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A estigmatização ―loucura-crime‖ é ainda muito forte e presente na sociedade, quando nos deparamos com um crime considerado grave, principalmente contra a vida, perante o fato estarrecedor a primeira indagação é se o delinquente padece de alguma loucura ou transtorno mental. Ainda que inúmeros os acontecimentos significativos da história e evolução intelectual, o atual corpo social justifica a prevenção da atividade delitiva pelo manto do medo e de que o crime é praticado por anormais, piorando o olhar de piedade, medo e distanciamento perante o louco delinquente.

Sendo o instituto das medidas de segurança o modo a sacramentar todos estes aspectos negativos em face dos não-imputáveis, como a segregação em hospitais psiquiátricos, percebemos muito do pensamento Medieval e Renascentista dos asilos e Hospitais Gerais para higienização da sociedade. Assim, certas concepções históricas tornam-se um discurso ―instintivo‖ a estabelecer procedimentos de profissionais como os aplicadores do Direito e a Psiquiatria Forense, onde cada campo possui a sua dificuldade atrelado a situações próprias da sua ciência e com sérios óbices de integração de meios e objetivos junto ao direcionamento das medidas de segurança, em que o Psiquiatra se propõe a melhorar a qualidade de vida do delinquente mental utilizando tratamento condizente ao seu quadro clinico, enquanto que o Magistrado tem a preocupação, em sua maioria, com a segurança da sociedade ao decidir pela internação ou não do interno.

Assim, sendo o Direito um ramo pertencente ás ciências humanas e norteado pela função social, não há sentido de se aferrar à imutabilidade, burocracia e fórmulas frágeis e ultrapassadas, tais como a escolha do tratamento em medidas de segurança baseado na pena em abstrato do delito praticado, algo ilógico e sem qualquer ligação com função terapêutica e ilógica. Igualmente, a insistência do Direito Penal em atribuir forma científico-teórica ao conceito de periculosidade, decorrente da Escola Positiva, não se assemelha às incertezas da perícia devido ao fato de a Psiquiatria não sentir o conceito de maneira segura e lógica ao estado de saúde mental em constantes alterações significativas, mesmo dos sujeitos tidos normais. Porém, parece ser mais fácil manter o doente mental temeroso ao convívio

social, ampliando para a chamada periculosidade social aos imputáveis por crimes considerados graves. Neste ponto, as medidas de segurança fogem ao seu fim teórico de prevenção especial através do tratamento do não-imputável para função de poder e controle político que necessita ser monitorado, principalmente no que tange às garantias e direitos fundamentais.

Desta forma, a reforma psiquiátrica advinda da Lei nº 10.216 de 2001 é em demonstrar que conceitos, paradoxos, métodos terapêuticos devem ser revistos para os efetivos e consideráveis resultados de estabilidade dos quadros dos portadores de transtorno mental, uma vez que a lei objetiva demonstrar que tais portadores, mesmo os passiveis de medidas de segurança, são de responsabilidade interdisciplinar, dos três poderes, sociedade e familiar. Principalmente mostrar ao Direito Penal que não somos um campo isolado e somente apto a delegar funções às demais ciências, tal como a Psiquiatria, mas em aplicar as medidas de segurança condizentes aos princípios e direitos mínimos do interno, que se intercale com as possiblidades da sociedade em perceber o seu papel em todo este processo.

A Lei da Reforma Psiquiátrica proporciona tratar o portador de transtorno mental, em especial os relacionados às medidas de segurança, como pessoa de direitos sobressalentes à sua condição de mero sujeito que no passado praticou um ato delitivo. Desta forma, a garantir a proteção e eficácia dos direitos do portador de transtorno mental delinquente, a Lei da Reforma Psiquiátrica remodelou padrões com a quebra de paradigmas, tais como criar mecanismos práticos a propiciar especialidade de atenção e tratamento ao doente mental com inicio na fase de conhecimento do Direito Processual Penal e integrando à execução das medidas de segurança, com prioridade à sua saúde integrando-o às mesmas garantias estatais estendidas a todos os portadores de transtornos mentais, independente da prática delitiva.

As inovações estruturais e práticas advindas da reforma psiquiátrica, através de programas alternativos, como PAILI E PAI-PJ, demonstram organização e persistência de integração interdisciplinar atrelada ao Sistema Único de Saúde (SUS), com a percepção de consideráveis conquistas e avanços que é possível despenalizar o caráter executório das medidas de segurança e, ao mesmo tempo, alcançar a prevenção especial com benefícios à sociedade, com baixa reincidência delitiva.

Ademais, a Lei da Reforma Psiquiátrica, é instrumento a modernizar a consciência coletiva ao portador de transtorno delinquente, mesmo sendo um exercício árduo e constante para o alcance de proventos consideráveis a compreender que a chamada prevenção delitiva não tem como regra segregar, mas em atuar a partir do bem estar e dignidade ao inimputável ―enfermo‖ mental, onde a pessoa ao sentir-se tratada, respeitada e com importante papel importante junto ao quadro social é o caminho para a sua estabilidade psíquica.

Entretanto, temos a consciência de que certos indivíduos, salvo raras exceções, não poderão conviver em sociedade pelo risco negativo tanto ao corpo social quanto à sua integridade física e psíquica, os quais, todavia, conforme dito constituem, poucos casos.

Não obstante, ainda que significativas alterações tenham sido trazidas pela Lei da Reforma Psiquiátrica, assim como pela criação de grupos no Judiciário e Executivo com o intuito de fiscalização e efetividade dos direitos fundamentais, o nosso país é grande e diversificado culturalmente, com precária estrutura financeira e pública a dificultar em alguns momentos a consolidação e ampliação da rede de integração necessária para efetivar a reforma psiquiátrica, principalmente no tocante às medidas de segurança. Porém, temos que acreditar que dificuldades serão superadas e que o principal, a base para mudanças de integração interdisciplinar, já foi realizado pela Lei nº 10.216 de 2001 ao instrumentalizar a responsabilidade e forma de tratamento do portador de transtorno mental delinquente, demonstrando que a intervenção penal deve restringir-se a fiscalizar, zelar pela efetivação dos direitos do não-imputável durante o transcorrer do tratamento para que não ocorram abusos, violência e que todos os procedimentos visem, a priori, as liberdades individuais constitucionalmente asseguradas.