada, para 20 litros de cal em pasta, usava- se o equivalente a ¼ de litro de grude, já no estado líquido, misturado na água.

31 Ainda através da recolha oral, percebe-se que também eram utilizados materiais como aguarrás e a água da fervura de folhas de palmeira. Em casos mais drásticos, embora os mestres entrevistados nunca o tivessem feito, tinham conhecimento que alguns mestres antigamente chegaram a utilizar a própria urina, ou até cerveja. Este procedimento devia-se, em parte, à falta de conhecimento das consequências destas acções, pois as mesmas iriam despoletar o aparecimento de eflorescências e promover a desagregação das partículas constituintes da camada de estuque.

Em ponto de conclusão, ao contrário do que se passa actualmente com as superfícies estucadas, o estuque tradicional nunca era pintado, o que permitia lavagens com pano húmido para manutenção corrente e grande durabilidade.

5.1.1 Superfícies lisas coloridas

O estuque liso poderia ser feito à cor pretendida, não necessitando de qualquer pintura. Segundo vários autores (Füller, n.d.; Gárate-Rojas, 1999; Segurado, n.d.) e a informação da recolha oral, percebe-se que a coloração era geralmente obtida através da adição de pós coloridos (pigmentos) na água que seria posteriormente utilizada para fazer as massas. Para que, no decorrer da obra, se conseguissem obter massas sempre com a mesma cor, no início dos trabalhos eram preparadas tinas de água com os tons pretendidos, que perduravam até ao final da obra. Os estucadores tinham um recipiente que funcionava de bitola, junto das tinas. Assim, cada vez que se queria realizar uma massa com os mesmos tons, fazia-se a mistura com a quantidade certa de água de cor e dos outros constituintes.

Segundo Veiga et al (1995), citado por Freire (2016), e Gárate-Rojas (1999), existia a opção de adicionar o pigmento, previamente diluído, à própria massa, antes da aplicação, misturando bem até obter uma pasta com cor homogénea. No entanto, neste método o risco de falta de uniformidade entre amassaduras torna-se muito maior.

As cores eram conseguidas com a adição de óxidos metálicos (azul, amarelo, lilás, etc.) ou terras finamente moídas, como por exemplo, a terra de Siena queimada (Gárate-Rojas, 1999; Segurado, n.d.). A forma de aplicar as massas e os tratamentos das superfícies era igual ao descrito anteriormente, como se de uma massa à cor branca se tratasse.

5.1.2 Fingidos

Apesar de em menor escala, os mestres entrevistados ainda estiveram em contacto com uma prática na arte de estucar que consiste em imitar materiais nobres, tais como os mármores, madeiras e bronzes (Freire et

al., 2016; Gárate-Rojas, 1999; Silveira et al., 2007). Estas técnicas contribuíram decisivamente para que o

estuque acabasse por ser considerado uma arte por excelência, apenas ao alcance daqueles que tinham capacidades para a pôr em práctica. Ainda no século XX era frequente realizarem-se revestimentos a imitar materiais nobres em lambris, apainelados, ou mesmo átrios interiores. Nestes casos, a preparação da massa para “estender” ou “colocar fundo”, sofria algumas modificações. Assim sendo, o estuque passava a ter na sua composição um pouco de areia (previamente passada pela joeira, de forma a usar-se apenas as fracções mais finas). Segundo Füller (n.d.), a massa para fundos de fingir em interiores era constituída por 3 partes de cal, 1 parte de gesso e ⅓ parte de areia fina. Estas proporções vão, em parte, de encontro ao que é utilizado pelos estucadores, que disseram que, para 20 litros de cal, era colocada uma pá de pedreiro de areia fina. Relativamente ao gesso, de forma análoga ao fundo dito branco, não se quantificava. Apenas dependia da quantidade de água adicionada à mistura de cal e areia. Na maior parte das vezes, a água da amassadura já era colorida, de modo a uniformizar a cor da massa de fundo antes de se dar início aos fingidos.

Segundo a recolha oral, antigamente utilizava-se o pó de pedra (areia calcária) em vez da areia siliciosa; pois tinha a mais-valia de ser branco, logo não iria escurecer a cal. Existia, também, a possibilidade de não se usar gesso e optar pelo cimento branco: neste caso, a dosagem transmitida pelos mestres era de três copos de litro de pó de pedra e um copo de cimento branco. Seguidamente misturava-se o composto e adicionava-

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se água e um pouco de cal. A utilização de cimento branco para este fim é igualmente referida por vários autores, nomeadamente Füller e Segurado (n.d.).

No que concerne à execução dos fingidos propriamente ditos, estes eram executados algumas horas depois de estendida e afagada a massa, para que o estuque ainda se mantivesse húmido, mas convenientemente consistente. Era importante que os fingidos se fizessem com o suporte húmido, para que este absorvesse as águas coloridas e estas se impregnassem em toda a sua espessura. Desta forma, mesmo que alguns anos mais tarde se passasse lixa no estuque, iriam observar-se sempre os mesmos tons até ao esboço.

Os estucadores começavam por dividir o estuque em painéis com o bico do lápis de carvão quando queriam simular ladrilhos ou placas de pedra. Como a massa ainda se encontrava ligeiramente fresca, o risco ficava em toda a espessura da camada de estuque. Seguidamente, os mestres providos das latas com a indicada água colorida com óxidos davam asas à sua imaginação e com o exímio dom da pintura faziam os feitios pretendidos. Para se conseguir imitar os materiais nobres, os profissionais utilizavam bocados de cartão, trinchas velhas “com três cabelos”, esponjas velhas, pincel de caiar, pincel de ponta, etc. Em suma, com estes materiais velhos que molhavam nas águas coloridas, tingiam os suportes. Na Figura 5.2 é possível constatar a beleza dos trabalhos de fingidos, a imitar o mármore, no átrio de escadas do palácio de Barahona (edifício onde actualmente funciona o Tribunal da Relação de Évora).

Depois de tudo concluído, o processo de colocar pó de talco ou jaspe com a boneca, de brunir com o colherim e puxar lustro e brilho, era idêntico às demais situações. É de realçar também, como já referido, que o estuque liso branco, colorido ou fingido se trata de uma camada bastante delgada, raramente excedendo os 2 a 3 milímetros de espessura.

Figura 5.2 - Átrio de escadas: Palácio Barahona - Évora